Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 30 de janeiro de 2016

"Cartas para José Saramago" de Orlando Brito (Fotografo)

"Cartas para José Saramago"

"O carteiro já sabia que dificilmente encontrava o famoso destinatário e por isso confiava todas as correspondências que vinham pelos correios ao dono da Quitanda Mascote, uma pequenina mercearia vizinha do modesto apartamento de Saramago em Lisboa"

(Fotografia de Orlando Brito - 1993)
"O escritor português José Saramago recebe as correspondências 
que chegavam a seu endereço de Lisboa."

O presente texto pode ser consultado e lido, aqui

"Como foi – Em 1991, o laureado José Saramago resolvera mudar-se para Lanzarote, uma das ilhas Canárias, depois que seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, foi censurado em seu próprio país. Ao lado da mulher espanhola Maria Del Pilar (Nota correcção, Pilar del Río), ele dizia ter encontrado no lugar dois fatores ideais para meditar e escrever: silêncio e tranquilidade. Tranquilidade e silêncio no cenário de crateras e vulcões adormecidos do arquipélago atlântico.

O colega jornalista Luís Costa Pinto e eu viajamos para fazer várias matérias em Lisboa, então um canteiro de obras porque Portugal fora admitido na Comunidade Europeia. Arriscamos um encontro com José Saramago. Não foi difícil localizá-lo, consultamos a lista telefônica e lá estava o número em “Saramago, José”. Tivemos sorte. Ele mesmo atendeu à chamada e marcou hora para irmos à sua casa. Primeiramente, quis saber de quatro brasileiros, seus conhecidos: Jorge Amado, Roberto Pompeu de Toledo, Fernando Morais e José Sarney.

Depois, José Saramago nos deu uma longa entrevista, nos contou que não tirou o pé de Lanzarote durante meses. Disse que, enfim, podia escrever um diário. Queria narrar a vida pacata naquela aldeia, uma pequena novela de um personagem só.

O certo é que naquele início de 1993, coincidindo com nossa estada lá, o escritor estava de passagem por sua residência lisboeta para conferir a correspondência. Afinal, um ganhador do Prêmio Nobel de Literatura – e também do Prêmio Camões – recebe cartas de admiradores e amigos de todas as partes do mundo.

O carteiro já sabia que dificilmente encontrava o famoso destinatário e por isso confiava todas as correspondências que vinham pelos correios ao dono da Quitanda Mascote, uma pequenina mercearia vizinha do modesto apartamento de Saramago, à Rua dos Ferreiros, número 36-A, no Bairro da Estrela, um dos mais tradicionais da aprazíveis de Lisboa. Foi lá que fiz essa inusitada fotografia.

José Sousa Saramago – ateu e ativista do Partido Comunista – escreveu livros admiráveis, entre eles, Memorial do Convento, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Levantado do Chão, Conto da Ilha Desconhecida, Ensaio Sobre a Cegueira. O escritor, teatrólogo, dramaturgo, jornalista e poeta, nascido na freguesia de Azinhaga, na região do Alentejo, faleceu em 2010, aos 78 anos, na pequena cidade de Tias, província de Las Palmas, na Espanha, terra de sua mulher."


"Casa dos Bicos" sede da FJS, alguns elementos da sua história

Pequena abordagem da evolução histórica da "Casa dos Bicos" (baseada na fotografia postada na página do Facebook da Fundação José Saramago), datada de 1951; de onde se recua até ao século XIX, e daí até aos nossos dias.

A página da Direcção-Geral do Património Cultural, classifica o edifício "Casa de Brás de Albuquerque (Casa dos Bicos)", e cuja informação histórica pode ser aqui consultada, 
"A Casa dos Bicos é um dos raros exemplares da arquitectura renascentista que subsistiu da Lisboa manuelina. Foi mandada edificar por Brás de Albuquerque, cortesão de reconhecida e esmerada cultura humanista, devendo-se também ao seu patrocínio a construção da magnífica Quinta da Bacalhôa. 
Em 1521 Brás de Albuquerque integrou a comitiva real que conduziu a Infanta D. Beatriz, filha de D. Manuel, a Itália para seu o casamento com o duque Carlos III de Sabóia; aí, o conselheiro do Venturoso terá contactado com os modelos eruditos da arquitectura renascentista italiana. Ao voltar a Portugal, cerca de 1523, mandou erguer nos terrenos fronteiros à Ribeira Velha e à Alfândega que haviam pertencido ao vice-rei Afonso de Albuquerque, seu pai, um edifício inspirado nos palácios dei diamanti italianos, com loja, sobreloja e dois andares nobres, havendo alguns autores que atribuem a obra ao arquitecto régio Francisco de Arruda. 
A estrutura original ficou bastante danificada devido ao terramoto de 1755 e ao incêndio que se lhe seguiu. A fachada principal, que ficava virada à actual Rua Afonso de Albuquerque, caiu, e os dois andares cimeiros de todo o edifício ruíram. Em 1772 o edifício foi parcialmente reconstruído, mas a estrutura quinhentista ficou irremediavelmente alterada. Ao longo do século XIX a casa sofreu as mais variadas vicissitudes, chegando a ser utilizada como armazém de bacalhau por largas dezenas de anos. 
Cerca de 1960 a Câmara de Lisboa adquiriu a Casa dos Bicos, contratando em 1968 o arquitecto Raul Lino para executar um projecto de adaptação do espaço a museu. No entanto, a obra foi adiada, e somente em 1981 foi desenhado o plano de recuperação da Casa dos Bicos, pela mão do arquitecto Santa Rita. O espaço foi então adaptado às novas funções museológicas, sendo acrescentados ao edifício os dois andares que perdera com o terramoto. A fachada foi reconstruída segundo imagens antigas de Lisboa que mostram a estrutura original da casa de Brás de Albuquerque. 
De planta rectangular, o edifício distingue-se pela sua invulgar fachada, em que o aparelho de pontas de diamante de gosto renascentista - que originou a designação popular de Casa dos Bicos - se conjuga com as janelas contemporâneas inspiradas na linguagem decorativa manuelina, cuja distribuição irregular imprime ritmo à fachada. No piso térreo foram abertas portas de moldura regular com diferentes dimensões. A disposição original do espaço interior foi profundamente alterada para poder albergar os núcleos de museologia. 
Entre 1986 e 2002 o edifício albergou a extinta Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Actualmente, é a sede da Fundação José Saramago. 
Catarina Oliveira - DGPC, Julho de 2012"

A fachada da Casa dos Bicos, sede da Fundação José Saramago
Nas janelas, obra do artista plástico José Santa-Bárbara, baseada no "Memorial do Convento"
"Edição especial de Memorial do Convento, de José Saramago, comemorativa 
do vigésimo aniversário da sua primeira edição, em Outubro de 1982. 
É ilustrada com pinturas de José Santa-Bárbara que se incluem no ciclo «Vontades. 
Uma leitura de Memorial do Convento»." (Fonte: Bibliografia FJS)


Casa dos Bicos e a Oliveira transplantada da
Azinhaga, terra natal de José Saramago
Ponto de encontro e de acesso aos visitantes da Fundação José Saramago
(Na foto, a criança e a continuidade - Fotografia Helena Mesquita)


"Lisboa 1951 - Casa dos Bicos - Fotografia de Alfred Franz Adolf Ehrhardt"
Fotografia colocada na página do Facebook da Fundação José Saramago, aqui

Do blog "Lisboa de Antigamente" é feita uma abordagem histórica 
à construção e história da conhecida "Casa dos Bicos" Pode ser consultado, aqui 

(Rua dos Bacalhoeiros, 10/10F (Século XIX)
Paulo Guedes, in Arquivo Municipal de Lisboa

(Rua dos Bacalhoeiros, 10/10F (Século XIX)
José Artur Leitão Bárcia, in Arquivo Municipal de Lisboa

Mais informação, na página do Facebook, aqui




Reflexão sobre a sua obra e "actos de passagem" - Cadernos de Lanzarote Diário II (15/09/1994)

15 de Setembro (1994)
"Relendo ocasionalmente a conferência de Luciana Stegágno Picchio no Instituto de Cooperação Iberoamericana, em Madrid, em Maio do ano passado, quando da «Semana» dedicada a este autor, encontro a afirmação de que Levantado do Chão marcou uma «passagem» em toda a minha escrita, tanto em sentido temporal como estilístico e de género. Creio que de facto é assim, e eu próprio, sem esquecer a Viagem, o tenho designado por «livro de mudança», o que vem a dar mais ou menos no mesmo. Mas esta declaração de Luciana, agora refrescada pela leitura, leva-me a perguntar se os meus romances não serão, todos eles, afinal, não apenas «livros de passagem» como também autênticos «actos de passagem», que, implicando obviamente as respectivas personagens, talvez envolvam, mais do que pareça, o próprio autor. Não digo em todos os casos nem da mesma maneira. Por exemplo: de passagem a uma consciência se trata no Manual; da passagem de uma época a outra creio estar feito muito do Memorial; em passagens da vida à morte e da morte à vida passa Ricardo Reis o seu tempo; passagem, em sentido total, é a Jangada; passagem mais do que todas radical é a que quis deixar inscrita no Cerco; finalmente, se o Evangelho não é a passagem de todas as passagens, então perca eu o nome que tenho... Do que aí fica não tiro conclusões, nem para sim, nem para não. A primeira operação investigadora a cometer seria confrontar as sucessivas fases da minha vida com os livros que as prepararam ou delas foram consequência - e isso quem o fará? Não eu, porque de certeza me perderia no labirinto que inevitavelmente estaria a emaranhar no mesmo instante em que começasse a pôr a claro as primeiras relações de causa e efeito..."

in, "Cadernos de Lanzarote Diário II"
Caminho, páginas 196 e 197