Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 21 de agosto de 2016

Edição #51 Agosto 2016 da revista "Blimunda" - Já disponível para consulta e download

"Em setembro os leitores de José Saramago terão nas mãos um novo livro, fruto do trabalho de um atento e interessado editor independente e da genialidade de dois grandes nomes da cultura em língua portuguesa. Alejandro García Schnetzer, argentino radicado em Barcelona, foi o mentor do encontro entre as palavras de José Saramago e o inconfundível traço do artista brasileiro J. Borges. Umas e outro compõem O Lagarto – texto publicado no começo dos anos 70 como crónica num jornal e posteriormente incluído em A Bagagem do Viajante.
Há quatro décadas, quando José Saramago, em Lisboa, escrevia crónicas para jornais, no interior do estado de Pernambuco as xilogravuras de J. Borges começavam a ser conhecidas além do universo da literatura de cordel – género literário que une versos rimados com ilustrações, contando assim uma história. Nos anos 90, quando o português recebeu a consagração definitiva com o Prémio Nobel de Literatura, o brasileiro obteve o merecido reconhecimento internacional com as gravuras que criou para um livro de Eduardo Galeano.
José Saramago admirava o trabalho de J. Borges, tinha em casa algumas gravuras do artista brasileiro,
mas não chegou a conhecê-lo. Agora, seis anos depois da morte do escritor, dá-se, por fim, esse feliz encontro. As xilogravuras feitas especialmente para ilustrar o livro são uma linda homenagem ao Prémio Nobel e um importante contributo para que a história de um lagarto que aparece no Chiado renasça, mais de 40 anos depois de escrita. «Um texto só sobrevive quando muda, e um livro só existe se é lido; senão é um cubo de papel», defende García Schnetzer na entrevista que a Blimunda deste mês publica.
O Lagarto, edição que a Porto Editora em breve apresentará aos leitores, permite que o texto de José
Saramago seja lido e relido de outra maneira. E, assim, volte a existir."
Página 4 

(Capa da edição #51)

A presente edição pode ser descarregada gratuitamente e consultada, aqui
em http://www.josesaramago.org/blimunda-51-agosto-2016/

Sinopse da edição apresentada pela Fundação José Saramago

«Um livro só existe se é lido; senão é um cubo de papel», diz Alejandro García Schnetzer na entrevista publicada na Blimunda deste mês. Ele é quem está por trás de O Lagarto, que une as palavras de José Saramago ao traço do artista popular brasileiro J. Borges. À revista, o editor contou sobre o processo de criação desse livro que agora chega aos leitores portugueses.

Mais do que cubos de papel foi o que a escritora e editora portuguesa Carla Maia de Almeida viu na visita que fez à Biblioteca Internacional da Juventude, em Munique. Criada em 1949, numa tentativa de se trazer um pouco de cultura a um país arrasado pela guerra, a biblioteca reúne hoje mais de 600 mil livros. «É uma espécie de paraíso», relata Carla Maia no texto que escreve especialmente para a revista.

Livros na estrada, On the Road, é um projeto que leva – sobre rodas – autores em língua portuguesa aos turistas que visitam Lisboa. Sara Figueiredo Costa passou um tarde com os responsáveis pela iniciativa – uma ideia da livraria Fonte de Letras, de Évora – e relata aos leitores da Blimunda o que viu.

Na secção Visita Guiada, Andreia Brites foi até ao Porto para conhecer a editora Tcharan.

Ainda nas páginas da Blimunda, um artigo sobre o encontro realizado na Fundação José Saramago que teve por objetivo pensar em estratégias para que a cultura portuguesa tenha uma participação mais efetiva na Festa Literária Internacional de Paraty, no Brasil.

Boas férias e boas leituras!"

Epigrafe da presente edição

"Revisão de texto: uma penitência" de Eliezer Moreira em "O Mirante" (13/06/2016) em alusão ao papel do revisor na "História do Cerco de Lisboa"

"O revisor é aquele profissional que acerta milhões de vezes, sem merecer um único elogio, mas no dia em que deixa passar um só erro ele é prontamente chamado de incompetente. Deve ser por isso que José Saramago, certamente um bom conhecedor das agruras da profissão, criou a figura impagável daquele revisor chamado Raimundo Silva no romance História do cerco de Lisboa."

Texto de opinião sobre a importância e rudeza do trabalho de um revisor, por Eliezer Moreira, para "O Mirante" - Cartas do Brasil (13/06/2016), aqui
em http://omirante.pt/cartas-do-brasil/2016-06-13-Revisao-de-texto-uma-penitencia

(Capa da edição do Circulo de Leitores - 1990)

"O paulista Monteiro Lobato (1882-1948) não foi apenas um grande escritor, foi também um editor pioneiro no Brasil com a Cia. Editora Nacional, portanto, uma autoridade em matéria de livros, dominando desde a concepção do texto até o produto acabado na prateleira. Invoco sua figura para falar da coisa mais banal e nem por isso menos dramática quando se trata de escrever e publicar: o erro de revisão. Duas semanas atrás quase perdi o sono ao deixar sair aqui uma crônica com quatro sacis gritantes – quatro erros de digitação que o paginador Fábio Oliveira, assim que solicitado, me fez o imenso favor de eliminar. Falando certa vez a respeito dessa tragédia também conhecida como gralha ou pastel e que, no seu tempo, ainda se chamava erro tipográfico, Lobato assim se manifestou: “A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar”.

Se é assim com o livro, produto de elaboração demorada que comumente é lido e relido muitas vezes e por muitos olhos antes de ser impresso, o que dizer do texto jornalístico, que hoje se escreve e se publica quase simultaneamente no meio digital? Embora em geral curto, o texto de jornal nem por isso está menos sujeito ao acúmulo de gralhas. Algum tempo atrás, ao falar da obrigação de rever a própria escrita em sua coluna em O Globo, Elio Gaspari empregou o advérbio perfeito ao dizer que lera e relera aquele trabalho “piedosamente” antes de autorizar sua publicação. O termo supõe a ideia de penitência, daí sua exatidão, porque se o trabalho de escrever pode ser penoso ou gratificante, rever o próprio texto é sempre uma penitência. E uma penitência cada vez mais inevitável, já que a figura do revisor parece fadada a desaparecer das redações, se é que já não desapareceu.

E não é somente grande pena que esse animal indispensável esteja em risco de extinção, o seu fim seria também a consumação de uma eterna injustiça, porque injustiçado ele tem sido desde sempre. Falo com a autoridade de quem já reviu muito texto alheio durante muito tempo. O revisor é aquele profissional que acerta milhões de vezes, sem merecer um único elogio, mas no dia em que deixa passar um só erro ele é prontamente chamado de incompetente.

Deve ser por isso que José Saramago, certamente um bom conhecedor das agruras da profissão, criou a figura impagável daquele revisor chamado Raimundo Silva no romance História do cerco de Lisboa. Tendo passado uma vida inteira num trabalho apagado e obscuro, um belo dia Raimundo Silva resolve acrescentar uma simples palavra – “não” – ao texto que está a revisar, e com isso muda completamente os rumos de toda uma história. Bem feito."

“O Ano da Morte de Ricardo Reis” texto reflexivo sobre a obra de José Saramago pela professora Almerinda Bento (02/08/2016)

O presente texto é da autoria da professora Almerinda Bento e foi publicado, aqui
em http://www.esquerda.net/artigo/o-ano-da-morte-de-ricardo-reis-jose-saramago-1984/44089

“O Ano da Morte de Ricardo Reis”, José Saramago, 1984

"Uma das minhas leituras de férias e mais um dos livros de José Saramago já há algum tempo à espera de chegar a sua vez. Como sempre, fascinante, denso, com incursões inesperadas a propósito de tudo e de nada, desde expressões da nossa linguagem do dia-a-dia, até deambulações sobre a vida, a morte, o ser, o existir, o sonho… sobretudo nos encontros de Ricardo Reis com Fernando Pessoa. Surpreendente, para ser lido com calma, saboreando os caminhos que Saramago nos convida a seguir ao longo das páginas deste romance. 
Em finais de Dezembro de 1935, Ricardo Reis chega de barco a Lisboa, vindo do Brasil onde esteve dezasseis anos a viver. É o reencontro com a sua cidade, ficando alojado no Hotel Bragança na Rua do Alecrim, não sabendo ainda por quanto tempo lá vai ficar. Sem planos definidos, Ricardo Reis é uma personagem solitária que vai observando e apreendendo a realidade da cidade, do país e do mundo, sem se envolver directamente, antes colocando-se de fora. 
No entanto, o cemitério dos Prazeres onde está sepultado Fernando Pessoa falecido em 30 de Novembro de 1935, é o primeiro local que Ricardo Reis visita mal chega a Lisboa. No primeiro dia do ano de 1936, quando a euforia do novo ano é vivida lá fora e Ricardo Reis já se recolheu ao seu quarto no hotel Bragança, Fernando Pessoa (ou o seu fantasma) visita-o pela primeira vez e avisa-o de que só poderão ter mais oito meses para se encontrarem e explica que tal como quando estamos no ventre das nossas mães não somos ainda vistos, mas todos os dias elas pensam em nós, após a morte cada dia vamos sendo esquecidos um pouco “salvo casos excepcionais nove meses é quando basta para o total olvido”. 
O “Senhor Doutor Reis” como é tratado pelos empregados e hóspedes do hotel é um homem solitário, embora goste de almoçar em pequenos restaurantes pedindo ao empregado que não levante o prato à sua frente e deixe cheios o seu copo e o do seu companheiro imaginário. Gosta de observar e imaginar histórias sobre alguns hóspedes que jantam e frequentam o hotel e cria uma familiaridade por vezes forçada com o gerente – Salvador – com Pimenta que lhe carrega as malas e com Lídia a empregada que lhe limpa o quarto e lhe leva o pequeno almoço. Por outro lado, sendo alguém que se instala durante algum tempo no hotel sem ocupação nem ligações familiares ou sociais conhecidas, é observado não só pelo gerente e pelo empregado do hotel, mas também pela polícia política que quer saber as motivações daquele estranho doutor Ricardo Reis que regressou a Portugal vindo do Brasil. As notícias que lê todos os dias nos jornais para se pôr a par do que se passa no mundo e em Portugal pintam um retrato idílico de um país em que o salazarismo começa a fazer o seu caminho. O país da ideologia da família unida e feliz, em paz, em confronto com as convulsões que se vivem na vizinha Espanha e no Brasil. O país da sopa dos pobres e das obras de caridade em todas as paróquias e freguesias. O país onde se morre de doença e de falta de trabalho. O país dos milagres de Fátima e da devoção ao chefe, arregimentando os seus seguidores na Mocidade Portuguesa, na Legião e em outros instrumentos de propaganda como a Obra das Mães pela Educação Nacional. O país dos filhos de pais incógnitos. O país da discricionaridade e da devassa da vida privada, dos interrogatórios e da intimidação sem quaisquer motivos, o início da triste história da PVDE/PIDE. No fim do interrogatório à saída da António Maria Cardoso, Ricardo Reis sentiu um fedor a cebola que exalava Victor, o informador. Mas também noutros momentos esse fedor rondava por perto.
Lisboa, a cidade de Pessoa, a cidade onde Ricardo Reis veio para morrer, é uma cidade cinzenta e triste em que a chuva cai impiedosa. O Carnaval também é molhado e sem graça. No Verão, o calor é sufocante. A condizer com o ambiente de suspeição e desconfiança do Estado Novo, a cidade é mesquinha, coscuvilheira, intromete-se na vida dos outros. Seja primeiro no hotel Bragança, ou mais tarde quando Ricardo Reis aluga um andar na Rua de Santa Catarina, as vizinhas espreitam, conjecturam, mexericam, imiscuem-se. Até para os dois velhos que se sentam junto à estátua do Adamastor, aquele novo morador de Santa Catarina não deixa de ser um motivo de interesse para matar as horas de ócio e de conversa. Felizmente para Ricardo Reis, daquele segundo andar há uma vista deslumbrante para o Tejo. 
Em Espanha, depois da vitória das esquerdas nas eleições é para Lisboa que fogem e se refugiam os detentores de riquezas, aguardando a reviravolta que não tardará com o golpe fascista liderado por Franco. Na Alemanha e na Itália, os ditadores lançam os seus instrumentos de propaganda e preparam os seus seguidores para um dos períodos mais negros da história da humanidade. No Brasil o comunista Luís Carlos Prestes é preso. As notícias dos jornais portugueses dão conta de que no estrangeiro Portugal é visto como o país que finalmente vive um período de paz e prosperidade. 
E agora, as duas personagens femininas que se relacionam com Ricardo Reis. Lídia – a musa das Odes de Ricardo Reis – e Marcenda são duas personagens centrais nesta obra e neste período da vida de Ricardo Reis. Como é apanágio de Saramago, as suas heroínas são sempre mulheres fortes e decididas. Lídia, empregada no hotel onde Ricardo Reis vai viver os primeiros tempos após a sua chegada a Lisboa, é senhora de si, apaixona-se pelo doutor Ricardo Reis mesmo sabendo das diferenças sociais que a impedem de poder ter uma vida social sem ambiguidades com aquele com quem se relaciona sexualmente. Marcenda, a jovem hóspede do hotel que todos os meses vem com o pai para uma consulta médica, encontra em Ricardo Reis uma pessoa mais velha que a trata como uma adulta e não como uma criança a quem se escondem verdades dolorosas. 
Muito mais haveria a dizer sobre este denso romance de José Saramago, repleto de referências poéticas a Camões, à “Mensagem” de Fernando Pessoa e aos seus muitos heterónimos, entre outros. Não sendo especialista na obra do poeta, limito-me aqui a fazer este breve apontamento sobre esta obra de Saramago que penso ser um manancial para os/as amantes da literatura e, sobretudo, para os/as estudiosos/as da poesia de Pessoa e dos seus diversos heterónimos."
2 de Agosto de 2016
Almerinda Bento

"O Evangelho segundo Jesus Cristo" edição Porto Editora com a caligrafia de Sebastião Salgado

Via site da Porto Editora, aqui

"No dia 28 de julho a Porto Editora lança a nova edição de O Evangelho segundo Jesus Cristo, um dos principais e mais conhecidos romances de José Saramago, e certamente um dos mais polémicos. Para esta edição, o fotógrafo Sebastião Salgado foi o convidado a usar a sua caligrafia para ilustrar a capa.
A propósito deste livro, disse Harold Bloom: "estou convencido de que o seu melhor romance continua a ser O Evangelho segundo Jesus Cristo: corajoso, polémico contra o cristianismo em particular mas contra as religiões em geral. Há poucos livros que conseguem tratar Cristo e o catolicismo sem se sujeitar a um respeito obrigatório. Aqui, Saramago conseguiu, assim como D. H. Lawrence e, em menor grau, Norman Mailer. Creio que, de entre os premiados com o Nobel de Literatura nos últimos anos, ele foi quem realmente mereceu." Em A Estátua e a Pedra, José Saramago também se refere a este livro: "é o romance que gerou mais polémica e é a causa de ter mudado a minha residência de Lisboa para Lanzarote, em Espanha. É um livro que não projetei, porque jamais me havia passado pela cabeça escrever uma vida de Jesus, havendo tantas e sendo tão diferentes as interpretações que dessa vida se fizeram, destrutivas por vezes, ou, pelo contrário, obedecendo às imposições restritivas do dogma e da tradição. Enfim, sobre o filho de José e Maria disse-se de tudo, logo não seria necessário um livro mais, e ainda menos o que viria a escrever um ateu como eu. Simplesmente, o homem põe e a circunstância dispõe e aqui está o que me impeliu a uma tarefa cuja complexidade ainda hoje me assusta."

Capa da edição da Porto Editora com caligrafia de Sebastião Salgado

"À semelhança das edições publicadas pela Porto Editora, a capa deste título foi caligrafada por uma personalidade da cultura lusófona, neste caso o fotógrafo Sebastião Salgado. O design das edições ficou a cargo do atelier Silvadesigners. Este é o 22º título publicado nesta coleção."

Para assinalar a presente edição o "Diário Digital", publicou uma pequena nota por Pedro Justino Alves (18/08/2016)http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=838498

"O impiedoso Deus de Saramago"

"Da extensa obra de José Saramago, «O Evangelho Segundo Jesus Cristo», editado em 1991, talvez seja a mais provocatória, já que coloca em causa alguns dos pilares fundamentais da sociedade ocidental, obrigando o leitor a olhar de um modo diferente a forma que entende o Mundo. A nova edição, da Porto Editora, apresenta a caligrafia do fotógrafo Sebastião Salgado na capa.
O narrador de «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» testemunha a vida de Jesus, principalmente a sua infância e juventude. Ou seja, temos uma oportunidade única para “conhecer” uma parte pouco conhecida do Homem mais importante da História, raramente retratada nos evangelhos. Ao mesmo tempo, Saramago apresenta o omnipotente, omnipresente e inquestionável Deus, que não admite que o jovem questione as suas diretrizes e que coloque em causa o destino que lhe escolheu.
Portanto, temos uma história emblemática e diferente de tudo o que conhecemos de Jesus, com Saramago a dar um novo olhar sobre a sua vida, principalmente a sua relação com os mais próximos. Uma história onde a ironia está sempre presente, com o Nobel da Literatura em 1998 a deixar entrever muito das suas convicções. Talvez o principal mérito de «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» seja precisamente esse, fazer com que o leitor coloque em causa as suas certezas, sejamos crentes ou não. Não é por acaso que o livro causou tanta polémica aquando do seu lançamento, uma polémica que acabou por fazer com que Saramago emigrasse para a Espanha.
Temos assim um texto iconoclasta, irónico, erótico e crítico, um texto corrosivo que faz questão de questionar os cânones impostos pela Igreja Católica, que subverte por completo os episódios mais populares da vida de Jesus segundo os “interesses” do seu autor, que coloca em causa os alicerces da ideia de Deus e de Cristo, alicerces fundamentais para a existência da Igreja Católica.
No fundo, Saramago não “perdoa” Deus, que joga sem piedade o xadrez da vida, sempre tendo as suas crenças impiedosas como objetivo final. Para o ser supremo, o Homem não é mais do que um peão no seu tabuleiro, um peão que deve estar preparado para ser sacrificado de acordo com os seus desejos, mesmo que incompreensíveis. Neste jogo da vida, encontramos sempre à espreita o Diabo, que, muitas vezes, acaba por ser a verdadeira consciência, o lado racional da existência.
Mortes, violência, fúria, guerras, desavenças, etc. O legado de Deus é realmente mais do que questionável, a construção do seu reinado é mais do que devastador. Em resumo, em «O Evangelho Segundo Jesus Cristo», Saramago coloca isso em xeque. E a verdade é que consegue um brilhante xeque-mate."