Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 7 de fevereiro de 2016

"A Casa" em Tías - Lanzarote... Uma casa feita de livros

(O relógio parado nas 4 horas e a estatueta)

Mais informação, pode ser consultada aqui
em http://acasajosesaramago.com/pt-pt/a-casa/

“Uma casa feita de livros”: assim definiu José Saramago a vivenda em que passou a maior parte dos seus últimos 18 anos. Construída de raiz para as necessidades de duas famílias, a Saramago-Del Río por um lado, por outro a Pérez-Fígares-Del Río, cúmplices no projecto arquitectónico e na vida. Assim, cruzado o portão de entrada, um pequeno pátio dá acesso às duas vivendas e às zonas comuns. Defronte está a porta da casa de José Saramago."

"Sobre a fotografia" texto inserido em os "Cadernos de Lanzarote Diário III" (21/01/1995)

(Fotografia de Marcelo Buainain)


"Sobre a fotografia: 
As mãos levantam a câmara fotográfica à altura dos olhos e o mundo desaparece. Rápido ou lento, segundo o grau de urgência ou de provocação da imagem que vai ser captada, o movimento das mãos respondeu a um estímulo visual. Agora, por trás do visor, o olho fará reaparecer, não o mundo, mas um fragmento dele, o pouco que pode caber num rectângulo cujos lados, como lâminas insensíveis, talham e cerceiam o corpo da realidade. Naquele derradeiro e ínfimo instante que precede o disparo da objectiva, e como se ao longo das linhas que imperativamente limitam o visor existisse uma rede de microscópicas condutas, o mundo exterior ainda procurará penetrar no espaço que lhe foi retirado, para nele deixar um sinal da sua obliterada dimensão. Fragmento de um todo ou da sua aparência, cada fotografia, por sua vez, é fragmento de fragmentos, e, por um movimento de aproximação e expansão em todas as direcções, ao mesmo tempo que pelo movimento contrário de conversão ao ponto de resolução que finalmente é, torna-se, na imagem única que apresenta, leitura múltipla do mundo. Mas isso só mais tarde nos será mostrado, quando a imagem apreendida tiver passado, revelada, ao papel. Então saberemos verdadeiramente o que havíamos visto quando e onde apenas julgávamos não ter feito mais do que olhar. 
Espalhamos as fotografias diante de nós, dispomo-las por temas, assuntos, afinidades, queremos que umas façam perguntas e outras respondam, desejaríamos que contassem uma história, mesmo que breve, mesmo que não viéssemos a conhecer-lhe o fim. Mas parece ser do natural das imagens, ainda quando colhidas de um mesmo objecto e num período mínimo de tempo, resistirem a perder a sua identidade: cada uma delas quererá ser, por supostas e exclusivas virtudes suas, o alfa e o ómega, não só da compreensão de si mesma mas também de todas as decifrações possíveis do espaço invisível que a rodeia, dessa ausência representada pela brancura das margens. O que a fotografia não pode mostrar é precisamente o que emprestaria sentido de realidade ao que estiver mostrando. Por isso talvez seja correcto afirmar que o olho que vê a fotografia, justamente por ser fotografia o que vê, não é o mesmo, ainda que o mesmo seja, que olhou e viu uma parte do mundo para fotografá-la."

in, "Cadernos de Lanzarote Diário III"
Caminho, páginas 24 e 25 (21 de Janeiro de 1995)