Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 20 de março de 2018

"Entre o claro e o escuro: Uma poética da angústia em Saramago" de Jacob dos Santos Biziak (Ano da edição 2016)

Aqui link para apresentação da obra, 

"Pensando na especificidade da representação artística do ficcão romanesca contemporânea, entendemos que há uma nova postura diante do que seria a realidade e das suas possibilidades de ganhar contorno pela linguagem. Sendo assim, esta pesquisa busca articular a mimesis empreeendida pelo romance contemporåneo e o comportamento do narrador. Logo, ocorre um questionamento - muitas vezes, metalinguístico - do real criado pela diegese. O narrador promove mais um bordeamento do que um preenchimento de sentido; o que nos levou à ideia de que a narração do romance contemporâneo se estrutura como angústia. Então, acreditamos que o narrador é o elemento narrativo central para termos acesso à construção da realidade apresentada pela ficção romanesca contemporânea. Diante disso, elegemos a angústia como afeto majoritariamente presente dentro deste romance, não só enquanto tema, mas também como constituinte da estrutura diegética. Dada esta situação, escolhemos dois romances de Saramago - pertencentes a fases distintas da obra do escritor, História do cerco de Lisboa e Ensaio sobre a cegueira - como exercício de análise dentro da proposta descrita anteriormente. Por fim, esta pesquisa busca não somente contribuir com estudos a respeito do romance contemporâneo, mas também sobre o funcionamento do narrador diante da tarefa de representar uma realidade. A respeito da metodologia, sobre a mimesis, a obra de Luiz Costa Lima é fundamental ao trabalho; principalmente pelo percurso diacrônico que propõe, ao mesmo tempo em que revê suas próprias postulações sobre o assunto. A obra de Genette é a base que permitiu fazer os estudos sobre narrador evoluírem em nosso trabalho. Sobre a angústia, são centrais as obras de três pensadores: Kierkegaard, Freud e Lacan (além de obras de intepretação da arte a partir destes mesmo autores)

How to cite this document
BIZIAK, Jacob dos Santos. Entre o claro e o escuro: uma poética da angústia em Saramago. 2015. 135 f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciencias e Letras (Campus de Araraquara), 2015"



Aqui link para apresentação da obra, 
em https://www.travessa.com.br/entre-o-claro-e-o-escuro-uma-poetica-da-angustia-em-saramago/artigo/061ddfef-f708-4fae-a646-a273db9d2ce8

SINOPSE

"O caminho rumo àquilo que conhecemos como arte moderna e arte contemporânea e também rumo à filosofia contemporânea consagra-se com o reconhecimento da noção de verdade não mais sob uma ótica essencialista, que “moraria” no objeto, mas enquanto intervalo. Desta forma, os valores não são substância a ser alcançada, mas movimento a ser sempre repetido e rememorado no espaço necessário entre o Eu e o Outro. A única forma de estabelecer ligações entre um e outro é por meio do campo simbólico das representações, que, por seu turno, são significantes que, para manutenção do desejo, nunca podem ser reduzidos a um sentido estanque. Isso, de forma muito simplificada, é o princípio constituinte do angústia, que conduz à fundação do humano, que, por seu turno, remete à arte.

Sendo assim, este trabalho de doutorado busca analisar a presença da angústia dentro de duas obras do escritor português José Saramago: História do cerco de Lisboa (1985) e Ensaio sobre a cegueira (1995). Entendemos, nesta pesquisa, que a angústia, dentro do amplo quadro da ficção contemporânea, é representada não somente enquanto figura ou tema, mas, acima de tudo, como estrutura narrativa; uma vez que a narração se processa como angústia. Nas duas obras apontadas, a partir da maneira como o narrador exerce sua postura provisória diante dos fatos, assumindo o discurso como intervalar, a angústia torna-se o próprio material de que a obra romanesca é feita.

Dessa maneira, o ponto estabelecido para chegada é o cotejamento entre as duas obras do escritor lusitano de maneira a apontar uma possível poética organizadora de sua produção romanesca. Para isso, estabelecem-se relações, ao fim do trabalho, com outros livros do autor. O mais interessante é que a constatação da angústia como causadora de um efeito de sujeito intervalar ocorre, paulatinamente, junto com a ideia de que existam peculiaridades na ficção contemporânea e sua mímesis.

autor: Jacob dos Santos Biziak (2016)"

"The Tale of the Unknown Island" foi apresentado no "Gate Theatre" (Londres) ("The Guardian" 19/09/2017) - "O Conto da Ilha Desconhecida"

Adaptação de "O Conto da Ilha Desconhecida" baseada na obra original de José Saramago.

A informação relativa ao espectáculo apresentado, pode ser recuperada e consultada aqui
em https://www.theguardian.com/stage/2017/sep/19/the-unknown-island-gate-theatre-london-review-jose-saramago

"The Unknown Island review – Saramago odyssey asks the audience to dream"

Adapted from José Saramago’s short story, Ellen McDougall’s grownup fairytale draws spectators into a circle of bread, wine and storytelling

"Questioning the old certainties … The Unknown Island. Photograph: Cameron Slater"

"The Gate’s new artistic director, Ellen McDougall, begins her tenure by offering us the essentials of life, sharing bread, wine and storytelling with her audience in this version of Nobel prize-winning writer José Saramago’s short story.

Adapted by McDougall and Clare Slater, it becomes something like a grownup version of Jackanory as we are told of a man who asks the king for a boat so he can find an unknown island. Rosie Elnile’s design wraps the entire Gate space in blue fabric, suggesting both the sea and a dreamworld. As we enter, the only other flash of colour is from a red sailing boat.

McDougall’s previous big hit at this address was Roland Schimmelpfennig’s rewriting of Greek myth, Idomeneus, a play that questioned all the old certainties of an ancient story. She does the same here and with similar playfulness – including plenty of her trademark balloons, used to clever comic effect."

"Unique viewpoint … Zubin Varla. Photograph: Cameron Slate"

"The show challenges us to imagine a new way of living – and to be brave enough to try to seize it. When the king confidently tells the man that all the islands “are on the maps”, the man defies that thinking by pointing out that “only the known islands are on the maps”. He is joined on his quest by the palace’s cleaning woman, who is similarly intent on taking control of her own story.

On the surface, the show looks like the simplest kind of storytelling, but it is smartly conceived, down to the way the audience are seated around the edge of the playing space so they form a community, constantly catching each other’s reactions. The production shares the storytelling between performers Jon Foster, Hannah Ringham, Thalissa Teixeira and Zubin Varla, who may swap characters but always seem to offer their own view of the tale, their voices lapping over each other like the waves of the sea.

And McDougall gives us the chance to own the story, too, inviting the audience to dream their own dreams."


Link de apresentação da peça de teatro

Apresentação da peça de teatro

"What is this unknown island you want to go in search of?
If I could tell you that, it wouldn’t be unknown. 

You want to go in search of an unknown island.  
Because somewhere out there, there must be something else. 
Because you want to find out who you are when you are there. 

You ask the king for a boat. 
You don’t know where you are going, or even how to sail.
You won’t take no for an answer. 

The Unknown Island is a beautiful, inventive and rebellious adventure story about dreaming of the impossible and trying to cross the vast distances between ourselves and each other.

Based on Nobel prize-winning novelist Jose Saramago’s short story, The Tale of the Unknown Island, adapted for the stage by Ellen McDougall and Clare Slater."

"Gate Theatre"

Gate Theatre
11 Pembridge Road
Notting Hill Gate - London W11 3HQ
Box office: 020 7229 0706

do "Ensaio sobre a Cegueira" nas palavras de José Saramago

"Este é um livro francamente terrível 
com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo… 
São 300 páginas de constante aflição. 
Através da escrita, tentei dizer que não somos bons 
e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." 
José Saramago

Acervo pessoal


"José Saramago e suas personagens" de Adelto Gonçalves para o "Jornal Opção" (12/08/2017) - Alusão ao trabalho de Salma Ferraz (EdiFurb, 2012)

O trabalho de Adelto Gonçalves, para o "Jornal Opção" (Brasil, 12/08/2017) sobre e baseado na obra de Salma Ferraz - “Dicionário de Persona­gens da Obra de José Saramago” (Editora da Fundação Universidade Regional de Blu­me­nau [EdiFurb], 2012), pode ser consultado e recuperado aqui

"José Saramago, escritor português, autor de “O Evangelho segundo Jesus Cristo” 
Foto: Reprodução"

"Principal verbete do dicionário 
que trata das criações do 
autor português é sobre Jesus Cristo"

"Um levantamento de 354 protagonistas e figurantes – praticamente, to­dos – que perpassam os romances e peças teatrais do Prêmio Nobel de Li­teratura de 1998 é o que o leitor vai encontrar em “Dicionário de Persona­gens da Obra de José Saramago” (Editora da Fundação Universidade Regional de Blu­me­nau [EdiFurb], 2012), da professora Salma Ferraz, resultado de uma pesquisa que durou mais de 15 anos e contou com a colaboração de mais de oito dezenas de seus alunos.

Obra aberta, sem a pretensão de se tornar definitiva ou completa, o livro, além de homenagear Sa­ramago, segundo a autora, tem o objetivo de não só catalogar a imensa galeria de personagens saramaguianos como abrir um debate e até mesmo aceitar novos verbetes para uma futura segunda edição. Mas, desde já, constitui, sem dúvida, leitura indispensável aos amantes da boa literatura de Saramago.

Da pesquisa, ficaram de fora os contos e crônicas da primeira fase de Saramago, ainda que o romance “Terra do Pecado” (1947), também da época inicial da trajetória do autor, tenha sido igualmente analisado. Exceção foi aberta para “O Conto da Ilha desconhecida” (1997), que faz parte da fase madura do escritor. Já o romance “Claraboia”, embora escrito em 1953, e, portanto, da primeira fase, mas publicado em 2011 pela editora Companhia das Letras, de São Paulo, não foi incluído na pesquisa por se tratar de publicação post mortem.

Como esclarece na apresentação que escreveu para sua própria obra, a autora incluiu ainda determinados lugares que aparecem em alguns dos romances, já que “transcendem o papel de mero local em que os fatos acontecem e chegam a comportar-se como personagens importantes para o desenvolvimento do enredo”. A título de exemplo, pode-se citar o “Centro” (shopping) de “A Caverna” (2000), a “Conser­va­tó­ria Geral” e “Cemitério Geral” de “Todos os Nomes” (1997), o “quarto da morte” de “As In­ter­mitências da Morte” (2005) e o “de­serto” de “Evangelho Segun­do Jesus Cristo” (1991). Perso­ni­ficações como “morte” e “gadanha” de “As Intermitências da Morte” e instituições como “máphia” e “governo” do mesmo romance também ganharam verbetes.

Até mesmo personagens que fogem à condição humana foram contemplados, como os cães “Acha­do”, “Ardent”, “Tomarctus” e “Cão das Lágrimas”, que na obra de Sara­mago tantas vezes apresentam sentimentos e reações que nem sempre são encontrados com facilidade em homens e mulheres. Sem contar o “Elefante”, que seria a personagem principal do conto “A Viagem do Elefante” (2008).

Uma das personagens mais fascinantes dessa extensa galeria, na ver­da­de, não saiu da cabeça de Sara­ma­go, mas do poeta Fernando Pes­soa (1888-1935). Trata-se de Ricardo Reis, protagonista de O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), heterônimo pessoano, cuja “morte” foi deixada em aberto por seu idealizador. No romance de Saramago, po­rém, Reis tem 48 anos de idade, é sol­teiro, natural do Porto, graduado em medicina, vive no Rio de Janeiro auto-exilado e recebe de seu segundo criador, como diz Salma, “uma segunda vida fictícia, uma vida em trânsito, uma vida em suspenso”. Ou seja, o ro­man­cista recria um Ricardo Reis “que nunca existiu”, que acaba por se tornar, isso sim, um heterônimo saramaguiano.

“O romancista brinca com essa personagem, pois através dela transgride os limites entre realidade e ficção”, diz a dicionarista. E acrescenta: “Sa­ramago faz com que Ricardo Reis perca características heteronímicas básicas, sendo esse o motivo pelo qual Pessoa aparece na obra para cobrá-lo. Isso o perturba, pois seu heterônimo não se envolvia com nada, vivia uma ataraxia. Reis se mantém contemplativo até a última página do livro e como um morto-vivo, ou vivo-morto, não consegue se libertar do seu criador”. Para quem não sabe, ataraxia quer dizer apatia ou ausência de paixão ou ainda ausência de inquietude.

Outra personagem fascinante – e memorável – da obra saramaguiana é Raimundo Benvindo Silva, protagonista de “História do Cerco de Lisboa” (1989), revisor de textos de uma editora, homem sóbrio e tímido, cinquentão, de vida sedentária, solteiro e distante de seus parentes, que, um dia, acha de transgredir as normas de seu ofício, ao colocar um não que adultera uma obra séria que trata da tomada de Lisboa no ano de 1147, na qual os portugueses teriam contado com a ajuda dos cruzados para expulsar os mouros. O livro é impresso com o erro e, quando descoberta a fraude, a editora é obrigada a anexar uma errata a cada exemplar. Com isso, o olho da rua começa a piscar para o pacato e sério revisor, responsável pelo mal-estar criado entre os donos da editora e o autor da obra.

O episódio serve para Raimun­do Silva aproximar-se de Maria Sara, sua nova supervisora na editora, também objeto de verbete nesta obra. A partir daí, sua vida começa a ganhar novas cores, como diz Salma Ferraz: “Ter co­locado este não no texto que revisava foi o feito mais importante de sua vida, pois a partir desse mo­mento delineiam-se dois fatos importantes que mudarão completamente sua vida: passa a reescrever, agora como autor, a nova “História do Cerco de Lis­boa”, e passa a viver um cerco amoroso, envolvendo-se com Maria Sara”.

Obviamente, os verbetes repetem, em boa parte, o que o autor deixou em sua extensa obra, mas há um que se sobressai não só por sua extensão (de seis páginas) como pela erudição da dicionarista e o seu profundo conhecimento de Teologia, o que pode ser comprovado em seu robusto currículo. É quando trata da personagem Jesus, de “O Evangelho Segun­do Jesus Cristo”, homem, porque filho de José, e divino, por ser também filho de Deus.

Salma Ferraz recorda que, “na concepção de Jesus, o divino fe­cunda a carne humana, como na an­tiga Grécia, onde os deuses desciam do Olimpo para se relacionar com os humanos, fazendo nascer os heróis, estes semideuses que nada mais eram que humanos virtuosos sob determinados aspectos”.

Para a dicionarista, Saramago, que sempre se disse materialista e ateu, escreveu um “evangelho profano, espécie de desevangelho”, procurando mostrar Jesus Cristo como um homem co­mum, que carregaria a culpa herdada do pai José que, para que ele vivesse, teria deixado que “outras 25 crianças inocentes fossem assassinadas”. E que se revolta contra Deus que o teria escolhido como o seu cordeiro. Ou que não se daria bem com a mãe, Maria, nem com os seus irmãos, que o teriam tomado por louco por afirmar que vira Deus. Ou ainda que teria tido um caso passional com Maria de Magdala.

Obviamente, tudo isto é questionável. Tanto que, para a dicionarista, o romancista criou um Jesus que reflete as suas próprias dúvidas. Mas, seja como for, não se pode deixar de reconhecer que, para escrever o seu Evangelho, Saramago teve de se aprofundar como poucos teólogos no conhecimento das Escrituras. Até mesmo para contestá-las ou interpretá-las ao seu modo.

Salma Ferraz é graduada em Letras pelas Faculdades In­te­gra­das Hebraico Brasileira Renas­cença de Letras de São Paulo (1987), com mestrado em 1995 e doutorado em 2002 pela Uni­ver­sidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis. Concluiu o pós-doutoramento em Teologia e Literatura em 2008 pela Universidade Fe­de­ral de Minas Gerais (UFMG). Foi bolsista da Fundación Carolina na Univer­si­dad Autónoma de Madrid (2009). Atualmente, é professora associada de Literatura Portuguesa da Universidade Fe­deral de Santa Catarina (UFSC) e atua na pós- graduação, orientando projetos de pesquisa na área de Teopoética, estudos comparados entre Teologia e Literatura.

Adelto Gonçalves é mestre em Língua e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP)"


"Dicionário de personagens da obra de José Saramago
Autor: Salma Ferraz
Ano: 2012
Editora: EdiFurb
Páginas: 360"

Revista "Colóquio" (Junho 1970 Edição #59) - Artigo de António Ramos Rosa "Provavelmente Alegria"

Detalhe da publicação aqui