segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Sobre o arquivo da Biblioteca Nacional de Portugal - Texto “Depois de Ein­stein já não há por aí quem ouse”

“Na ver­dade, ninguém sabe para o que nasce. Nem as pes­soas, nem os livros”
Última frase que pode ser lida na imagem digitalizada

José Saramago doou algum do seu espólio à BPN, e que pode ser consultada nos links que se indica.


Esta crónica de Isabel Coutinho do jornal Público, foi publicada no suple­mento Ípsilon, do dia 2 de Julho de 2010, e pode ser aqui consultada através do link, 

"Numa carta de 22 de Março de 1994, José Sara­m­ago escrevia: “Um dia destes, com vagar, vou dar uma volta aos meus des­or­de­na­dos arquivos. Há car­tas, papéis, man­u­scritos que não tenho o dire­ito de con­ser­var como coisa minha, pois na ver­dade per­tencem a todos.” E pouco depois, entre­gou à Bib­lioteca Nacional de Por­tu­gal (BNP) a primeira parte da doc­u­men­tação que faz agora parte do fundo da BNP e que foi aumen­tada em anos posteriores.

Quem conta esta história é Fátima Lopes, do Arquivo de Cul­tura Por­tuguesa Con­tem­porânea, na nota explica­tiva que se pode ler na secção Colecção José Sara­m­ago da Bib­lioteca Nacional Dig­i­tal, no “site” da BNP. Foi por causa da exposição “José Sara­m­ago: a con­sistên­cia dos son­hos”, que esteve no Palá­cio Nacional da Ajuda, em 2008, que foi cri­ado o espaço ded­i­cado ao escritor.

A BNP con­siderou que con­tribuiria, com­ple­men­tar­mente, para a divul­gação dos méto­dos de tra­balho de José Sara­m­ago através da dig­i­tal­iza­ção dos man­u­scritos de sua auto­ria exis­tentes no Arquivo de Cul­tura Por­tuguesa Con­tem­porânea, escreve, por sua vez, o direc­tor da Bib­lioteca Nacional, Jorge Couto. “Neste con­junto destaca-se ‘O ano da morte de Ricardo Reis’ (edi­tado em 1984) quer pela importân­cia do livro no con­texto da pro­dução literária sara­m­aguiana, quer porque os mate­ri­ais preparatórios, incluindo uma agenda de 1983 adap­tada ao ano de 1936, per­mitem anal­isar a metodolo­gia adop­tada na elab­o­ração dos seus romances, bem como as cor­recções e aper­feiçoa­men­tos que intro­duzia nos dac­tilo­scritos, ao tempo em que ainda uti­lizava máquina de escr­ever”, acrescenta.

Esta agenda tem uma capa azul e foi escrita por Sara­m­ago a tinta azul, com risca­dos e sub­lin­hados a mar­cador verde. É de 1983 mas os dias da sem­ana foram emen­da­dos pelo autor para a fazer cor­re­spon­der a uma agenda de 1936.
Mas avisa a Bib­lioteca Nacional: “Con­tém ano­tações diárias reti­radas da leitura da imprensa da época, sobre a vida quo­tid­i­ana e política: boletins mete­o­rológi­cos, venci­men­tos de escrit­urários ou con­tín­uos, a falta de carne em Lis­boa, nomes de sabonetes e de pro­du­tos de cos­mética, falec­i­men­tos de fig­uras da cul­tura por­tuguesa ou estrangeira, espec­tácu­los de teatro ou musi­cais, com locais e preços, numerosas refer­ên­cias aos prin­ci­pais acon­tec­i­men­tos históri­cos ocor­ri­dos em Por­tu­gal, Espanha e tam­bém na restante Europa durante o ano de 1936, período em que decorre a acção do romance.”

No “site” os leitores podem per­cor­rer a agenda página a página (em PDF ou JPG). Estão lá tam­bém os apon­ta­men­tos de Sara­m­ago para a escrita do romance (onde se percebe como o livro era arqui­tec­tado pelo autor), uma “Biografia de Ricardo Reis” (onde se lê: “Não casou. Se teve amantes no Brasil, não as chega a ter depois de regres­sar a Por­tu­gal”); uma “Sín­tese (absurda, idiota, necessária) das odes de RR” e apon­ta­men­tos históri­cos de 1936. Está tam­bém disponível para con­sulta “O Embargo I e II” (dac­tilo­scrito com emen­das) e “As opiniões que o D.L. teve / José Sara­m­ago”, com­pi­lação de alguns dos tex­tos que ao longo de quase dois anos, 1972–73, foram pub­li­ca­dos por Sara­m­ago, anon­i­ma­mente, no “Diário de Lis­boa”. E ainda o autó­grafo assi­nado “Depois de Ein­stein já não há por aí quem ouse”, que ter­mina com a frase: “Na ver­dade, ninguém sabe para o que nasce. Nem as pes­soas, nem os livros”. Pois é.

Colecção José Sara­m­ago na BNP