"Era uma vez José e Pilar: o mural foi destruído para dar lugar a um parque de estacionamento"
via site Jornal Público em http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/era-uma-vez-jose-e-pilar-o-mural-foi-destruido-para-dar-lugar-a-um-parque-de-estacionamento-1704537
Cláudia Lima Carvalho (09/08/2015)
"Mural feito em 2010 por quatro writers de Lisboa já não existe. Edifício, perto da Fundação Saramago, foi demolido na semana passada."
"José Saramago gritava Pilar. “Pilar, Pilar, Pilar”, vimo-lo repetir vezes sem conta no retrato íntimo que o realizador Miguel Gonçalves Mendes fez do casal no documentário de 2010, José e Pilar. Foi exactamente o filme que inspirou o mural que até há uma semana podia ser visto num edifício abandonado no Campo das Cebolas, em Lisboa. Naquele abraço, víamos e líamos o amor do Prémio Nobel da Literatura e da sua mulher, Pilar del Río. O edifício foi agora demolido para dar lugar a um parque de estacionamento.
“Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.” Estas palavras foram ditas pelo escritor português, que morreu em 2010, e apareciam por baixo do desenho de Nark, que há cinco anos, com os writers Ayer, Nomen e Pariz, transformou a fachada cor-de-rosa dos números 2 a 8 da rua do Instituto Virgílio Machado, junto à Casa dos Bicos, onde funciona a Fundação José Saramago.
O trabalho de Nark era o que mais se destacava na fachada: Saramago de olhos fechados e enternecido abraça Pilar que se esconde entre o rosto do escritor. Na longa parede havia ainda um outro retrato do casal, bem como várias citações retiradas do documentário de Miguel Gonçalves Mendes.
Na altura, a intervenção, cuja ideia partiu da produtora de José e Pilar, a JumpCut, contou com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, através da sua Galeria de Arte Urbana (GAU). Pouco antes da inauguração no final de 2010, Miguel Gonçalves Mendes dizia ao PÚBLICO que o mural obrigaria “as pessoas que passam por ali a pensar”, sendo aquela “uma forma de homenagear Saramago”.
Por estes dias, o realizador partilhou na sua página pessoal do Facebook o retrato de Nark e o espaço que agora existe: um grande vazio com destroços do edifício demolido. Sobre o sucedido, três palavras apenas: “Porque tudo é efémero”.
E é exactamente essa a palavra também usada pela Câmara de Lisboa. O PÚBLICO questionou a técnica da Galeria de Arte Urbana Inês Machado sobre o tema, e obteve uma resposta por email, não assinado, do departamento de comunicação da autarquia em que se lê que o graffiti “tratava-se de um projecto efémero”. A demolição do edifício estava prevista há muito tempo “no âmbito do Plano de Valorização e Requalificação do Campo das Cebolas”, “que inclui a construção de um parque de estacionamento por parte da EMEL [Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa]”, informa ainda a autarquia.
No mesmo email, lê-se que a homenagem ao escritor português e promoção do filme “inseriu-se na estratégia para a arte urbana em Lisboa, desenvolvida pelo Departamento de Património Cultural”. Estratégia essa que, frisam, “encara este tipo de manifestações artísticas com a efemeridade que as caracteriza”. “A arte urbana é por natureza efémera, e tanto a comunidade artística que a produz, como todos os agentes culturais, parceiros, proprietários dos suportes, interlocutores e produtores com que a GAU desenvolve trabalho e projectos nesta área sabem e aceitam essa condição.”
O desaparecimento deste trabalho, que foi resistindo ao tempo apesar de algumas vezes ter sido pintado com tags e outros graffiti por cima da arte já existente, “deve ser encarado com normalidade”, diz a autarquia, defendendo que tal “contribui para a rotatividade das obras expostas na cidade e para a renovação da paisagem urbana”.
Para memória futura fica apenas o registo na base de dados da Galeria de Arte Urbana, que se dedica à inventariação destas intervenções, "através da realização sistematizada de registos fotográficos (e videográficos) das obras executadas em Lisboa, desde o 25 de Abril de 1974 até à actualidade".