sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Pedro Barroso canta José Saramago - "Nasce Afrodite amor, nasce o teu corpo" (Os Poemas Possíveis)

Pode ser visualizado, aqui, via YouTube 

Do DVD de Pedro Barroso 40 anos de música e palavras - Afrodite - 
Poema de José Saramago e Música de Pedro Barroso


Afrodite 
"Ao princípio, é nada. Um sopro apenas, 
Um arrepio de escamas, o perpassar da sombra 
Como nuvem marinha que se esgarça 
Nos radiais tentáculos da medusa. 
Não se dirá que o mar se comoveu 
E que a onda vai formar-se deste frémito. 
No embalo do mar oscilam peixes 
E os braços das algas, serpentinos, 
À corrente se dobram, como ao vento 
As searas da terra, as crinas dos cavalos. 
Entre dois infinitos de azul avança a onda, 
Toda de sol coberta, rebrilhando, 
Líquido corpo, instável, de água cega. 
De longe acorre o vento, transportando 
O pólen das flores e os mais perfumes 
Da terra confrontada, escura e verde. 
Trovejando, a vaga rola, e fecundada 
Se lança para o vento à sua espera 
No leito de rochas negras que se encrespam
De agudas unhas e vidas fervilhantes, 
Ainda alto as águas se suspendem
No instante final da gestação sem par.
E quando, num rapto de vida que começa,
A onda se despedaça e rasga no rochedo,
O envolve, cinge, aperta e por ele escorre
- Da espuma branca, do sol, do vento que soprou,
Dos peixes, das flores e do seu pólen,
Das algas trémulas, do trigo, dos braços da medusa,
Das crinas dos cavalos, do mar, da vida toda
Afrodite  nasceu, nasceu o teu corpo."

in, "Os Poemas Possíveis"
Porto Editora, 2014, páginas 131 e 132
Publicado originalmente em 1966 pela "Portugália Editora"

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