Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 7 de junho de 2016

13 de Junho a Fundação José Saramago celebra o 4.º aniversário da sua abertura

No próximo dia 10 de junho, a Fundação José#Saramago está de portas abertas no seu horário habitual. No dia 13 de junho, dia em que se assinala o 4.º aniversário da abertura da FJS na Casa dos Bicos, o horário será das 14H às 18H30, com o seguinte programa:


Via Fundação José Saramago


"Todos faremos jornais um dia" texto de Março de 1990 incluído na obra "Os Apontamentos" (edição Porto Editora)

Estatueta retratando José Saramago  - FJS

"Todos faremos jornais um dia"
"Nesse dia, estão cumpridos doze anos sobre a data, teve Luzia Maria Martins a lembrança de convidar-me a escrever uma peça de teatro, fingindo ignorar, com assinalável generosidade, que dessas artes mágicas, provavelmente, não teria eu outra informação que uns escassos rudimentos adquiridos em vida de especta-dor mais atento às histórias contadas no palco do que aos modos próprios de as contar ali. Não surpreenderá, pois, que tenha recusado o convite, como também não deverá surpreender, conhecidas as contradições e as incongruências da humana natureza, que quarenta e oito horas depois me tenha resolvido a aceitá-lo. Não é este o lugar, felizmente, menos ainda a ocasião, de apurar se os resultados valeram a pena: as águas de ontem não movem os moinhos de hoje, tendo variado tanto, em farinha e fermento, a composição do pão. 
Chamei a essa peça A Noite, que foi a de 25 de abril, pois claro. houve quem gostasse, houve quem não. A ação, como é costume dizer-se, passava-se na redação de um grande jornal diário, ma-latino, que os mais suspicazes logo se apressaram, à boca pequena, a identificar, e o conflito opunha os bons aos maus, como é de regra, com vitória final e glória dos primeiros, que eram ótimos, e humilhação e vergonha dos segundos, que eram péssimos. Penso, contudo, que não seria justo acoimar este primeiro tentame teatral dos obséquios de um maniqueísmo elementar, porquanto, entre os anjos e os demónios, crê o instinto do autor ter sabido reservar um lugar àquela gente, sempre a mesma, que espera o desatar dos conflitos para apanhar do chão os restos, enquanto não vem a hora desejada de fazer-se ao substancial. Sobre esta história, tão extremadamente ingénua, não volta-rei a falar aqui, pois a ela não se destina uma apresentação que, propondo-se brevíssima, já leva algum tempo perdido. Apenas recolherei das páginas do livro que A Noite também veio a ser a epígrafe que lá se pode ler e que encabeça estas linhas: «Todos faremos jornais um dia», atribuída a um autor anónimo que, escusado seria dizê-lo, não existiu nunca. Vem a propósito referir que não foi esse o meu primeiro e inocente embuste bibliográfico: já em A Bagagem tinha feito aparecer uma citação assaz panglossiana de um imaginário Manual do Viajante, que pro-clamava: «[...] é muito raro poder dizer-se que uma viagem é per-feita antes de acabar. Mas acontece». Deverei acrescentar que, desde então, não me faltaram as oportunidades para confrontar esta aerifica convicção com os factos da vida. Hoje, no geral, não seria tão afirmativo. Quanto ao particular, melhor será que re-serve a minha opinião." 

Estatueta de José Saramago presente na biblioteca da FJS

"Vamos pois ao tema, poupando, se possível, as palavras. Ao proclamar que todos um dia faríamos jornais, o que eu tentei foi exprimir uma espécie de aspiração cívica, evidentemente utó-pica, segundo a qual o direito de informar e de ser informado se regeria por exclusivos ditames de verdade e de dignidade, sem cedências ou contemporizações com qualquer forma de poder. Não estaríamos a salvo do erro, porém justificar-nos-ia a boa-fé. Estas ideias, que a muitos hão de parecer, hoje, antiquadas e fora de uso, quando os jornais são, eles próprios, na sua maioria, poder ou instrumento de poder, criaram-se e alimentaram-se durante as duas épocas em que, mais por imperativas circunstâncias do momento do que por apetites irresistíveis de vocação, me achei a trabalhar na imprensa. A primeira foi vivida no Diário de Lisboa, nos anos de 1972 e 1973, quando o marcelismo já estava na sua fase de decomposição. A segunda, no Diário de Notícias, durou muito menos: tendo começado nos princípios de abril de 1975, no rescaldo dos acontecimentos de 11 de março, veio a ter-minar no dia 25 de novembro desse mesmo ano, por óbvias razões. Experiências diferentes, mas, tanto numa como noutra, foi de liberdade que se tratou: no primeiro caso, uma liberdade que se pressentia; no segundo caso, uma liberdade que afinal era preciso aprender. 
Juntam-se agora neste volume os dois pequenos livros em que essas experiências, no seu tempo, se configuraram. Toma por título o título de um deles - Os Apontamentos -, e não por falta de imaginação para encontrar outro mais atrativo aos olhos do leitor, mas porque não se quis dissimular, nesta ocasião, o que foi a característica formal mais evidente destes textos: a brevidade, a espontaneidade - sinais, quase sempre, duma reação despreconcebida (diria mesmo: desprogramada) aos estímulos exteriores. Cada uma das partes deste livro conserva as introduções para elas escritas, o que oferece, pelo menos, a vantagem de mostrar ao leitor o juízo que o autor, em cada caso, fez dos seus próprios atos. A ninguém deverá estranhar que tenha procurado absolver-se: é o que todos fazemos. 
E hoje? Direi como o outro, e basta: «O que escrevi, escrevi.» As palavras que aí estão foram, todas elas, escritas com sinceridade e boa-fé. E, no meio de tantas, não encontro senão duas que gostosamente apagaria se não fosse o escrúpulo de proteger o meu próprio respeito. É quando, lá para diante, uma e outra vez, falo de «jornalistas revolucionários». Como se não bastasse a ingenuidade de os imaginar assim, ainda fui cair na presunção de me incluir no grupo. Ilusão minha, ilusão nossa." 
José Saramago 
Março de 1990 
 

"18 de junho, seis anos depois, vivendo José Saramago" - na Fundação José Saramago

Todas as informações aqui em http://www.josesaramago.org/