"Em Oviedo, para um encontro organizado pela Fundação Municipal de Cultura sobre o tema 50 Propostas para o Próximo Milénio. Os proponentes convidados foram cinco: três filósofos (Gustavo Bueno, Gabriel Albiac e Antonio Escohotado), um economista e urbanista (Luis Racionero) e um romancista (este). Quando, há uns meses, recebi o convite, pus-me a imaginar o que teria sucedido se, no ano de 995, em Oviedo, ou num destes sítios das Astúrias, a alguém tivesse ocorrido a ideia de reunir cinco letrados (certamente todos teólogos, porque filósofos doutros saberes não os haveria então ali, e os economistas, os urbanistas e os romancistas ainda estavam por inventar), com o objectivo de apresentarem propostas para os próximos mil anos. Independentemente da circunstância de por aqueles dias, na Europa, haver sido posta a correr a voz de que o mundo se acabaria daí a cinco anos, e que portanto de nada iria servir quanto ali se dissesse, é mais do que duvidoso que as eminentes cabeças teológicas reunidas em Oviedo acertassem com uma só das suas propostas. Isto me levou a não pensar mais no milénio que está para chegar e a formular propostas apenas para amanhã, quando se supõe que ainda estaremos quase todos vivos. Permiti-me compará-las a uma ponte que, a meu ver, talvez seja necessário começar por construir, se queremos alcançar a outra margem do rio, lá onde, um dia, virão a ser construídos os magníficos palácios prometidos nas propostas dos meus colegas. Limitei-me, portanto, a sugerir: 1. Desenvolver para trás, isto é, fazer aproximar da primeira linha de progresso as cada vez maiores massas de população deixadas à retaguarda pelos modelos de desenvolvimento actualmente em uso; 2. Criar um novo sentido dos deveres da espécie humana, correlativo do exercício pleno dos seus direitos; 3. Viver como sobreviventes, isto é, compreender, de facto, que os bens, as riquezas e os produtos do planeta não são inesgotáveis; 4. Impedir que as religiões continuem a ser factores de desunião; 5. Racionalizar a razão, isto é, aplicá-la de modo simplesmente racional; 6. Resolver a contradição entre afirmar-se que cada vez estamos mais perto uns dos outros e a evidência de que cada vez nos encontramos mais afastados; 7. Definir éticas práticas de produção, distribuição e consumo; 8. Acabar de vez com a fome no mundo, porque isso já é possível; 9. Reduzir a distância, que aumenta em cada dia, entre os que sabem muito e os que sabem pouco. Na minha décima proposta preconizava um «regresso à filosofia» (apesar de ser leigo na matéria), mas retirei-a quando vi que os meus colegas, felizmente de acordo quanto ao essencial, discordavam resolutamente nos particulares, que é onde as questões realmente se decidem..."
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