domingo, 6 de dezembro de 2015

"O destino de um nome" Texto de José Saramago inserido no libreto "Blimunda, Teatro Nacional de São Carlos - 1991"

"O destino de um nome" José Saramago

(Libreto "Blimunda" - Teatro Nacional de São Carlos / 1991)

"Muitas vezes me perguntei: porquê este nome? Recordo-me de como o encontrei, percorrendo com um dedo minucioso, linha a linha, as colunas de um vocabulário onomástico, à espera de um sinal de aceitação que haveria de começar na imagem decifrada pelos olhos para ir consumar-se, por ignoradas razões, numa parte adequadamente sensível do cérebro.
Nunca, em toda a minha vida, nestes quantos milhares de dias e horas somados, me encontrara com o nome de Blimunda, nenhuma mulher em Portugal, que eu saiba, se chama hoje assim. E tão-pouco é verificável a hipótese de tratar-se de um apelativo que em tempos tivesse merecido o favor das famílias e depois caísse em desuso: nenhuma personagem feminina da História do meu país, nenhuma heroína de romance ou figura secundária levou alguma vez tal nome, nunca estas três sílabas foram pronunciadas à beira duma pia batismal ou inscritas nos arquivos do registo civil. Também nenhum poeta, tendo de inventar para a mulher amada um nome secreto, se atreveu a chamar-lhe Blimunda. Tentando, nesta ocasião, destrinçar aceitavelmente as razões finais da escolha que fiz, seria uma primeira razão a de ter procurado um nome estranho e raro para dá-lo a uma personagem que é, em si mesma, estranha e rara. De facto, essa mulher a quem chamei Blimunda, a par dos poderes mágicos que transporta consigo e que por si sós a separam do seu mundo, está constituída, enquanto pessoa configurada por uma personagem, de maneira tal que a tornaria inviável, não apenas no distante século XVIII em que a pus a viver, mas também no nosso próprio tempo."



Páginas 8 a 11

"Ao ilogismo da personagem teria de corresponder, necessariamente, o próprio ilogismo do nome que lhe ia ser dado. Blimunda não tinha outro recurso que chamar-se Blimunda. Ou talvez não seja apenas assim. Regressando ao vocabulário, e mesmo sem recair em excessos de minúcia, posso observar como abundam os nomes de pessoa extraordinários e extravagantes, que ninguém hoje quereria usar e antes só excecionalmente, e contudo não foi a nenhum deles que escolhi: rareza e estranheza não seriam, afinal, condições suficientes. Que outra condição, então, que razão profunda, porventura sem relação com o sentido inteligível das palavras, me terá levado a eleger esse nome entre tantos? Creio que sei hoje a resposta, que ela me acaba de ser apontada por esse outro misterioso caminho que terá levado Azio Corghi a denominar Blimunda uma ópera extraída de um romance que tem por título Memorial do Convento: essa resposta, essa razão, acaso a mais secreta de todas, chama-se Música. Terá sido, imagino, aquele som desgarrador de violoncelo que habita o nome de Blimunda, profundo e longo, como se na própria alma humana se produzisse e manifestasse, que me levou, sem nenhuma resistência, com a humildade de quem aceita um dom de que não se sente merecedor, a recolhê-lo, num simples livro, à espera, sem o saber, de que a Música viesse recolher o que é sua exclusiva pertença: essa vibração última que está contida em todas as palavras e em algumas magnificamente." 
In libreto de Blimunda, Teatro Nacional de São Carlos, 1991


(Retrato de Azio Corghi, páginas 32 e 33)






"A adaptação de Claraboia, pelo grupo A Barraca, estreia a 10 de dezembro


Informação via página da Fundação José Saramago, aqui
em http://www.josesaramago.org/claraboia-a-barraca-estreia-no-dia-10-de-dezembro-obra-a-partir-do-romance-de-jose-saramago/

"A adaptação de Claraboia, pelo grupo A Barraca, estreia a 10 de dezembro

Nos anos 50, José Saramago escreveu um romance. Enviou-o a uma editora e nunca obteve qualquer resposta. Muitos anos depois, resgatado do esquecimento, o manuscrito foi entregue ao autor, que decidiu que o livro a ser publicado, o deveria ser apenas a sua morte.
Em 2011, Claraboia finalmente chegou aos leitores.
Agora, a história de seis famílias que habitam um prédio de Lisboa e vivem sob a nuvem do Salazarismo, ganha uma adaptação pelas mãos do grupo de teatro A Barraca. Num trabalho de adaptação de Maria do Céu Guerra e João Paulo Guerra, 17 atores sobem ao palco para encenar essa peça.

A obra estreia no dia 10 de dezembro, data em que se comemora o 17.º aniversário da entrega do Prémio Nobel de Literatura a José Saramago.  Para informações sobre horários e preçário aceda a:" http://www.abarraca.com

Imagem da apresentação e ensaio da peça na Fundação José Saramago, 
enquadrado no programa "Dias do Desassossego"

Pode ser consultada informação, na página do teatro A Barraca, aqui 

"A Barraca tem no seu historial inúmeras obras de ficção transformadas em escrita dramática, a partir das quais se produziram inesquecíveis espectáculos. É aliás esta uma das suas principais vocações. Viagens de Gulliver, de Swifft, O Diabinho da mão furada, de António José da Silva, Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, A Relíquia, de Eça de Queiroz, Gente da Terceira Classe, de José Rodrigues Miguéis, Os Emigrantes, de Ferreira de Castro, A Balada do Café Triste, de Carson McCullers, são apenas algumas dessas obras.

Neste sentido, A Claraboia, de José Saramago, constitui para A Barraca um desafio enorme. São dezassete personagens distribuídas em seis apartamentos num bairro de gente "remediada" na Lisboa dos anos 50. As suas necessidades, aspirações, quezílias, transgressões, mentiras são a principal matéria/desafio para um grande espectáculo de Teatro a acontecer. Tudo encerrado num espaço onde a ausência de amor é a parede mestra de cada casa e onde o fascismo à portuguesa, é vivido até ao mínimo pormenor com a policia à espreita dentro de cada um.

O entusiasmo de A Barraca e a  anuência da Fundação José Saramago levaram-nos a tentar dar cumprimento ao nosso sonho e programarmos este espectáculo para o segundo semestre de 2015.

Temos a certeza que este espectáculo honrará as instituições culturais envolvidas e não menos o seu autor." - Maria do Céu Guerra

Sinopse
"A ação do romance localiza-se em Lisboa em meados do século XX. Num prédio existente numa zona popular não identificada de Lisboa vivem seis famílias: um sapateiro com a respetiva mulher e um caixeiro-viajante casado com uma galega e o respetivo filho - nos dois apartamentos do rés do chão; um empregado da tipografia de um jornal e a respetiva mulher e uma "mulher por conta" no 1º andar; uma família de quatro mulheres (duas irmãs e as duas filhas de uma delas) e, em frente, no 2º andar, um empregado de escritório a mulher e a respetiva filha no início da idade adulta.

O romance começa com uma conversa matinal entre o sapateiro do rés do chão, Silvestre, e a mulher, Mariana, sobre se lhes seria conveniente e útil alugar um quarto que têm livre para daí obter algum rendimento. A conversa decorre, o dia vai nascendo, a vida no prédio recomeça e o romance avança revelando ao leitor as vidas daquelas seis famílias da pequena burguesia lisboeta: os seus dramas pessoais e familiares, a estreiteza das suas vidas, as suas frustrações e pequenas misérias, materiais e morais.

O quarto do sapateiro acaba alugado a Abel Nogueira, personagem para o qual Saramago transpõe o seu debate - debate que 30 anos depois viria a ser o tema central do romance O Ano da Morte de Ricardo Reis - com Fernando Pessoa: Podemos manter-nos alheios ao mundo que nos rodeia? Não teremos o dever de intervir no mundo porque somos dele parte integrante?"


Ficha Artística e Técnica
Texto - José Saramago
Adaptação do Texto - João Paulo Guerra
Dramaturgia - Maria do Céu Guerra e João Paulo Guerra
Encenação - Maria do Céu Guerra
Cenografia e Corrdenação de Guarda Roupa - José Manuel Costa Reis
Banda sonora - João Paulo Guerra
Assistência Geral do Espectáculo - Adérito Lopes e Sérgio Moras
Apoio à Direcção de Actores - Lucinda Loureiro
Elenco
Adérito Lopes - Carolina Parreira - Carlos Sebastião - Fernando Belo - Guilherme Lopes - Hélder Costa - Henrique Abrantes - João Maria Pinto - Lucinda Loureiro - Maria do Céu Guerra - Paula Bárcia - Paula Guedes - Paula Sousa - Rita Lello - Rita Soares - Rúben Garcia - Sérgio Moras - Sónia Barradas - Teresa Sampaio
Sonoplastia - Ricardo Santos
Iluminação - Paulo Vargues
Relações Públicas e Produção - Paula Coelho, Inês Costa
Cartaz/ Design Gráfico - Arnaldo Costeira
Fotografias - Movimento de Expressão Fotográfica:
Luis Rocha, Amélia Monteiro, Isabel Correia, Janica Nunes, José Fontinha Vieira, José Guerreiro, Ricardo Amoedo e Rui Viegas
Agradecimentos
EPC, Fundação Saramago, Pilar del Rio