Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

"3 perguntas a… Anabela Mota Ribeiro" via "Tornado" (08/12/2019)

Via jornal "Tornado" aqui
em https://www.jornaltornado.pt/3-perguntas-a-anabela-mota-ribeiro/

"3 perguntas a… Anabela Mota Ribeiro" por J. A. Nunes Carneiro (Porto, 8/12/2019)

«Anabela Mota Ribeiro
Nasceu em 1971 em Trás-os-Montes, vive e trabalha em Lisboa.
É licenciada em Filosofia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É jornalista freelance, colaborou com diversos jornais e revistas. Também foi autora e apresentadora de programas de televisão na RTP. Publicou vários livros.» 


Como surgiu a ideia deste seu livro «Por Saramago»?
Como jornalista, o género a que mais me dediquei foi a entrevista. Gosto de perguntar, gosto de escutar, gosto do efeito de detonação que surge das palavras do entrevistado, da potencialidade que há no diálogo. Isso permite-me pensar com outra pessoa, e depois seguir os meus próprios caminhos, autonomamente, ajuda-me a compreender e a criar perplexidades. Não raro, entrevistei mais do que uma vez uma pessoa. Essa conversa continuada, em andamento, suscitada por um livro, pelo novo, e que normalmente acontece quando temos do outro lado um criador, permite um aprofundamento da relação. Então, não sei reconstituir o momento exacto em que pensei fazer “Por Saramago”, mas percebi que as várias viagens ao universo saramaguiano (as entrevistas a José e a Pilar, o texto sobre a casa de Lanzarote, a ida ao México ou ao Brasil “com” Saramago que me deixaram perceber uma devoção táctil pelo autor) constituíam um testemunho importante e eram uma forma de dizer o quanto o admiro.

Depois, eu já tinha feito “Paula Rego por Paula Rego”, também com entrevistas, com um apuro estético incrível e a mão segura da editora Guilhermina Gomes da Temas e Debates; e achei que fazia sentido replicar, de um ponto de vista formal, esse objecto tão conseguido. Por isso, além dos textos, há em “Por Saramago” uma colecção de fotografias que iluminam o texto. São cerca de 65, todas originais, todas feitas de propósito para o livro, da autoria da Estelle Valente. Os dois livros têm capa dura, uma sobrecapa, um papel que apetece cheirar, uma impressão excelente.

Ao escrever este livro, ainda se surpreendeu com alguma nova faceta de José Saramago?
Surpreendo-me sempre com os entrevistados, mesmo quando os entrevisto mais do que uma vez e mesmo quando parece que já disseram tudo. Há sempre uma cintilação nova. Cada encontro tem uma dinâmica própria que depende dos sujeitos, do momento em que estão, da sintonia, e também do que suscita a entrevista. Acho que me surpreendi, a primeira vez que o encontrei, por ser mais gentil do que sisudo, pela disponibilidade para pensar alto.

Neste livro foca a sua atenção em dois livros («As Pequenas Memórias» e «A Viagem do Elefante»): porquê?
Fernando Gómez Aguilera, biógrafo de Saramago, comissário da exposição A Consistência dos Sonhos, assina o posfácio do meu livro, a que chama O último fulgor de Saramago. De facto, são os últimos anos que estão representados no meu livro. As entrevistas a Saramago têm como pretexto os dois últimos livros (as “Pequenas Memórias” e “A Viagem do Elefante”), a entrevista a Pilar del Río aconteceu por altura de “Caim”. Mas estes livros são apenas o ponto de partida para o diálogo; entendo-os sempre como caminhos de onde partimos para chegar a outros lugares, esperados ou não, principais ou secundários. Por exemplo, a entrevista com Pilar ensinou-me muitas coisas sobre o que é crescer no franquismo (como aconteceu no caso dela), além de revelar aspectos importantes de Saramago e da relação que tinham. Esse é o lado bom de uma entrevista: sabemos como começamos, não sabemos onde vamos dar.