Pergunto-me.
Quantas entrevistas, conferências, "mesas redondas", tertúlias públicas, debates, manifestações, intervenções... quantos destes actos, de exposição das suas ideias e palavras, terá José Saramago participado?
Há diversos relatos de salas com milhares de pessoas, acotovelando-se para o ouvir. Relatos de filas intermináveis para recolher o seu autógrafo, como se de uma estrela de cinema se tratasse.
José Saramago, foi um homem extremamente cuidadoso nas respostas que dava, quando entrevistado, mas essa ponderação, não o impedia de tocar "na ferida" dos assuntos, ou, não evitava o confronto sincero. Era disto que as pessoas, leitores ou não, nele admiravam. A resposta era dada, uma vezes com luva branca, outras vezes, dada com a intensidade de uma dor enorme.
Respondia, sempre com preocupações e anseios, dúvidas, raras certezas, com o confronto e a ironia, e devolvendo outras perguntas.
E agora...
Nestas suas palavras, denota-se a preocupação latente: - será que ajudei? será que fui útil?
(Sebastião Salgado, Betinho e José Saramago - Rio de Janeiro, 1997)
"Creio que me fizeram todas as perguntas possíveis. Eu próprio, se fosse jornalista, não saberia o que perguntar-me. O mal está nas inúmeras entrevistas que tenho dado. Em todo o caso, tenho o cuidado de responder seriamente ao que se me pergunta, o que me dá o direito de protestar contra a frivolidade de certos jornalistas a quem só interessa o escândalo ou a polémica gratuita."
José Saramago, 2009
"José Saramago nas Suas Palavras"
Caminho, edição de Fernando Gómes Aguilera
Página 13
Catalão José Luis Sampedro com José Saramago
Link para inserção no blog, em 24 de Outubro de 2008,
"86 anos"
"Dizem-me que as entrevistas valeram a pena. Eu, como de costume, duvido, talvez porque já esteja cansado de me ouvir. O que para outros ainda lhes poderá parecer novidade, tornou-se para mim, com o decorrer do tempo, em caldo requentado. Ou pior, amarga-me a boca a certeza de que umas quantas coisas sensatas que tenha dito durante a vida não terão, no fim de contas, nenhuma importância. E porque haveriam de tê-la? Que significado terá o zumbido das abelhas no interior da colmeia? Serve-lhes para se comunicarem umas com as outras? Ou é um simples efeito da natureza, a mera consequência de estar vivo, sem prévia consciência nem intenção, como uma macieira dá maçãs sem ter que preocupar-se se alguém virá ou não comê-las? E nós? Falamos pela mesma razão que transpiramos? Apenas porque sim? O suor evapora-se, lava-se, desaparece, mais tarde ou mais cedo chegará às nuvens. E as palavras? Aonde vão? Quantas permanecem? Por quanto tempo? E, finalmente, para quê? São perguntas ociosas, bem o sei, próprias de quem cumpre 86 anos. Ou talvez não tão ociosas assim se penso que meu avô Jerónimo, nas suas últimas horas, se foi despedir das árvores que havia plantado, abraçando-as e chorando porque sabia que não voltaria a vê-las. A lição é boa. Abraço-me pois às palavras que escrevi, desejo-lhes longa vida e recomeço a escrita no ponto em que tinha parado. Não há outra resposta."
"O Caderno"
Caminho, 2.ª edição
Páginas 115 e 116 (16 de Novembro de 2008)