Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

«Quando Saramago dizia: "Portugal acabará por integrar-se na Espanha"» de João Céu e Silva - DN (01/12/2019)

"Há 12 anos, o escritor José Saramago recusou ser profeta mas anunciou a "Ibéria" no prazo máximo de meio século. O conflito na Catalunha pode afastar esta hipótese digna de uma sequela do romance A Jangada de Pedra."

"José Saramago na sua casa em Lanzarote, Canárias, Espanha. © Arquivo DN"

"A palavra Espanha, ou o que significa o pedaço de terra que faz fronteira com Portugal, está presente na história das mentalidades do país desde sempre. O desejo de independência também, mesmo que entre os escritores que pensaram esta relação ao longo dos séculos o desejo fosse de haver uma coexistência maior ao nível cultural, opinião que irmanava o escritor espanhol Miguel de Unamuno e o português Miguel Torga, expressa em vários parágrafos dos seus livros, poemas ou mesmo no ensaio do primeiro, intitulado Por Terras de Portugal e Espanha.

Unamuno era um investigador do lado de lá do seu país e estranhava o desejo suicidário de personagens seus colegas, como Camilo Castelo Branco, e de muitos outros portugueses desistentes de viver. Ao contrário, Cervantes viveu em Lisboa um par de anos no século XVI e achava que era na capital portuguesa que as pessoas gozavam bem a vida. E chegamos a José Saramago...

O único Prémio Nobel da Literatura da língua portuguesa olharia até mais de metade da sua vida para Espanha como a maioria dos seus compatriotas e, decerto, aceitava bem o velho ditado "de Espanha nem bom vento nem bom casamento". Mas não morreu com esse pensamento, pois até expressou o desejo de ser enterrado debaixo da oliveira que fora da terra natal, a Azinhaga do Ribatejo, para o jardim da sua biblioteca em Lanzarote. Tal não aconteceu, mesmo que da Azinhaga tenha ido uma oliveira substituta para a praça em frente à Casa dos Bicos, onde foi sepultado, e que esteve para morrer devido ao stress citadino que Lisboa lhe provocou.

Stress foi também o que José Saramago provocou à pátria quando declarou numa entrevista ao Diário de Notícias, a 15 de julho de 2007, o seguinte pensamento: "Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha." Era uma declaração tão inesperada para uns como aguardada por outros. Entre os "outros" estavam todos os que detestavam o escritor pelas suas posições políticas - e outros "defeitos" - e que não aceitavam que um português da sua geração fizesse tal afirmação. Entre os "uns" encontravam-se os que se embriagaram com a União Europeia e viam como aceitável que a Península Ibérica se unisse mais ainda e Portugal se tornasse uma província do país vizinho."

"Capa da edição do Diário de Notícias de 15 de julho de 2007, 
que incluia uma entrevista com a José Saramago. O Nobel criou polémica 
com a sua de ideia de uma ibéria unida com um só país."

"A declaração de Saramago devia-se ao ambiente vivido nesses dias, em que as sedes das multinacionais passaram a estar em Madrid e Espanha apresentava uma normalidade social e um crescimento económico atrativos. Tal como Saramago dizia ao DN, "a vida política nacional não produz melhor gente" e "é uma situação natural" que Espanha vá tomando conta da economia portuguesa; também a sondagem então feita por um jornal mostrava que mais de 40% dos portugueses lhe davam razão e não se incomodavam com uma União Ibérica.

Para Saramago, a União Ibérica, que aconteceria num prazo de 50 anos, não era a de Unamuno ou de Torga: "Culturalmente, não." Antecipava uma "integração territorial, administrativa e estrutural", em que "não deixaríamos de falar português e de escrever na nossa língua". Acrescenta: "Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castela-La Mancha, e teríamos Portugal. Provavelmente [Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria." Doze anos depois, no entanto, a realidade desmente Saramago e a integração de Portugal numa Ibéria contrasta com a violência dos desejos separatistas da Catalunha. Em 2007, o escritor antevia apenas um problema na unidade espanhola: "A única independência real que se pede é a do País Basco e, mesmo assim, ninguém acredita."

A Ibéria de Saramago foi uma proposta tão surpreendente que no dia seguinte vários jornais estrangeiros deram notícia do que dissera ao DN e na semana que se seguiu o planeta inteiro ouviu ecos: foram reproduzidos nos países nórdicos, na Índia, na América do Sul e até no órgão oficial do Partido Comunista da China. Como as fake news ainda não eram moda - esta pareceria hoje enquadrar-se bem nesse estatuto -, os jornais mais rápidos na resposta à ideia de Saramago foram os espanhóis, os ingleses e os italianos, e todos fizeram uma ou mais páginas a desenvolver o que seria essa "Ibéria" saramaguiana, mais próxima de um argumento para um romance do que de palavras de uma entrevista. A conclusão mais divertida era a de que com os jogadores ibéricos a península seria a maior potência do futebol.

Nem todos apreciaram a proposta de Saramago, a começar pelo governo que pôs o ministro dos Negócios Estrageiros Luís Amado a refutar esse futuro, bem como dezenas de comentadores e até o rei D. Duarte. Saramago não se incomodou, respondendo em nova entrevista ao DN que "quanto mais velho mais livre e quanto mais livre mais radical". Deu um ponto final com a seguinte resposta: "Não tenho mais nada a comentar. Está tudo na entrevista." E, para surpresa geral, um dia depois casa-se oficialmente com Pilar del Río em Castril (Espanha). Numa outra resposta na segunda entrevista, o escritor não refere o exílio em Espanha como razão para a polémica que deu a volta ao mundo: "Não [sou um exilado político], sou uma pessoa que mudou de bairro, alguém a quem o vizinho do andar de cima incomodava e decidiu ir para outra casa." Nem considera que mudar de país tenha sido uma decisão elaborada: "Houve uma altura em que andámos a tentar encontrar outra casa. Estivemos em Mafra e procurámos pela região e é quando sucede que nasce a ideia de fazer uma casa na ilha de Lanzarote para passar as férias."

O que levou José Saramago a fazer estas declarações sobre Portugal e Espanha? A convivência direta com o país vizinho após ter decidido mudar para Lanzarote de armas e bagagens e fixar-se numa ilha espanhola para sempre. Um país cuja importância e interesse dos seus jornais lhe deram uma exposição mundial - e latino-americana - que em Portugal as eternas intrigas nas redações proibiam; a vida com uma mulher espanhola que o seduziu com o anúncio de um amor tão real como literário e que foi em muito responsável para que a obra do autor chegasse aos corredores da Academia Sueca, e um conflito que começa com a censura de um secretário de Estado da Cultura ao romance Evangelho segundo Jesus Cristo."

"André, o arquiliterário!" via revista Aldeia Brasil (29/11/2019)

"André, o arquiliterário!"
Texto Rejane Martins Pires
Publicado em 29/11/2019
Via Revista Aldeia

Link da publicação em https://revistaaldeia.com.br/materia/1315/andre-o-arquiliterario

"Fundador do movimento Arquiliteratura, cuja proposta une arquitetura e 
literatura numa nova concepção de arte visual, 
André Braga tem convite para expor em Nova York"


"Se José Saramago escrevesse seus livros utilizando a arquitetura como linguagem, como seriam eles? E Anne Frank? E Fernando Pessoa? E Hemingway? Jorge Luis Borges? Parece estranho. Inimaginável. Agora, preste atenção nas fotos que ilustram esta matéria. Um olhar minucioso vai levá-lo à memória recente de alguma leitura. As obras integram o Projeto Arquiliterário do artista plástico André Braga. Numa tradução livre, algo como a arquitetura dos livros.

A autenticidade de seu trabalho tem chamado a atenção de curadores do Brasil e do exterior, inclusive, já tem convite para expor em Nova York no próximo ano, bem como na Bienal Internacional de Veneza e Bienal Internacional da Amazônia. Após conhecer a obra de Braga pelas redes sociais, o marchand brasileiro Louis Ventura, sócio da Saphira & Ventura Gallery, formalizou o pedido via email. 

Estar no mercado internacional significa muito trabalho por aqui. Cada projeto exige a leitura e a releitura de todas as obras do autor. “Eu procuro entender como o autor viveu, qual a relação dele com o mundo e de que maneira eu posso transpor isso para obra”, explica. Além disso, é preciso entrar na história para ser fidedigno ao texto e ao autor. Para isso, conta a ajuda da esposa, a professora de literatura Margarete Nath. 

A própria história deles daria um romance. Mestre em Letras e doutora em Linguística, Margarete conheceu André no Ceebja. Ela professora. Ele, um aluno com histórico de defasagem escolar comum a muitos brasileiros. Da paixão pelos livros, nasceu o afeto e o amor mútuos. Braga formou-se em História e atualmente é funcionário do Instituto Federal de Educação (IFPR). Casados há 11 anos, ambos vivem numa espécie de santuário, num sítio em Rio do Salto. 

É lá, nas horas vagas, que ele entra numa espécie de imersão. O silêncio só é quebrado pelos sons da natureza. A calmaria aparente esconde um turbilhão interior. André não para. Está sempre criando. Pensando em novas possibilidades. Enxergando além. Simples materiais como madeira, papel, metal, cola, barbante, tecido, galhos e outros pequenos objetos se transformam em arquitetura literária.

O leitor
Se você já leu algum livro de Edgar Allan Poe, conseguirá compreender o impacto que este autor teve na vida de André. Ele conheceu Poe aos 13 anos, na biblioteca da escola. Houve ali uma espécie de arrebatamento tão intenso que o menino fugia da sala de aula para ler em casa. Nunca mais parou.

Até mesmo no zoológico, onde trabalhou por alguns anos, concluía suas tarefas e corria para os livros. Toda esta entrega à palavra fez nascer o movimento Arquiliteratura, a união da arquitetura e da literatura como uma nova forma de arte. “É um trabalho muito recente. Há um ano, eu estava tentando criar uma árvore do conhecimento num pé de jabuticaba com o máximo de autores”, conta. Desmembradas da árvore, surgiram as primeiras construções baseadas em Saramago, Fernando Pessoa e Borges, e expostas despretensiosamente no Museu de Arte de Cascavel (MAC). "