Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A união ibérica - "Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha" (DN, 15/07/2007)


A Jangada de Pedra (1986)

Sinopse da obra, mencionada na Bibliografia Activa da página da Fundação José Saramago. 
Em, http://www.josesaramago.org/jangada-de-pedra-1986/

"1986, «Em “A Jangada de Pedra” (…) o escritor recorre a um estratagema típico. Uma série de acontecimentos sobrenaturais culmina na separação da Península Ibérica que começa a vogar no Atlântico, inicialmente em direcção aos Açores. A situação criada por Saramago dá-lhe um sem-número de oportunidades para, no seu estilo muito pessoal, tecer comentários sobre as grandezas e pequenezas da vida, ironizar sobre as autoridades e os políticos e, talvez muito especialmente, com os actores dos jogos de poder na alta política. O engenho de Saramago está ao serviço da sabedoria.» (Real Academia Sueca, 8 de Outubro de 1998)"


 Joana Carda e a vara de negrilho, 
Joaquim Sassa e o arremesso de uma pedra ao mar, 
José Anaiço e os estorninhos,
Pedro Orce e o tremor da terra,
Maria Guavaira e o fio de lã


A propósito da obra "A Jangada de Pedra", recupero a entrevista onde Saramago aborda a controversa questão da "união ibérica"


A união ibérica - "Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha"

Entrevista conduzida por João Céu e Silva a José Saramago, publicada no Diário de Notícias, a 15 de Julho de 2007.

"Este foi o regresso mais longo de José Saramago a Portugal desde que a polémica que envolveu a candidatura do seu livro "O Evangelho segundo Jesus Cristo" ao Prémio Literário Europeu o levou para um "exílio" na ilha espanhola de Lanzarote. A atribuição do Prémio Nobel parece tê-lo feito esquecer essas mágoas, mas não amoleceu a sua visão da sociedade e da História, que continua a ser polémica. Como se pode ver nesta entrevista.
Durante dois dias, o Nobel da Literatura português sentou-se no sofá e analisou o estado do mundo.
Na única entrevista que concedeu durante a temporada passada na sua casa de Lisboa, falou muito de política, mais de literatura e também da vida e da morte. Pelo meio ficou o anúncio da criação da fundação com o seu nome e a revelação de que está a escrever um novo livro.

Este regresso a Portugal é um perdão?
O país não me fez mal algum, não confundamos, nem há nenhuma reconciliação porque não houve nenhum corte. O que aconteceu foi com um governo de um partido que já não é governo, com um senhor chamado Sousa Lara e outro de nome Santana Lopes. Claro que as responsabilidades estendem-se ao governo, a quem eu pedi o favor de fazer qualquer coisa mas não fez nada, e resolvi ir embora. Quando foi do Prémio Nobel, dei uma volta pelo país porque toda a gente me queria ver, até pessoas que não lêem apareceram! E desde então tenho vindo com muita frequência a Lisboa.

Vive num país que pouco a pouco toma conta da economia portuguesa. Não o incomoda?
Acho que é uma situação natural.

Qual é o futuro de Portugal nesta península?
Não vale a pena armar -me em profeta, mas acho que acabaremos por integrar-nos.

Política, económica ou culturalmente?
Culturalmente, não, a Catalunha tem a sua própria cultura, que é ao mesmo tempo comum ao resto da Espanha, tal como a dos bascos e a galega, nós não nos converteríamos em espanhóis. Quando olhamos para a Península Ibérica o que é que vemos? Observamos um conjunto, que não está partida em bocados e que é um todo que está composto de nacionalidades, e em alguns casos de línguas diferentes, mas que tem vivido mais ou menos em paz. Integrados o que é que aconteceria? Não deixaríamos de falar português, não deixaríamos de escrever na nossa língua e certamente com dez milhões de habitantes teríamos tudo a ganhar em desenvolvimento nesse tipo de aproximação e de integração territorial, administrativa e estrutural. Quanto à queixa que tantas vezes ouço sobre a economia espanhola estar a ocupar Portugal, não me lembro de alguma vez termos reclamado de outras economias como as dos Estados Unidos ou da Inglaterra, que também ocuparam o país. Ninguém se queixou, mas como desta vez é o castelhano que vencemos em Aljubarrota que vem por aí com empresas em vez de armas...

Seria, então, mais uma província de Espanha?
Seria isso. Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castilla la Mancha e tínhamos Portugal. Provavelmente [Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria. Se Espanha ofende os nossos brios, era uma questão a negociar. O Ceilão não se chama agora Sri Lanka, muitos países da Ásia mudaram de nome e a União Soviética não passou a Federação Russa?
Mas algumas das províncias espanholas também querem ser independentes!

A única independência real que se pede é a do País Basco e mesmo assim ninguém acredita.
E os portugueses aceitariam a integração?
Acho que sim, desde que isso fosse explicado, não é uma cedência nem acabar com um país, continuaria de outra maneira. Repito que não se deixaria de falar, de pensar e sentir em português. Seríamos aqui aquilo que os catalães querem ser e estão a ser na Catalunha.

E como é que seria esse governo da Ibéria?
Não iríamos ser governados por espanhóis, haveria representantes dos partidos de ambos os países, que teriam representação num parlamento único com todas as forças políticas da Ibéria, e tal como em Espanha, onde cada autonomia tem o seu parlamento próprio, nós também o teríamos.

Os espanhóis olham-no como um deles?
Há duas Espanhas neste caso. Evidentemente, tratam-me como se fosse um deles, mas com as finanças espanholas ando numa guerra há, pelo menos, quatro anos porque querem que pague lá os impostos e consideram que lhes devo uma grande quantidade de dinheiro. Eu recusei-me a pagar e o meu argumento é extremamente simples, não pago duas vezes o que já paguei uma. Se há duplicação de impostos, então que o governo espanhol se entenda com o português e decidam. Eu tenho cá a minha casa e a minha residência fiscal sempre foi em Lisboa, ou seja, não há dúvidas de que estou numa situação de plena legalidade. Quanto aos impostos, e é por aí que também se vê o patriotismo, pago-os pontualmente em Portugal. Nunca pus o meu dinheiro num paraíso fiscal e repugna-me pensar que há quem o faça. O meu dinheiro é para aquilo que o Governo entender que serve.

Mas não pode negar que o olham como um deus...
Não diria tanto...

Mesmo sendo a crítica espanhola tão positiva em relação à sua obra?
Também já foi uma ou outra vez um pouco negativa - talvez devido às minhas posições políticas e ideológicas - mas de um modo geral tenho uma excelente crítica em toda a parte, como é o caso dos EUA, onde é quase unânime na apreciação da minha obra."

"O Caderno" texto para o blog "Sobre Fernando Pessoa" (6/10/2008)

"Põe quanto És no Mínimo que Fazes"
"Para ser grande, sê inteiro: nada 
          Teu exagera ou exclui. 

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és 
          No mínimo que fazes. 

Assim em cada lago a lua toda 
          Brilha, porque alta vive" 

Ricardo Reis, in "Odes" 

Versos de Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, com destaque na exposição "A Consistência dos Sonhos", realizada na Galeria de Pintura do Rei D. Luís, no Palácio da Ajuda.
(Ocorreu de 24 de Abril a 27 de Julho de 2008.)


No discurso que José Saramago proferiu, aquando da cerimónia de abertura da exposição, fez menção ao verso de Ricardo Reis: «Achei que o poema, quando o encontrei por acaso há muitíssimos anos, era um bom lema para a vida, mas não durou muito o esforço para se ser inteiro é de tal ordem que em poucos dias esquecemos que podemos ser inteiros. Nem o Fernando Pessoa o foi...».
Estas palavras são constantes do livro "Uma longa viagem com José Saramago", de João Céu e Silva (página 216 e 217, Porto Editora), quando retrata toda a azáfama que foi levar a exposição a diferentes cidades.

Almada Negreiros, Retrato de Fernando Pessoa, 1964

Em "O Caderno", Saramago escreve um post para o blog, sobre Fernando Pessoa e os seus heterónimos. Do super-Camões a Ricardo Reis, passando por Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, o detalhe deste texto é simplesmente magnífico. 

Link para a inserção do blog, 

"Sobre Fernando Pessoa", em 6 de Outubro de 2008 

"Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica, das que sempre estão a acontecer sem que lhes prestemos atenção, ou que o último copo de aguardente lhe assentara mal no fígado e na cabeça, mas, à cautela, deu um passo atrás para confirmar se, como é voz corrente, os espelhos não se enganam quando mostram. Pelo menos este tinha-se enganado: havia um homem a olhar de dentro do espelho, e esse homem não era Fernando Pessoa. Era até um pouco mais baixo, tinha a cara a puxar para o moreno, toda ela rapada. Com um movimento inconsciente, Fernando levou a mão ao lábio superior, depois respirou fundo com infantil alívio, o bigode estava lá. Muita coisa se pode esperar de figuras que apareçam nos espelhos, menos que falem. E porque estes, Fernando e a imagem que não era a sua, não iriam ficar ali eternamente a olhar-se, Fernando Pessoa disse: “Chamo-me Ricardo Reis”. O outro sorriu, assentiu com a cabeça e desapareceu. Durante um momento, o espelho ficou vazio, nu, mas logo a seguir outra imagem surgiu, a de um homem magro, pálido, com aspecto de quem não vai ter muita vida para viver. A Fernando pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro, porém não fez qualquer comentário, só disse: “Chamo-me Alberto Caeiro”. O outro não sorriu, acenou apenas, frouxamente, concordando, e foi-se embora. Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido dizer que não há duas sem três. A terceira figura tardou uns segundos, era um homem daqueles que exibem saúde para dar e vender, com o ar inconfundível de engenheiro diplomado em Inglaterra. Fernando disse: “Chamo-me Álvaro de Campos”, mas desta vez não esperou que a imagem desaparecesse do espelho, afastou-se ele, provavelmente tinha-se cansado de ter sido tantos em tão pouco tempo. Nessa noite, madrugada alta, Fernando Pessoa acordou a pensar se o tal Álvaro de Campos teria ficado no espelho. Levantou-se, e o que estava lá era a sua própria cara. Disse então: “Chamo-me Bernardo Soares”, e voltou para a cama. Foi depois destes nomes e alguns mais que Fernando achou que era hora de ser também ele ridículo e escreveu as cartas de amor mais ridículas do mundo. Quando já ia muito adiantado nos trabalhos de tradução e poesia, morreu. Os amigos diziam-lhe que tinha um grande futuro na sua frente, mas ele não deve ter acreditado, tanto assim que decidiu morrer injustamente na flor da idade, aos 47 anos, imagine-se. Um momento antes de acabar pediu que lhe dessem os óculos: “Dá-me os óculos” foram as suas últimas e formais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os queria ele, assim se vêm ignorando ou desprezando as últimas vontades dos moribundos, mas parece bastante plausível que a sua intenção fosse olhar-se num espelho para saber quem finalmente lá estava. Não lhe deu tempo a parca. Aliás, nem espelho havia no quarto. Este Fernando Pessoa nunca chegou a ter verdadeiramente a certeza de quem era, mas por causa dessa dúvida é que nós vamos conseguindo saber um pouco mais quem somos."

Caminho
2.ª Edição
Páginas 51 a 54


"Memorial do Convento" em palavras cruzadas!

E se fosse possível interpretar o "Memorial do Convento" em palavras cruzadas?
Não sendo admissível chegar a tal ponto, fica a curiosidade que encontrei no blog http://palavrascruzadas-paulofreixinho.blogspot.pt/, sobre este passatempo.




Aqui o link original, em http://palavrascruzadas-paulofreixinho.blogspot.pt/2010/11/memorial-do-convento.html

"Memorial do Convento
Depois de Caim e Ensaio Sobre a Cegueira, aqui ficam as Palavras Cruzadas inspiradas nas anotações que fiz durante a leitura de uma das obras mais conhecidas de José Saramago, Memorial do Convento, com as suas personagens inesquecíveis: Baltasar (Sete-Sóis) e Blimunda (Sete-Luas)."

Os Votos de Boas Festas de inspiração "Saramaguiana"


A Fundação José Saramago, presenteou-nos com os seus Votos de Boas Festas.
A árvore iluminada, com o Tejo a seus pés, 
o sentimento da reciclagem e aquisição de novos conhecimentos, que só os livros nos podem trazer. 



A razão e a liberdade de espírito, 
como sinónimos de luta pela renovação constante da esperança e bondade. 


Boas Festas
Ousem...

"Blimunda" a revista digital que também é nome de mulher



A revista digital "Blimunda", tem agora mais um canal de distribuição.
Pode ser encontrada nesta página do Facebook, em https://www.facebook.com/revistablimunda,
ou, através do seu local de origem, no site da Fundação José Saramago.
Ensaios e estudos, apresentações e novidades, de Saramago até onde a tinta de uma caneta nos pode transportar.