Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

"Why a classic portuguese novel should be on your to-read list" By Sarah Ládípọ̀ Manyika (Via OZI.COM) - 26/11/2017 - com incidência na tradução "Blindness" obra de José Saramago (original "Ensaio sobre a Cegueira")

"Why a classic portuguese novel should be on your to-read list"
By Sarah Ládípọ̀ Manyika (Via OZI.COM) - 26/11/2017


A presente critica literária pode ser consultada e recuperada aqui


"We’re starting a new feature at OZY Books: the building of a global bookshelf. Every other month, our book section editor will pick a selection we think you might enjoy. It might be one you’ve never heard of, or perhaps about a place you’ve never visited. We start with a classic: Blindness, by José Saramago, has stood the test of time. There’s something for everyone — plot, philosophy, allegory, passion, despair and triumph.

SO WHAT’S THE STORY?
A plague of blindness descends on an unnamed city. Within hours, internment camps are erected to keep the blind and contaminated away from the rest of the population. Chaos ensues both inside and outside the camps as more people turn blind. Only one person doesn’t go blind, and she is both witness to the atrocities and guide to her small group of friends. Her words become the group’s maxim: “If we cannot live entirely like human beings, at least let us do everything in our power not to live entirely like animals.” This is a story about power, greed and courage and how individuals and governments respond to crisis. It is, at its core, about what makes us human.

WHO WROTE IT?
Saramago, the grandson of pig farmers, was born in 1922 into a peasant family. A curious fact about his birth: The village clerk, possibly drunk when filling out the birth certificate, wrote “Saramago” instead of the true family name, de Sousa. Saramago means “wild radish” in Portuguese, which in retrospect seems apt for someone who came from a poor peasant background, published his first book only in his fifties and then went on to win the Nobel Prize in literature. Perhaps the wild radish also says something about the sharpness of Saramago’s character — he was known as a prickly personality, a staunch atheist and a lifelong member of the Portuguese Communist party.

WHAT’S NOT TO LIKE?
First, some readers of Blindness claim the book is insensitive to blind people, portraying them as a metaphor for moral depravity. Others (including the author when he was alive) refute this critique, saying that it’s about a population that fears the blindness and what happens in the chaos that ensues. There’s also a problem of punctuation or, rather, the lack thereof in the book. Punctuation to Saramago was like traffic signs: “Too much of it distracted you from the road on which you traveled.” To which some critics have wondered, Sure, but too little and you wind up hopelessly lost.

THE CHAOTIC AND POSTAPOCALYPTIC WORLD 
THAT IS CURRENTLY BEING PORTRAYED IN 
MANY BOOKS AND TV SERIES IS WHAT SARAMAGO 
GOT RIGHT MANY YEARS EARLIER.

WHY NOW?
The world may not have witnessed a plague of blindness, but illnesses such as Ebola and Zika have triggered panic reactions akin to those described in Blindness. The chaotic and postapocalyptic world that is currently being portrayed in many books and TV series is what Saramago got right many years earlier. Blindness speaks to our world today, in which societies realign themselves and rules are dramatically changing. And the blindness referred to in this novel is not just a physical one. As one of the characters remarks: “I don’t think we did go blind, I think we are blind, Blind but seeing, Blind people who can see, but do not see.” Issues pertaining to the abuse of power, whether in the political realm or otherwise, are as pertinent today as they always have been. Whether in Los Angeles or Lagos, we still turn a blind eye to predatory and misogynistic behavior; we still see (and don’t see) the use of sexual assault and rape as weapons of war; and we still pretend not to see, all around us, the glaring injustices that are hiding in plain sight. This is a book that tackles tough subjects and gives us complicated and flawed characters that defy simplistic right and wrong, bad and good, judgments."

“Blind. The apprentice thought, ‘We are blind,’ and he sat down and wrote Blindness to remind those who might read it that we pervert reason when we humiliate life, that human dignity is insulted every day by the powerful of our world, that the universal lie has replaced the plural truths, that man stopped respecting himself when he lost the respect due to his fellow creatures.”
José Saramago in his Nobel Lecture, 1998


"Publicação inédita das cartas de amizade entre Saramago e Jorge Amado" via DN (28/11/2017)

"Jorge Amado José Saramago - Com o mar por meio Uma amizade em cartas" 

Destaque no DN, de 28/11/2017, pode ser recuperado aqui

«A troca de correspondência entre José Saramago e Jorge Amado, durante cinco anos, regista uma "bela amizade", nascida na velhice, e testemunha desabafos políticos, crises de saúde e anseios literários, entre os quais o Nobel por que ambos suspiravam.

A publicação inédita da troca epistolar que os dois escritores de língua portuguesa mantiveram regularmente, entre 1992 e 1997, acaba de chegar às livrarias, numa edição ilustrada com 'fac-símiles' e fotos raras, pela Companhia das Letras, intitulada "Com o mar por meio".

A amizade entre os dois teve início quando "já iam maduros nos anos e na carreira literária", o primeiro com 80 anos, e o segundo com menos dez anos, segundo a editora.

O vínculo tardio, porém, não impediu que os escritores criassem fortes laços de amizade e fraternidade, que se estenderam às suas companheiras de vida, Zélia Gattai e Pilar del Río.

Uma dessas cartas, entre muitas outras, dá nota dessa relação, quando José Saramago escreve a Jorge Amado, em 1993, por ocasião do seu aniversário: "Esta mensagem vai em letra gorda para que não se perca nos azares da transmissão nem um só sinal da nossa amizade, deste carinho tão bonito que veio enriquecer de um sentimento fraterno uma relação nascida tarde, mas que, em lealdade e generosidade, pede meças à melhor que por aí se encontre".

Este livro nasce de uma coincidência ocorrida quando a filha de Jorge Amado, Paloma, juntamente com a Fundação Casa Jorge Amado, estava a trabalhar as cartas trocadas com José Saramago -- no âmbito da organização do acervo do pai, iniciada em 2015 -- e, em troca de mensagens com Pilar del Río, tomou conhecimento de que a Fundação José Saramago planeava também fazer um livro.

A organização e seleção de cartas, feita por Paloma Jorge Amado e Ricardo Viel, da Fundação José Saramago, só foi possível por Jorge Amado ter sido um "homem muito disciplinado e organizado, qualidades exacerbadas pelos anos de militância comunista", que, com "o advento das copiadoras", passou a reproduzir as cartas enviadas, conta a filha do brasileiro, na introdução do livro.

São cartas, bilhetes, cartões, faxes e mensagens várias, enviados ao longo dos anos, com troca de ideias sobre questões, tanto da vida íntima, como da conjuntura contemporânea, social e política, sobre a qual partilhavam a mesma visão comunista.

Várias mensagens são reveladoras do afeto entre os dois casais, uma das quais assinada por José e Pilar, na qual se referem ao "manjar supremo que é a amizade".

A saúde e a velhice também são amiúde referidas, e Jorge Amado escreve, em 1995, esperar que o trabalho ocupe os seus "dias de velhice -- velhice não é coisa que preste".

As cartas refletem também o anseio que os dois escritores partilhavam por receber prémios literários e a alegria que cada um deles sentia de saber que o outro o recebera.

Em julho de 1993, José Saramago escreve ao seu amigo, a propósito da atribuição do Prémio Camões a Rachel Queiroz, que não discute os méritos da premiada, mas não entende "como e porquê o júri ignora ostensivamente (quase apeteceria dizer: provocadoramente) a obra de Jorge Amado".

No ano seguinte, Jorge Amado receberia então o prémio, e José Saramago escreveria "finalmente o Camões para quem tão esplendidamente tem servido a língua dele!", acrescentando: "Será preciso dizer que nesta casa se sentiu como coisa nossa esse prémio?".

Mas a vez de Saramago chegou em 1995 e, em resposta às felicitações enviadas por Jorge Amado, o autor português confessou: "Em nenhum momento da vida, desde que o prémio existe, me passara pela cabeça que um dia poderiam dar-mo. Aí está ele, para alegria minha e dos meus amigos, e raiva de uns quantos 'colegas' que não querem admitir que eu existo...".

Também o Nobel era tema frequente e José Saramago chega a partilhar, numa missiva para Jorge Amado, em 1994, o desejo de que o prémio lhes fosse atribuído em conjunto, ideia que o escritor brasileiro recebeu com regozijo, considerando-a "magnífica", mas temendo que "os suecos da Academia" dividissem "o milhão entre Lobo Antunes e João Cabral".

No entanto, os anos passavam e o prémio não chegava para nenhum deles, levando José Saramago, em 1997, a escrever, em desabafo, a Jorge Amado, que os membros da Academia não gostam da língua portuguesa e que "não têm metro que chegue para medir a estatura de um escritor chamado Jorge Amado".

Nesse mesmo ano, a correspondência entre os dois cessou devido ao agravamento da saúde do coração e dos olhos de Jorge Amado, que foi perdendo a visão mais rapidamente do que se esperava, acabando por mergulhar numa profunda depressão, que o deixava dias inteiros deitado num cadeirão na sala, com os olhos fechados.

A 08 de outubro de 1998, Zélia sentou-se a seu lado e deu-lhe a notícia de que o "seu amigo José Saramago vinha de ganhar o Prémio Nobel", conta a filha.

"Como num passe de mágica, um milagre luso-sueco, Jorge pulou do cadeirão, chamou Paloma, pediu que se sentasse no computador, que ele iria ditar uma nota".

Foi a última carta. Brindou com champanhe, fez a festa com a mulher e a filha e "foi dormir contente". "No dia seguinte, não quis mais abrir os olhos".

Capa da edição "Companhia das Letras"

Apresentação da obra via Companhia das Letras (Brasil) aqui
"A amizade entre Jorge Amado e José Saramago teve início quando os dois já tinham idade mais avançada e consolidada carreira literária, porém o vínculo tardio não impediu que os escritores formassem um laço forte, estendido as suas companheiras, Zélia e Pilar. Este livro reúne a correspondência entre os dois mestres - e os dois casais, muitas vezes -, entre os anos de 1992 e 1998. São cartas, bilhetes, cartões e faxes com uma rica troca de ideias sobre questões tanto da vida íntima como da conjuntura contemporânea, sobretudo a cena literária. Eles debatem com humor sobre prêmios e associações de escritores, com especulações divertidas sobre quem seria, por exemplo, o próximo a ser contemplado com o Nobel ou o Camões. Com um projeto gráfico especial, ilustrado com facsímiles das missivas e belíssimas fotos do acervo pessoal dos autores, Com o mar por meio aproxima os leitores do universo particular dos dois amigos."