Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Depoimento de José Saramago em a "Janela da Alma" - Documentário de João Jardim e Walter Carvalho



Para consulta e visionamento do documentário
em http://www.contioutra.com/janela-da-alma/

“Eles vêem pouco, mas enxergam muito: ‘Janela da Alma’ é um filme luminoso.”

José Saramago, Oliver Sacks, Marieta Severo, Manoel de Barros são só alguns dos grandes nomes que falam sobre o assunto no documentário…Também encontramos depoimentos fabulosos de diversos cineastas que nos explicam como é o “seu” mundo, como aprenderam a ver a realidade. Realmente fantástico! (Mário Sérgio Conti, da Folha de S.Paulo, no Rio)

O filósofo José Arthur Giannotti disse certa vez que os cientistas sociais brasileiros não deveriam se restringir a pensar temas nacionais. Para ele, pesquisar e escrever sobre, digamos, os alfaiates do Piauí não é necessariamente sinal de nacionalismo.

A dedicação exclusiva a assuntos brasileiros pode ser indício de colonialismo: as grandes questões ficariam por conta de pensadores dos países dominantes, enquanto os periféricos se conformariam em lidar com coisas pequenas.

“Janela da Alma”, de João Jardim e Walter Carvalho, é um documentário que segue o postulado de Giannotti. Ele enfrenta um tema abstrato, a visão, sem os travos do subdesenvolvimento.

Os diretores pensam grande já no título, que alude à frase de Leonardo da Vinci: o olho é a janela da alma, o espelho do mundo.
Eles entrevistaram artistas, intelectuais e pessoas ditas comuns da Europa e do Brasil. Recorreram à filosofia, à medicina, à biologia, à música e à literatura para investigar o que é a visão.

O resultado é um filme que enriquece a visão que se tem da visão. Os 19 entrevistados, com graus de acuidade visual que vão da miopia à cegueira, discorrem sobre ver, não ver e ver de maneira única, intransferível.

O leque de entrevistados é amplo. Entre eles estão o músico Hermeto Pascoal, o escritor José Saramago, a atriz alemã Hanna Schygulla, o poeta Manoel de Barros, a cineasta Agnès Varda, o neurologista inglês Oliver Sacks.

Absolutamente tudo o que dizem ou fazem é pertinente e interessante. Não há enrolação, não se desperdiça imagem ou silêncio.

Acompanhando a torrente de discursos, as imagens são focadas, desfocadas e refocadas, alterando a percepção do espectador. O documentário mostra um mundo saturado de imagens que visam atrair o olhar para o consumo (as da propaganda) e o contrasta com paisagens desoladas, onde não há nada para ver.

A abstração também é confrontada com visões bem concretas. O vereador cego Arnaldo Godoy, de Belo Horizonte, conta com ótimo humor como é a vida sem enxergar nada. O filósofo esloveno Eugen Bavcar, também ele cego, mostra como tira ótimas fotografias. É preciso ver para crer.

Seria fácil, num filme como esse, cair na abstração pretensamente poética -citando Bergson, Borges, Milton e quetais- e dela não sair. Ou então ir para o pólo oposto, enfileirando esquisitices uma após a outra.

João Jardim e Walter Carvalho habilmente vão de um pólo ao outro, tornando o filme cada vez mais denso, cada vez mais claro e opaco. A tese central, a de que a visão é construção cultural, e não um dado da natureza, é exposta por meio de nudanças.

“Janela da Alma” está longe, contudo, de ser um filme de tese. Ele é uma expressão pessoal. João Jardim (diretor de documentários como “Terra Brasil” e “Free Tibet”) e Walter Carvalho (diretor de fotografia de “Abril Despedaçado”) são duas toupeiras míopes: o primeiro usa óculos de 8 graus; Carvalho, 7,5.

Eles vêem pouco, mas enxergam muito: “Janela da Alma” é um filme luminoso.

Volume I da Saramaguinana - Revista de Estudos Saramaguianos (Edição em português e espanhol)



Volume I da Saramaguinana
Revista de Estudos Saramaguianos
(Edição em português e espanhol)

Todas as matérias, disponíveis para consulta
em http://www.estudossaramaguianos.com/2013/02/blog-post_8.html

"APRESENTAÇÃO"

"Em A jangada de pedra, de José Saramago, uma série de acontecimentos de ordem fabular aproximam pessoas de diversos pontos da Península Ibérica que cumprirão uma longa jornada de travessia terrestre enquanto sob seus pés é a terra que corre com um destino um tanto incerto. Há, nesses indivíduos, uma mesma força que os une e não é ver o fim do percurso ou o outro lado da barca de pedra, mas aquilo que se passa consigo e ao redor de si. Movem-se como exercício de conhecer a si e ao outro e constituem uma forma cara ao homem contemporâneo que, imerso numa individualidade cada vez mais cerrada, vê no outro uma ameaça secreta a si e a sua liberdade.

O sentimento que une os que compõem essa primeira edição da REVISTA DE ESTUDOS SARAMAGUIANOS é o mesmo dos desbravadores desse romance. Vêm de várias partes do Brasil, unem-se a nomes de Portugal e Argentina e são já vozes em torno de uma mesma obsessão, um mesmo nome, uma mesma obra tornada sempre mais necessária ao exercício de compreensão de nós mesmos num mundo que se mostra sempre pela incoerência e pela incapacidade de reunir numa mesma unidade o sentido principal que nos irmana: a humanidade. Não é uma uniformização, evidentemente, o que queremos. É uma abertura a pontos de vista diferentes no intuito não da tolerância, que esta palavra é uma farsa cara à convivência, e sim, uma ampliação do universo de perspectivas desenhado pela obra de José Saramago.

A ideia não nasceu ao acaso e nem se construiu sozinha. É esforço de uma coletividade. E é preciso que se diga para evitar mais adiante falácias de que tudo se alcança a um passo de distância de nós mesmos. Trata-se de uma proposta que começou a ser costurada por Pedro Fernandes na noite de vigília quando lhe veio, de fato, a consciência da partida Saramago naquele 18 de junho de 2010. Foi quando o professor assumiu de si para com os livros do escritor português que estavam à sua frente naquela ocasião – quase uma profissão de fé, que a tarefa de todo crítico é dar a conhecer, pela via mais simples, o esforço de outros homens cujo desejo é sempre o de dizer sobre eles e o mundo onde estão. A tarefa de todo estudioso da literatura é irmanar-se com a obra não para catar louros de glória, mas para continuar a exercer as revisões sempre necessárias, hoje mais que sempre, de um extenso, ardoroso e mais complexo itinerário, o de humanização – esse que vimos construindo entre erros e acertos desde quando assumimos a consciência sobre o mundo e demos por inaugurado o império da razão. 

Depois, a ideia foi ter com Miguel Koleff, há muito um leitor e dedicado estudioso da obra de José Saramago, com organização de trabalhos de ampla significação para a fortuna crítica do escritor; encontrou com Pilar del Río, quem, desde que tomou contato mais concreto com a ideia, em novembro de 2013, se manteve atenta ao andamento da edição ora publicada e abriu-nos as portas da Fundação José Saramago para nos apoiar com tudo que estivesse ao seu alcance. E, claro, houve empecilhos, mas tudo se firmou no abraço prontamente dado por todos os nomes escritos ao longo destas páginas.   

É notável que desde o final dos anos oitenta a produção acadêmica em torno da obra de José Saramago, até então quase inexistente, tem se avolumado numa proporção sem limite calculável. Ao redor do mundo, não temos alcance sobre os números, mas sabemos pelas buscas breves cumpridas numa ou noutra entrada à grande Conservatória virtual, da leva de estudos desenvolvidos, de eventos realizados, de grupos de pesquisa dedicados tão somente ao exercício da leitura crítica e de perscrutar a infinita correnteza de sentidos que se desenha toda vez que decidimos entrar nesse mundo de palavras. Nunca pretenderíamos abarcar essa quantidade de trabalhos. Queremos, sim, irmanarmos com a mesma sede deles em manter viva a obra saramaguiana.

É esta uma revista acadêmica, mas sem a sisudez da academia. É resultada de uma parceria editorial entre investigadores da obra de José Saramago de Brasil (mentor da ideia), Argentina e Portugal. Sua proposta é a publicação de ensaios, documentos e recensões críticas que tenham como escopo a obra do escritor português. Seu intuito é dar a conhecer e o fortalecer as diversas correntes de estudos formadas ao redor do mundo, estabelecer intercâmbios de pesquisas e ser ponto de encontro entre os diversos leitores que se alimentam do interesse pela obra do escritor português.

Parte como a península no romance evocado à abertura dessas palavras à procura de seu próprio espaço. Quer ser um ambiente de rupturas com a calmaria dos estereótipos e propõe-se a estar sempre em trânsito frente à imobilidade das forças da consciência sobre o mundo, afinal uma literatura de desassossego como é a de José Saramago pede uma abordagem igualmente desassossegadora. Como o itinerário da jangada de pedra, é este um itinerário que, tomara, renda muitas movências e nele se produzam tantas significações sejam possíveis numa abertura de diálogo sincero com o texto literário. 

A edição aqui apresentada é organizada pelos editores da REVISTA DE ESTUDOS SARAMAGUIANOS, os professores Miguel Koleff e Pedro Fernandes de O. Neto; reúne parte do material editado numa tiragem impressa e limitada com chancela da Editora Patuá e da Fundação José Saramago apresentada por ocasião das celebrações do 92° aniversário do escritor português, em 16 de novembro de 2014, Dia do Desassossego."

Equipe editorial


SUMÁRIO

O fatalismo da pobreza (?): o miúdo pormenor interessa à história 
(Levantado do chão, de José Saramago)
ANA PAULA ARNAUT

Do filosofar sobre a morte: uma leitura das ideias de suicídio e morte em José Saramago
FABIANA TAKAHASHI

Figuração da personagem: a ficção meta-historiográfica de José Saramago
CARLOS REIS

Querido diário...
LÍLIAN LOPONDO

O caminho da morte na narrativa de José Saramago
MARIA VICTORIA FERRARA

Duplos paródicos na obra saramaguiana
CONCEIÇÃO FLORES

Caim decreta a morte de Deus
SALMA FERRAZ

Temas, formas e obsessões em Claraboia, de José Saramago
PEDRO FERNANDES DE OLIVEIRA NETO

O poder, a gloria e a nua vida
MIGUEL ALBERTO KOLEFF

Os espaços concentracionários e as crises da utopia: Sartre e Saramago
TERESA CRISTINA CERDEIRA