Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A "Jangada de Pedra" numa conferência em Las Palmas (Centro Insular de Cultura) - Cadernos de Lanzarote Diário II (30/09/1994)



30 de Novembro (de 1994)
"Palavras iniciais da conferência que fui dar em Las Palmas, no Centro Insular de Cultura: «Vivemos, nós os que habitamos nas Canárias, em sete jangadas de pedra erguidas pelo fogo e agora ancoradas no mar, se não contarmos uns quantos ilhéus que são como barcas orgulhosas que não tivessem querido recolher-se ao porto. Embora não creia no destino, pergunto-me se ao escrever a minha Jangada de Pedra, a outra, não estaria já buscando, sem o saber, a rota que sete anos depois me havia de levar a Lanzarote. 
«Porém, a "jangada de pedra" não é só o original e particular meio de transporte de que me sirvo para as grandes ocasiões: ela é também essa parte do mundo que nos leva e traz desde antes que pudéssemos chamar-nos a nós próprios portugueses e espanhóis, a velha península carregada de história e de cultura que cometeu o prodígio de fazer-se inteira ao mar para levar a Europa aonde ela não parecia capaz de ir pelas suas próprias artes e indústria. E se, cinco séculos depois, um discreto escritor português se atreveu a romper as amarras que nos prendem ao cais europeu, foi ainda para tentar persuadir a Europa, e em primeiro lugar a portugueses e espanhóis, de que já é tempo de olhar para o Sul, de respeitar o Sul, de pensar no Sul, de trabalhar com o Sul, e de que a possibilidade de um efectivo papel histórico dos povos da Península Ibérica no futuro depende da sua compreensão de que são, de um lado e do outro da fronteira, continentais, sim, mas também atlânticos e ultramarinos.» E acrescentei, rematando assim a introdução: «Talvez possam entendê-lo melhor que ninguém estes sete "adiantados" da Ibéria que são as ilhas Canárias, estas sete jangadas caldeadas por dois fogos, o do céu e o da terra. Não falo aqui dos Açores portugueses, que quase só olham para os Estados Unidos, nem da Madeira, que não consegue saber para onde há-de olhar...»" 

in, "Cadernos de Lanzarote Diário II"
Caminho, páginas 240 e 241