Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 21 de fevereiro de 2016

"Amor não tem nada a ver com idade" de Michelle Oliveratto da revista "Obvious" (2015)

O artigo da revista "Obvious", pode ser consultado aqui,
em http://obviousmag.org/infinito_particular/2015/amor-nao-tem-nada-a-ver-com-idade.html

Link geral da página em http://obviousmag.org/

Autoria de Michelle Oliveratto, aqui mais detalhes da autora
"José Saramago e Pilar Del Río dão um exemplo que a diferença de idade é irrelevante para as escolhas do coração. “Amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira e, se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido e, que tendem a menosprezar o amor como fator de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério."


“Ela nasceu em 1950 e eu em 1922. Tenho uma sensação esquisita quando penso que houve um tempo em que eu já estava aqui e ela não. É estranho pra mim entender que foi preciso passar 28 anos desde o meu nascimento para que chegasse a pessoa que seria imprescindível em minha vida... 

Quando a conheci, eu tinha 63 anos, era um homem já velho. Ela tinha 36 anos. Os amigos me diziam: “Isso é uma loucura, um disparate! Com essa diferença de idade.” E eu sabia, mas não me incomodava. Agora não posso conceber nada se Pilar não existisse. Quando ela não está, a casa se apaga. E quando volta, se reativa”


"Se o amor é essa “coisa” que transcende a questão do tempo cronológico. Que transpõe barreiras, dificuldades e preconceito, onde a prioridade é cuidar do outro, querer o bem do outro e, o fato de estar junto se torna maior do que qualquer outra coisa. E se imaginar longe daquela pessoa é algo inadmissível.

Se o amor é aquele sentimento que contraria o castigo dado por Zeus e todos os deuses e, você vai de encontro com a sua alma gémea, que outrora estava perdida. Independente dos olhares, dedos apontados e criticas, porque sua forma de amar vai contra ao “protocolo” de socialmente aceitável.

Quando movido pelo amor, a permanência deixa de ser escolha e se torna necessidade. Porque viver sem aquela pessoa é possível, porém é inimaginável a ausência daquela presença tão especial, que a vida te preparou por 15, 20 ou 28 anos para sua chegada.

Quando a singularidade se torna plural. Quando a presença se torna luz. Quando as mãos se entrelaçam feito namorados, mesmo depois de mais de vinte anos de união. Quando um toca o rosto do outro com tanta delicadeza, que as pontas dos dedos são capazes de redigir poemas na face.
Quando os olhares se cruzam e neles é possível ver sentimentos que palavra nenhuma traduz. Não por limitação humana, mas porque o amor é santo demais, puro demais para ser traduzido com exatidão por signos linguísticos.

Assim que vejo o amor entre José Saramago e Pilar. Escritor que ultrapassou a sensibilidade demonstrada em suas inúmeras obras e, trouxe para sua vida real. Dando um testemunho de uma história de cumplicidade, amor, companheirismo, devoção e afeição, vivido ao lado de Pilar, que foi retratada em suas obras, depoimentos e até mesmo no documentário: “José e Pilar” de Miguel Gonçalves Mendes. Impossível ver o amor dos dois e não se apaixonar também.
Saramago conheceu Pilar quando tinha 63 anos e, afirma que se tivesse morrido nessa idade, antes de conhecê-la, morreria muito mais velho do que quando realmente chegasse sua hora. A chegada de Pilar em sua vida, fez com que ele ganhasse uma nova vida. Já Pilar, afirma que ao conhecê-lo, sabia que seria para sempre."


"O homem que tinha ideias para romances se uniu com a mulher que tinha ideias para vida, desconhece a linha tênue que separa qual das duas coisas que são mais importantes, optou por simplesmente viver a junção que ambas proporcionam.

Muitos olham para os dois e vê uma mulher jovem que se casou com um homem mais velho, por inúmeros outros motivos, menos amor. Já outros, conseguem ver sem as lentes do preconceito e nota que amor, ou qualquer outro sentimento, não tem nada a ver com idade.

Como Saramago mesmo cita: “Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor... Amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como fator de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.”

Acho um desperdício criar empecilho para o amor. É um fato que dificuldades existem. Nadar conforme a maré exige muito menos sacrifício, mas quem nos prometeu que a vida seria fácil? Estipular idade para relacionamento, como quem define censura indicada para filme é duvidar da capacidade de viver um sentimento tão pleno e raro.

A vida a dois já tem dificuldades suficientes para deixar que interferências externas dite sua forma de amar. Preconceito existe, ilusão seria negar esse fato. Mas a vida é tão rara e breve para fechar a porta na cara do amor só porque o tempo é relativo e para os sentimentos não há regras, não escolhe cor, sexo, idade ou momento certo para aparecer e, querer controlar, isso sim é ilusão e perda de tempo. Certas coisas aparecem simplesmente para serem vividas, desfrutadas e agradecidas.

Saramago e Pilar são um exemplo de coragem, amor que virou filme, livro, nome de rua e um testemunho que sim, não há limites para amar, basta querer e se permitir.

Não me surpreenderia saber que a pedra do jardim vive florida. Assim como essa história de amor e obra deixada por José Saramago floresce em nós."

© obvious: http://obviousmag.org/infinito_particular/2015/amor-nao-tem-nada-a-ver-com-idade.html#ixzz40owa6xVJ 
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook




Sobre o livro de Bernard Connoly e os ventos políticos que pairavam pela Europa de 1995 - "Cadernos de Lanzarote Diário III" (5/9/1995)

A referida edição encontra-se à venda e disponível, aqui

"The Brussels Commission has just suspended its senior economist, Bernard Connolly, for writing a book savaging the prospects for a common currency. 
There are many who now believe he should be lauded as a prophet." 
Observer, Editorial, 1 October 1995

"Mr. Connolly's longstanding proposition that the foisting of a common currency upon so many disparate nations would end in ruin is getting a much wider hearing..." 
New York Times, 17 November 2011


5 de Setembro (de 1995)

"Dentro de poucos dias será publicado em Inglaterra um livro explosivamente polémico, se a fazenda de dentro vier a corresponder à amostra de fora, isto é, ao título anunciado: O Carcomido Coração da Europa: a Guerra Suja pela Europa Monetária. O autor chama-se Bernard Connolly e faz parte do certamente qualificado grupo de altos funcionários que estão encarregados de gerir a política monetária da União Europeia. Presume-se, portanto, que seja alguém que sabe o que diz. E que diz ele? Diz, por exemplo, que o Sistema Monetário Europeu é uma «monstruosidade económica» e a união monetária um «perigoso logro». E vai mais longe: prenuncia que a união monetária levará a uma batalha aberta entre a França e a Alemanha para conseguir a hegemonia na União Europeia. A Comissão não gostou de vaticínios e opiniões tão contrários aos seus gostos e entregou o caso ao Comité de Disciplina. Ora, independentemente da substância e do mérito dos fundamentos objectivos que assistam ao funcionário rebelde (aliás, seguidor declarado de Margaret Thatcher) para ter formulado tão sombrios prognósticos (chega mesmo ao ponto de dizer que tais conflitos e contradições poderão vir a resultar numa guerra), aquilo que, a meu ver, deveria merecer toda a nossa atenção é a emergência cada vez mais exigente da questão em que toda a gente pensa, mas de que pouquíssimos têm a coragem de falar sem disfarces: a hegemonia sobre a Europa. Que a Alemanha se tenha tornado, por assim dizer, em candidato «natural» a essa hegemonia, é algo tão flagrante que parece já ter adquirido um estatuto de fatalidade inelutável; que a França comece a reagir desesperadamente à perspectiva de continuar, no quadro europeu, a ser o que é hoje, apenas o maior dos menores, e ver agravada a sua dependência política - tudo isto é mais um episódio do velho jogo chamado «quem-manda-na-Europa», a que, ingenuamente, alguns políticos «integracionistas» pensaram poder mudar as regras. E se, como dizia o Eduardo Guerra Carneiro dos antigos tempos, «isto anda tudo ligado», é caso para nos perguntarmos se as bombas atómicas que Paris vai fazer explodir no Pacífico não se destinam, afinal, a ser ouvidas em Bona." (...)

in, "Cadernos de Lanzarote Diário III"
Caminho, páginas 149 e 150 (5/9/1995)