Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Sobre a pintora Teresa Magalhães


(Acrílico sobre tela, 2000)

"As cores de Teresa Magalhães, tal como sou capaz de vê-las, 
ou segundo o que nelas julgo perceber, não têm nome. 
E mesmo que o tivessem não é isso que me importa. 
O que me importa, sim, é sentir nelas aquilo a que, provavelmente sem 
qualquer originalidade, chamarei uma instabilidade contínua do sentido".
José Saramago

Mais informações sobre a pintora Teresa Magalhães, aqui



Texto de José Saramago para apresentação de exposição

"Quando Rimbaud, no seu célebre soneto Voyelles, disse que o A era noir, não disse que era negro, quando disse que o E era blanc, não disse que era branco, quando disse que o I era rouge, não disse que era vermelho, quando disse que o U era vert, não disse que era verde, e quando finalmente disse que o O era bleu, não disse que era azul. Se o som de cada uma delas, pronunciada no francês que ele falava, suscitou no seu espírito a correspondência de uma cor diferente em cada caso, e supondo que em tudo isto houve algo mais que um artifício gratuito ou não foi o mero resultado de uma exigência simplesmente determinada pela métrica do verso, então teremos de concluir que o A dito em português nunca seria negro, nem branco o E, nem vermelho o I, nem azul o O, nem verde o U. Quer isto dizer que nem as vogais têm para toda a gente as cores supostamente sugeridas pelo som que produzem, nem as palavras são, elas próprias, as cores que convencionalmente expressam. Rouge só é vermelho no dicionário, aquelas duas sílabas não dizem o mesmo que estas três. É possível que a maioria dos pintores não perca tempo com dilucidações deste tipo, que mais lhes parecerão pueris exercícios de retórica, mas creio que não me equivocarei demasiado se disser que, para eles, os nomes das cores só têm utilidade na hora de ir comprar as tintas... O que depois se passa é outra coisa.

Penso em tudo isto enquanto contemplo as pinturas de Teresa Magalhães, mas não me detenho a interrogá-las sobre se têm alguma relação, directa ou indirecta, imediata ou evocativa, com as sugestões cromáticas consequentes da pronunciação das cinco vogais em português ou em francês. Pela simples razão de que as cores de Teresa Magalhães, tal como sou capaz de vê-las, ou segundo o que nelas julgo perceber, não têm nome. E mesmo que o tivessem não é isso que me importa. O que me importa, sim, é sentir nelas aquilo a que, provavelmente sem qualquer originalidade, chamarei uma instabilidade contínua do sentido. Contra a evidência material e visual de que, ao mesmo tempo, elas são o que vejo e estão onde as vejo (o francês de Rimbaud não daria para mais que dizer elles sont e elles sont...), afigura-se-me que cada uma destas pinturas foi imobilizada de repente, travada num instante preciso de um processo de transformação sucessiva e multiforme, tal como o caleidoscópio que fazemos girar nas nossas mãos e que, com motivo ou sem ele, abandonámos com uma certa ordenação de formas e cores, até que um novo movimento de rotação venha desordenar a imagem e reordená-la outra vez, para novamente desfazer o que, em potência, será sempre uma ordem ameaçada pela instabilidade. Estou certo de que se pudesse tomar uma destas tábuas nas minhas mãos e a rodasse a um lado ou a outro, outra imagem imediatamente surgiria, as mesmas cores, as mesmas formas, mas uma nova pintura. O mundo como caleidoscópio, o sentido como movimento, eis o que julgo ver na pintura de Teresa Magalhães. É certo que os escritores, em geral, sabem pouco destas coisas, Que a este seja perdoada a intromissão abusiva, é a minha esperança. De todo modo, por muito que isso custe a Rimbaud, o O nunca foi azul..."

"Cátedra Libre José Saramago" - "José Saramago: Primeiros escritos" pela Faculdad de Lenguas da Universidad Nacional de Córdoba da Argentina

Apresentação sumária do conteúdo da Cátedra



Asignatura: CATEDRA LIBRE JOSE SARAMAGO
Profesor: Titular: Dr. Miguel Alberto Koleff

Régimen de cursado: Anual
Carga horaria semanal
Los textos se leen en el idioma original o en idioma español si hay traducciones accesibles.
Docentes Invitados en 2016:
Prof. Clara Ryfenholz (Facultad de Lenguas, UNC)
Prof. Alejandra Britos (Facultad de Lenguas, UNC)
Lic. Ximena Rodríguez (Facultad de Lenguas, UNC)
Lic. Marisa Piehl (UNLaR)
Lic. Graciela Perrén (UNLaR)
Lic. Victoria Ferrara (UNLaR)

CRONOGRAMA TENTATIVO
Presentación de José Saramago y de la propuesta 2016
Análisis de Deste mundo e do outro (1971)
Análisis de A bagagem do viajante (1973)
Análisis de As opiniões que o DL teve (1974)
Análisis de O ano de 1993(1975)
Análisis de Os apontamentos (1976)
Análisis de Manual de pintura e caligrafia (1977)
Análisis de Objecto Quase (1978)
Evaluación


"Sobre rostos e mãos" Texto inserido em os "Cadernos de Lanzarote Diário III" (22/01/1995)

(Fotografia de João Francisco Vilhena)

"Sobre rostos e mãos:
Há quem fotografe rostos procurando nos seus traços o caminho para um espírito que se crê habitar por detrás deles; há quem se contente em captar a superfície plana e óbvia de uma beleza ou de uma fealdade inexplicáveis em si mesmas; há quem aceite deixar-se surpreender pela fotografia que fez, tal como espera que venha a surpreender-se o observador dela. Além de uma imagem, que será então o rosto para o fotógrafo? Um discurso, uma voz, uma pluralidade de discursos e de vozes? Expressivos até à fronteira do inefável, os rostos são o que mais facilmente mostramos e o que mais frequentemente ocultamos. Os rostos só são verdadeiramente autênticos quando desprevenidos: o medo, a cólera, um impulso que não pôde vigiar-se, exprimem a verdade total de um rosto. Em situações não extremas, o rosto é quase sempre, e só, um certo rosto referido a uma certa situação. E por isso que ele é capaz de revestir-se tão facilmente de expressões úteis, simulando um sentimento que não experimenta, uma emoção quando o pulso se mantém firme e o coração sossegado, um interesse quando está indiferente. Ou o contrário. 
Sendo, sem dúvida, instrumentos da vontade, da necessidade ou do desejo, as mãos são, não obstante, incomparavelmente mais livres que o rosto. Compomos a expressão da cara, não guiamos a expressão das mãos, e, se em alguma ocasião o tentamos, não tarda que recuperem o seu autónomo modo de ser, contradizendo muitas vezes, sem que nos dêmos conta, o que o rosto, artificiosamente, quer fazer acreditar. Dizem os antropólogos que a elas, em grande parte, devemos o cérebro que temos. Não custa nada a crer que assim seja, tão fácil é saber o que um cérebro é, só por olhar o que fazem as mãos."
In, "Cadernos de Lanzarote Diário III"
Caminho, páginas 25 e 26 (22 de Janeiro de 1995)