Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 13 de maio de 2016

"O nariz de Saramago" de Marcelo Lazzaratto (Ilustríssima - Folha de São Paulo / Brasil - 08/05/2016)


(Foto de Marcelo Lazzaratto - Elenco da Companhia do Elevador do 
Teatro Panorâmico com a companhia de José Saramago, 
aquando da encenação da peça de teatro "A Ilha Desconhecida", 
no Teatro TBC (São Paulo / 2001) 


Pode ser recuperada e consultada, aqui 
em http://m.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/05/1768527-o-nariz-de-saramago.shtml?cmpid=compfb

De Marcelo Lazzaratto (08/05/2016)

"Ah! as convergências! O teatro, por ser uma arte coletiva, é um terreno fértil para elas. Momentos de convergência geralmente são contundentes e intensos. Às vezes são felizes. Outras não.

Em 2000, minha companheira, então grávida, me mostrou "O Conto da Ilha Desconhecida", de José Saramago.

Li esse pequeno grande livro naquele mesmo dia e, como por encanto, visualizei/imaginei/senti toda a encenação de um espetáculo teatral para crianças.

A cidadela, o castelo, as portas, a população, o porto e o barco; a movimentação dos atores, a dinâmica da narrativa, tudo se materializava em minha mente com muita clareza. Inspiração e êxtase se fundiam em meu corpo.

Àquela altura, acabava de criar, junto de atores que iniciavam sua carreira profissional, a Cia. Elevador de Teatro Panorâmico, e nos colocáramos como uma de nossas metas a criação de um espetáculo infantil. É claro que propus a eles que montássemos o conto do Saramago. Outras ótimas ideias, outros temas, outros livros apareceram e, depois de avaliações e debates, Saramago venceu.

Optamos por assumir o risco de trazer aos palcos um texto não dramatúrgico de um autor consagrado mundialmente, porém direcionado às crianças. Um risco enorme para uma grupo de teatro que dava seus primeiros passos. Se errássemos a mão, poderíamos ser tachados de pretensiosos e inconsequentes.

Escrevemos rapidamente um projeto, pois havia um edital aberto para temporada na sala pequena do Teatro Sérgio Cardoso, e fomos aprovados. Mas, quando soubemos, só tínhamos um mês para realizar o espetáculo. Não tínhamos verba para produção. Não tínhamos nenhum apoio cultural. Tínhamos o desejo e a vontade imperiosa de fazer teatro: românticos e pertinazes. Tínhamos um belo tema nas mãos e queríamos trazê-lo a público do nosso jeito: alegres e metidos!

Desde o início, trazia a certeza de que a nossa adaptação não facilitaria a linguagem de Saramago visando o universo infantil. Sentia que deveríamos preservar a linguagem e as construções filosóficas ricamente por ele sintetizadas. Não as "traduziríamos" previamente às crianças.

Já estávamos em 2001 e, em meio, a todo processo de produção nasce nossa filha Chiara. Em três semanas, mão no bolso-dinheiro na mão, empenho e criação, estreia "A Ilha Desconhecida". Sem nenhuma divulgação, formadores de opinião e críticos compareceram no primeiro fim de semana e já na semana seguinte começam a surgir críticas e comentários extremamente favoráveis à montagem.

A primeira temporada se encerra. Optamos por assumir outro risco: resolvemos alugar a Sala Assobradado do TBC acreditando no dinheiro da bilheteria. E surpreendentemente tínhamos casa cheia em uma sala com o dobro de lugares. Mas outra agradável surpresa nos aguardava.

Soubemos que Saramago estaria em São Paulo. Entramos em contato com ele e o convidamos, temerosos e ao mesmo tempo destemidos, para assistir ao espetáculo. Ele, muito cortês, aceitou.

Fomos buscá-lo no hotel. Com Chiara no colo, vejo Saramago sair do elevador e, a passos largos, se aproximar de nós. Um "olá" meio sem jeito e, de repente, eis que a bebê, com sua mãozinha de sete meses, aperta o nariz de Saramago. Pronto. Sorrisos. Derretimento, a sem-gracice se foi. O afeto venceu. Como na ilha.

Chegamos ao TBC. A conversa fluía solta, os atores se preparavam, comoção geral, coração na boca. Saramago nos assistiria.

Na plateia, sentado a seu lado, mal me lembro do que pensava, do que sentia. Estava em pura suspensão e suava em bicas.

Durante a peça, fazia força para perceber o que ele estava achando, mas não queria dar na cara.

A peça termina. No meio do aplauso, Saramago de pé, levanta os braços e pede um instante de silêncio. Todos se sentam. Grande expectativa, os atores no palco, eu ao lado dele, o público calado e ele no meio da plateia, diz a todos: "Penso que, por ter assistido a essa pequena maravilha, valeu a pena ter escrito o conto".

"MARCELO LAZZARATTO, 49, é diretor artístico da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico e professor de artes cênicas da Unicamp. Dirige a peça "Sala dos Professores", em cartaz no Espaço Elevador, em São Paulo, até 29/5."

Curso “Projeções acerca do feminino na literatura de José Saramago” - Prof. Dr. Pedro Fernandes de Oliveira Neto - UERN Faculdade de Serviço Social (FASSO) - Brasil / Mossoró (Campus Central)



Informação e detalhes a consultar aqui,

"A Faculdade de Letras e Artes (FALA) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, por meio do Departamento de Letras Vernáculas e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem, promovem o minicurso “Projeções acerca do feminino na literatura de José Saramago”, a ser ministrado pelo professor Dr. Pedro Fernandes de Oliveira Neto, nos dias 16 e 17 de maio de 2016, das 18h50 às 22h15, no Auditório da Faculdade de Serviço Social (FASSO), no Campus Central, Mossoró (RN). 

As inscrições podem ser feitas no Departamento de Letras Vernáculas (manhã e noite).

José Saramago é um dos escritores mais importantes de Língua Portuguesa da atualidade, sendo também, até o presente, o primeiro e único escritor de origem lusitana a ser laureado com o Prêmio Nobel (1998).

(Capa da edição "Retratos para a Construção 
do Feminino na Prosa de José Saramago")


A crítica e o próprio José Saramago expuseram por via diversa as formas como o tema do feminino constitui-se numa expressão recorrente na construção das representações ensejadas por uma obra interessada em revalidar um lugar caro à expressão literária – o de ser uma aguda crítica aos discursos deterministas e aos modelos culturais, sociais e históricos impostos pelo pensamento ocidental dominante. O objetivo do curso ora apresentado é o de compreender, pela reflexão da crítica literária, como o escritor projetou e construiu um imaginário diverso e singular sobre a figura feminina; imaginário que é num só tempo representação e reinvenção dos modos de ser e estar no mundo. A partir da visita a alguns lugares sobre o conjunto da obra (poesia e teatro), propomos algumas linhas sobre a gênese dessa obsessão e sua constituição no âmbito da prosa romanesca. No fim, o que oferecemos é uma via de contato para uma das produções literárias de língua portuguesa desde então fundamentais para a reflexão sobre uma contemporaneidade espectral e diversa.

(Sessão de autógrafos, no lançamento da obra (05/10/2012)
Livraria Cooperativa Cultural Natal/RN)
 
Pedro Fernandes é professor na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA); Doutor em Estudos da Linguagem com área de concentração em Literatura Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGeL) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Mestre em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN); e Graduado em Letras com habilitação em Língua Portuguesa pela Faculdade de Letras e Artes (FALA) por essa mesma instituição. Membro do Grupo de Estudos Críticos da Literatura (GECLIT). É coeditor da Revista de Estudos Saramaguianos e do caderno-revista 7faces. É autor de Retratos para a construção do feminino na prosa de José Saramago (ensaio acadêmico, Editora Appris, 2012) Sertanices (poesia, inédito) e do e-book Palavras de pedra e cal (poesia, edição independente)."

"Essa coisa misteriosa que é sempre a mulher" - Extracto da entrevista de Leonor Xavier a José Saramago Revista Máxima (25/10/1990)

"Eu não encontro qualidades morais masculinas ou femininas, penso que as diferenças se encontram mais no plano da sensibilidade. Ao homem falta em geral algo a que chamamos sensibilidade. Eu não falo da emoção ou da lágrima fácil, mas desse modo sensível de entender o mundo que é o da mulher, como a vejo e ponho nos meus livros. A realidade chega à mulher por outras vias que não a da razão. Como a do sentido da maternidade, ela dá-lhe outra dimensão, que o homem não pode ter.
Nós usamos as palavras, mas não sabemos a que correspondem. Eu falo de maternidade, mas o que é que um homem sabe da maternidade? Essa palavra só pode ser entendida quando dita por uma mulher-mãe, se eu a disser, não é a mesma coisa."

Extracto da entrevista de Leonor Xavier a José Saramago
Revista Máxima (25/10/1990)