Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Olympe de Gouges e Emmeline Pankhurst mencionadas em "Os Apontamentos"

José Saramago, no livro de crónicas políticas "Os Apontamentos", apresenta uma entrada a 8 de Março de 1972, sobre o Dia Internacional da Mulher.
Tece algumas considerações sobre a condição da mulher, os retrocessos que a civilização vai impondo. Interessantes as menções a Olympe de Gouges e Emmeline Pankhurst



(...) Com maior rigor diríamos que a mulher é mantida atrás do homem: muitas das suas conquistas são apenas aparência, e, quando se tornam reais, correm o risco de, com maior ou menor rapidez, perderem conteúdo e poder de aplicação prática. Na maior parte dos casos, o tempo e os interesses dos homens encarregam-se de neutralizar as conquistas alcançadas: a emancipação (no plano económico, através do trabalho remunerado, no plano intelectual, graças ao desenvolvimento da instrução, e no plano político, pela obtenção dos direitos de voto e de elegibilidade) encontra-se ainda hoje limitada por mil e uma pequenas teias. À volta da mulher continua a tecer-se o emaranhado casulo que a manteve isolada do mundo. Há excepções, bem sabemos, mas essas, ao que dizem, só existem para confirmar a regra...
Vai longe o ano de 1792 em que a Olympe de Gouges escrevia a sua «Declaração dos Direitos da Mulher e a Cidadã»; já vai igualmente longe a época de Mrs. Pankhurst, aquela inglesa que criou, no princípio do século, a União Feminina Social e Política, e que mereceu, com as suas companheiras de missão e de luta, o apoio displicente, senão desprezativo, de «sufragista». Mas é apenas de ontem, de 1952, para sermos mais exactos, a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, aprovada, por maioria, pela Assembleia Geral das Nações Unidas... (...)
(...) O Dia Internacional da Mulher deveria ser, sobretudo, um dia de exame de consciência para os homens. (...)

Os Apontamentos
2.º Edição de 1990
Caminho

Informação via Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Olympe_de_Gouges

Olympe de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze (Montauban, 7 de maio de 1748 — Paris, 3 de novembro de 1793) foi uma feminista, revolucionária, historiadora jornalista, escritora e autora de peças de teatro francesa.
Os escritos feministas de sua autoria alcançaram enorme audiência. Foi uma defensora da democracia e dos direitos das mulheres. Na sua obra "Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã" (em francês: Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne) de setembro de 1791, desafiou a conduta injusta da autoridade masculina e da relação homem-mulher que expressou-se na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão durante a Revolução Francesa. Devido aos escritos e atitudes pioneiras, foi executada.
Marie Gouze nasceu em uma família pequeno-burguesa em 1748 em Montauban, Tarn-et-Garonne, no sudoeste da França. Seu pai era açougueiro, sua mãe, lavadeira. Entretanto, ela acreditava ser filha legítima de Jean Jacques Lefranc; a rejeição no reconhecimento dessa paternidade influenciou sua defesa apaixonada dos direitos das crianças ilegítimas.
Casou-se jovem em 1765 com Luis Aubry de quem teve um filho, Pierre. Enviuvou logo depois e, em 1770, transferiu-se para Paris onde adotou o pseudônimo de Olympe des Gouges.
Pelas pinturas remanescentes, era uma mulher de notável beleza. Em torno de 1784 (ano da morte de seu suposto pai biológico), começou a escrever ensaios, manifestos e iniciou ações de cunho social.
Em 1774, escreveu uma peça de teatro anti-escravagista L'Esclavage des Nègres. Pelo fato de ser sido escrito por uma mulher e do assunto controvertido, tal obra somente foi publicada em 1789, no início da Revolução Francesa. Mesmo assim, Olympe demonstrou sua combatividade na luta incessante, porém, sem sucesso, pela encenação da peça. Ao mesmo tempo, escreveu obras feministas relacionadas aos temas dos direitos ao divórcio e às relações sexuais fora do casamento.
Como apaixonada advogada dos direitos humanos, Olympe de Gouges abraçou com destemor e alegria a deflagração da Revolução. Mas logo se desencantou com a constatação de que a fraternité da Revolução não incluía as mulheres no que se refere à igualdade de direitos.
Em 1791 ela ingressou no Cercle Social— uma associação cujo objetivo principal era a luta pela igualdade dos direitos políticos e legais para as mulheres. Reunia-se na casa da conhecida defensora dos direitos das mulheres Sophie de Condorcet. Foi aí que Olympe expressou pela primeira vez sua famosa assertiva: "a mulher tem o direito de montar o seu palanque".
No mesmo ano, em resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ela escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã1 . Logo depois, escreveu o Contrato Social, nome inspirado na famosa obra de Jean-Jacques Rousseau, propondo o casamento com relações de igualdade entre os parceiros.
Por se envolver ativamente nas questões que lhes pareciam injustas, como a condenação à morte de Luis XVI, por ser contra a pena de morte, e desapontada em suas expectativas, passou a escrever com mais e mais veemência. Em 2 de junho de 1793, os Jacobinos prenderam os Girondinos e seus aliados, enviando-os em seguida à guilhotina. Nesse mesmo ano, Olympe escreveu a peça Les trois urnes, ou le salut de la Patrie, par un voyageur aérien e, por causa dela, foi presa. A peça demandava a realização de um plebiscito para escolher uma das três formas potenciais de governo: República indivisível, Governo federalista e Monarquia constitucional. Os Jacobinos, que já haviam executado uma rainha, não estavam dispostos a tolerar a defesa dos direitos das mulheres: exilaram Sophie de Condorcet e, um mês depois, em 3 de novembro de 1793, guilhotinaram Olympe de Gouges.


Emmeline Pankhurst discursando

Informação via Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Emmeline_Pankhurst

Emmeline Pankhurst, nascida Emmeline Goulden, (Manchester, 14 de julho de 1858 — Londres, 14 de junho de 1928) foi uma das fundadoras do movimento britânico do sufragismo. O nome da "Sra. Pankhurst", mais do que qualquer outro, está associado com a luta pelo direito de voto para mulheres no período imediatamente antes da primeira guerra mundial.
Em 1879 casou com Richard Marsden Pankhurst, um advogado. O Sr. Pankhurst era já um apoiante do movimento das sufragistas, e tinha sido o autor da legislação Married Women's Property Acts (Lei da propriedade da mulher casada), de 1870 e 1882. Em 1889, a Sra. Pankhurst fundou a Liga do Franchise das mulheres. A campanha não seria interrompida pela morte do marido em 1898. Em 1903 fundou a melhor conhecida união social e política da mulher (WSPU), um movimento militante cujos membros incluíramm a famosa Annie Kenney, a "mártir" do sufragismo; Emily Davison e a compositora Dame Ethel Smyth. Foi juntada no movimento por suas filhas, Christabel e Sylvia, ambas fariam uma contribuição substancial à campanha em maneiras diferentes.
As tácticas da Sra. Pankhurst para atrair a atenção ao movimento tiveram como resultado o emprisionamento por diversas vezes, mas por causa de seu perfil elevado, não passou as mesmos privações como outras colegas sufragistas (embora experimentasse alimentação forçada após greve de fome). A liderança da campanha não agradou a todos, e houve separatismo dentro do movimento em consequência. A autobiografia, Minha própria história, foi publicado em 1914. Morreu em 1928, tendo atingido a maior de seus objetivos: o direito de voto para as mulheres no Reino Unido.


Uma reflexão sobre o "homem" - o seu caminho provável


José Saramago tinha uma característica, muitas vezes considerada incómoda.
Pensar. Reflectir. Ir buscar ao passado de... recuperá-lo, para um presente, e alertar com algum pessimismo e muito cepticismo o futuro.


 Revista Visão
16 de Janeiro de 2003
José Carlos de Vasconcelos

O ser humano... de forma global

(...)
Enfim, como é o retrato do poeta enquanto jovem, aos 80 anos?
(risos) Em primeiro lugar, acho que sou uma boa pessoa (aliás, estou casado com uma mulher que não me permitiria que não o fosse...). Em segundo lugar, creio que o trabalho que estou a fazer tem  uma qualidade, que não desmerece do que fiz antes: estou ainda com capacidade e O Homem Duplicado de alguma maneira o demonstra.
Sou uma pessoa feliz e ao mesmo tempo infeliz, ou pelo menos não tão feliz assim. Porque vivo neste mundo, vivemos todos, num mundo que não devia ser o que é. Não só injusto, mas cruel. Não percebo como é que após séculos e séculos, milénios até, de estudo, cultura, ciência, arte, filosofia, de todas as maravilhas que ficaram por aí, somos esta espécie absolutamente desprezível. Neste sentido, desprezo-me a mim mesmo por lhe pertencer. Ah!, tem gente maravilhosa, tem heróis, santos... Tem, mas como não são eles que governam o mundo... A bondade de hoje é alguma coisa que dá vontade de rir! E isso (basta-me pegar num jornal, saber o que se passa pelo mundo) dá-me um mal-estar todos os dias...
Por isso podemos dizer que esta casa é uma pequena ilha de harmonia onde vivem pessoas que estão bem e de bem uma com a outra; mas o mundo lá fora... Há quem vá vivendo conformado, ou dizendo que não pode fazer nada; outros, porém, em que, quase dá vontade de dizer: desgraçadamente, me incluo, não se conformam.

Quer dizer que hoje não és um homem de esperança, pelo menos com esperança?
Não. Não tenho nenhum motivo para ter esperança. No plano estritamente pessoal, podemos ter razões para isso. Mas se falarmos numa esperança que nos envolva a todos, ela não é possível num mundo como este. Como será daqui a 50 ou cem anos? Estamos no fim de uma civilização e não temos ideia nenhuma do que vem aí.
Nem sabemos se no futuro o ser humano terá alguma coisa a ver com o actual, ou se será outra coisa que deva passar a chamar-se de forma diferente. (...)