Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 15 de março de 2016

"Uma visão sobre o artista" Artistas Plásticos e outras artes - José Santa-Barbara - Lena Gal - João Amaral - Violant - Minela Reis - Isa Silva - Odeith

O "cão das lágrimas" de José Santa-Bárbara


"A Viagem do Elefante" de João Amaral


"Mulheres Marias" de Lena Gal


"A Existência da Memória" de Minela Reis


Graffiti de Odeith


Violant


"Square Faces" de Isa Silva







Espectáculo "Quem quer ser Saramago" - Produção "Andante Associação Artística"

Todas informações deste espectáculo e demais actividades, podem ser consultadas, aqui

16 de Março
Feira do Livro de Arganil - Espaço multiusos da Cerâmica Arganilense
 15:00 – 16:00 e 21:00 – 22:00

18 de Março
Lousã - Cine-Teatro
10:30 – 11:30

13 de Abril
Escola Secundária Seomara da Costa Primo - Amadora
15:30 – 16:30 e 21:00 – 22:00

22 de Abril
Biblioteca Municipal Sophia de Mello Breyner Andresen - Loulé
21:30 – 22:30

19 de Novembro
Fórum Cultural de Alcochete - Alcochete
21:30 – 22:30


"Sinopse de apresentação"
"60 minutos
Alunos do ensino secundário e público em geral.
"A grande e decisiva arma é a ignorância. É bom que eles nada saibam, nem ler, nem escrever, nem contar, nem pensar, que considerem e aceitem que o mundo não pode ser mudado, que este mundo é o único possível, tal como está, que só depois de morrer haverá paraíso" 
JS in Levantado do Chão

Promo de apresentação, via YouTube, aqui


Agora, mais do que nunca, as palavras de José Saramago ajudam-nos a compreender, a lutar e a ultrapassar os tempos conturbados em que vivemos.

Quem quer ser Saramago?

Como num jogo somos levados através do universo da escrita de José Saramago, com avanços e recuos, ultrapassando uma dificuldade aqui, fazendo uma descoberta ali.

Quem quer ser Saramago?

Uma viagem contra a crueldade, a humilhação e a mentira, guiada pela “Voz” e pela obra do único Nobel da literatura em língua portuguesa, com destino a um mundo mais digno, justo e verdadeiro."







"Cadernos de Lanzarote - Diário IV" José Saramago e Pilar del Río em viagem pelo Brasil ("Diário de viagem de Pilar)


Post dedicado a Pilar del Río na data do seu aniversário

"Viagem ao Brasil - Prémio Camões"

Dia 26 de Janeiro de 1996, José Saramago apresenta os agradecimentos pela atribuição do Prémio Camões, em discurso perante o presidente do Brasil - Fernando Henrique Cardoso. 

Dia 27 de Janeiro de 1996, os "Cadernos de Lanzarote - Diário IV" abrem espaço ao "Diário de viagem de Pilar"


27 de Janeiro de 1996
"De noites doces todos temos experiência. Agora, noites doces propriamente ditas, sem metáforas nem segundos sentidos, não devem ser tão frequentes assim, uma vez que nem toda a gente adormece com um bombom na boca." (...) "Nunca um bombom durou tanto nem uma noite foi tão doce. Propriamente falando."


28 de Janeiro de 1996
"A outra Brasília existe e hoje conhecemo-la." (...) "Eric Nepomuceno e Marta, sua mulher, levaram-nos a almoçar na margem de um lago que me tinha esquecido haver ali." (...) "À noite, Maria Lúcia Verdi (...) reuniu em sua casa um grupo de amigos do mundo da cultura e da política cultural, incluindo o ministro. Ceia amável com surpresa no fim: Roberto Correa, um músico amigo de Maria Lúcia, compositor e investigador de sons indígenas e populares, ofereceu um recital (...)


29 de Janeiro de 1996
"A manhã foi dedicada por José Saramago a atender os meios do comunicação social, que queriam saber do Prémio Camões tanto como do Ensaio sobre a Cegueira" (...) "Ao meio-dia, almoço em casa dos embaixadores portugueses, Maria Fernanda e Pedro Ribeiro Meneses." (...) "Emocionada" (...) À noite, palestra no Centro Cultural da Embaixada, um salão grande que se encheu para conversar sobre literatura. José falou de Camões, quando ele, conforme o conta em Que Farei com Este Livro?, tentava publicar Os Lusíadas, com tantos trabalhos como pouca fortuna." (...)  


30 de Janeiro de 1996
Dia da entrega do Prémio Camões. Tanta gente ilustre e amiga.
(...) "A sala estava cheia de ilustres. Ilustres do mundo da cultura" (...) "Foi uma cerimónia de palavras." (...) "Depois da cerimónia, simpaticamente, o presidente ofereceu um almoço de confraternização que resultou interessante." (...) "um dia de glória bendita, no sentido que damos em Andaluzia a esta expressão: de bonança acolhedora, de amigos felizes que compartilham a mesma alegria e o mesmo anseio de expressar ideias e sentimentos num idioma comum que os une e singulariza, que os torna irrepetíveis, necessários e úteis." (...) 


31 de Janeiro de 1996
"Viajámos para São Paulo deixando atrás amigos que se multiplicaram em atenções." (...) "Esta noite paulista foi para falar da Europa e de Portugal. No auditório do Museu de Arte de São Paulo, uma conferência para explicar as dificuldades (e os motivos delas) que Portugal teve ao longo do tempo da história para acertar o seu relógio com o tempo." (...)


1 de Fevereiro de 1996
"Se se quiser sobreviver em Salvador da Bahia, o melhor é não ir jantar com Caetano Veloso, porque até as pedras das rua , como se não fossem suficientes as multidões (benditas multidões) que as povoam, querem saudá-lo." (...) 


2 de Fevereiro de 1996
(...) "Iemanjá é o nome da deusa do mar. Todos os anos, no seu dia, os pescadores, os habitantes de Salvador lhe entregam presentes" (...) Ao cair da tarde, forma-se uma procissão de barcos que, ordenadamente, navegam até um ponto determinado, mar dentro, onde se realizar a oferenda" (...) Seguimos a festa no terraço de Caetano Veloso" (...)


3 de Fevereiro de 1996
(...) "Assim são as coisas nesta parte do mundo, onde o importante não é o que se vende e o que se compra, mas sim sabermo-nos vivos, ao menos por hoje, donos absolutos do tempo" (...) "A casa do Rio Vermelho, que começou por ser o cenário onde se desenrolaria parte da vida dos protagonistas Zélia e Jorge, erigiu-se em estrela de si mesma, estrela de carácter" (...) "Rodeia-a uma pequena selva domesticada, minúscula se a compararmos com a Amazónia, mas imensa para os nossos europeus e surpreendidos olhos." (...) "A Fundação Jorge Amado está no Pelourinho, zona de Salvador considerada património da Humanidade pela UNESCO, paisagem dos livros de Amado." (...) "Almoçámos perto do Pelourinho, na Casa de Dadá, um dos restaurantes preferidos dos nossos amigos" (...) "O dia terminou em Santo Amaro, onde, como diziam os autocolantes que as pessoas levavam e que conservamos, «vi e ouvi Caetano em Santo Amaro»." (...)


4 de Fevereiro de 1996
"Custa-nos deixar a Bahia" (...) "O Rio de Janeiro recebeu-nos com uma chuva de Verão, dessas implacáveis que aparecem e desaparecem sem aviso prévio" (...) "O serão deste domingo estava reservado para outro encontro de velhos amigos, admirados companheiros de letra de José. Chico Buarque foi o anfitrião da noite, que começou em sua casa e terminou num restaurante italiano, onde, pelo mimo com que o tratam, é cliente principal, Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro e Berenice, Eric Nepomuceno e Martha, Luiz e Lili, eram os outros comensais, reunidos por umas letras que tantas vezes separam e que são tão poderosas quando criam laços de amizade." (...) "De regresso a Copacabana passámos por Ipanema" (...)


5 de Fevereiro de 1996
"José, como escritor e Prémio Luís de Camões, era o convidado de honra da inauguração oficial de um edifício destinado a altos fins: o Palácio do Livro." (...) "Pela tardinha, nos jardins da Biblioteca Nacional, palestra de José" (...)


6 de Fevereiro de 1996
(...) O último acto público de José era uma conferência nas instalações de O Globo, que de manhã havia publicado uma entrevista ilustrada com uma fotografia da cabeça de José, maior que o tamanho natural. Quase teve um desmaio quando a viu O título da conferência era «O Escritor perante o Racismo»." (...)


7 de Fevereiro de 1996
"Foi uma sorte ter o Ministério da Cultura reservado lugares para viajar para Madrid às 7 da noite" (...) "No almoço do consulado tinha estado, nem mais nem menos, Oscar Niemeyer, com quem José se encontra algumas vezes, mas sempre de maneira rápida e superficial" (...) "A caminho do aeroporto voltou a cair o dilúvio. chuva como cataratas" (...) "Na verdade, uma parte de nós já tinha ficado no Brasil, A outra parte também se a chuva tivesse ajudado..."

Discurso perante o presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso pela atribuição do Prémio Camões (Cadernos de Lanzarote Diário IV - 26/01/1996)

26 de Janeiro (de 1996)
"Mais uma obrigação cumprida à última hora, como em tantas outras ocasiões tem sucedido: desta vez, as palavras com que irei agradecer ao presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, a entrega do Prémio Luís de Camões. Em casos destes, as conveniências aconselham um discurso «politicamente correcto», sem surpresas, um discurso que cumpra o horário, pare em todas as estações, e sobretudo não descarrile. Pensei, contudo, que uma viagem tão longa e um acto previsivelmente tão solene mereciam um grãozinho de fantasia irreverente - e a oração saiu assim: 

«Senhor Presidente, permitir-me-á que reserve para o fim as palavras formais de agradecimento, não porque elas não sejam devidas já, mas porque terei de agradecer-lhe, nessa altura, por esperançosa antecipação, muitíssimo mais (imagine!) que a honra que nos deu, a minha Mulher e a mim, ao convidar-nos a vir ao Brasil, eu, para receber das suas mãos o Prémio Luís de Camões, ela, porque aonde vai um, vai o outro. 
«Desde que cheguei à idade do entendimento, ando a ouvir dizer, com encorajadora insistência, que Brasil e Portugal são dois países irmãos, de sangues cruzados e linfas misturadas, e muita história de ida e volta. Quando aqui há uns anos demos por que a pena inconstante e vária de Fernando Pessoa tinha escrito aquilo de ser a pátria dele a língua portuguesa, e, portanto, por extensão, a de todos nós, acredito que os mais idealistas desta costa e da outra, das africanas também, terão pensado que se encontrava ali a chave mágica, graças à qual acederíamos a possibilidades mais fraternas e frutuosas de encontro e de diálogo. Se a língua portuguesa era realmente pátria, então era a pátria de quantos pensavam, falavam e escreviam português, logo, afinidade de espírito e sensibilidade, bandeira e pregão de todos. Se algo faltasse ainda a essa nova pátria para ser pátria geral, que não desesperássemos, porque o tempo resolveria os problemas, e todo o mais nos havia de vir por acréscimo. Entretanto, trataríamos de convencer-nos, a nós próprios e às gerações, repetindo, até à náusea, que a nossa pátria é mesmo a língua portuguesa. Pobre e sofredora pátria essa, digo eu, tão mal ensinada, tão real aprendida, inçada grotescamente de estrangeirismos inúteis, instrumento que já parece em risco de perder a necessidade e a serventia! 
«Talvez que uma língua partilhada, a nossa ou outra qualquer, com Pessoa ou sem Pessoa para proclamá-lo, possa vir a constituir-se, de facto, em uma certa forma de pátria. Mas, então, aquilo que estivesse a faltar-lhe para ser pátria suficiente, não só nunca lhe viria por simples acréscimo como seria isso, precisamente, o que iria dar-lhe o verdadeiro sentido. Di-lo-ei em palavras directas e sem retórica: interesses comuns, objectivos comuns, trabalho em comum. Os nossos registos históricos de nascimento continuam a demonstrar que somos parentes, mas as páginas das respectivas biografias colectivas estão cheias de mal-entendidos, de indiferenças, de mútuas desqualificações, de mesquinhos egoísmos, de muita conversa e pouca obra. 
«Senhor Presidente, não creio que, ao convidar-me a vir ao Brasil receber o Prémio Luís de Camões, a sua intenção tenha sido apenas a de estabelecer, diplomaticamente, um princípio de alternância que, em verdade, já estava tardando. Quero antes pensar que este acto solene significa, no seu espírito, o primeiro movimento de uma mudança de estilo e de acção nas relações culturais entre os países a que chamamos de língua oficial portuguesa. Quero pensar que, num futuro próximo, já que não poderá ser imediato, todos esses países - Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal -, consoante as disponibilidades humanas e financeiras de cada um, possam elaborar e pôr em funcionamento um plano de trabalho conjunto, atento, naturalmente, às circunstâncias e exigências nacionais, mas visando, com um espírito generoso e aberto, a preservação equilibrada e a difusão eficaz da língua portuguesa no mundo, mas também, e sobretudo, no próprio interior dos países que a falam, os nossos. 
«Era nisto que eu pensava, Senhor Presidente, quando comecei por dizer que teria de agradecer-lhe, por antecipação, muito mais que a honra de receber das suas mãos o Prémio Luís de Camões. Como escritor, como cidadão pedestre, peço-lhe que toque o alarme, e que ele se ouça por cima dos mares e das fronteiras. Afinal, talvez Fernando Pessoa tenha tido razão antes de tempo: foram tantas as coisas que ele anunciou para o futuro, que bem pode ser fosse esta uma delas. E não necessito lembrar que nós, os que falamos português, estamos a ser, neste momento, precisamente, um dos futuros de Pessoa... 
«Senhor Presidente, chegou a vez dos outros agradecimentos. Que vão resumir-se, por a mais não poder alcançar a minha eloquência, em cinco palavras: obriga-do, de todo o coração.» 

Não imagino como irá ser recebida em Brasília uma prosa assim. Mas desejaria que, conhecida ela, nunca mais os políticos de cá e de lá nos azoinassem os ouvidos com o nariz-de-cera pessoano de que a nossa pátria é a língua portuguesa... E se o que escrevi não merece tanta consideração, então que se dêem ao trabalho de ler o que realmente se encontra no Livro do Desassossego: 

«Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentido patriotico. Minha pátria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa propria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ipsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. 
«Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto regio, pela qual é senhora e rainha.» 

Se não me engano na interpretação, a única coisa de que daqui se poderá concluir é que Fernando Pessoa estaria hoje contra o acordo ortográfico... 

in, "Cadernos de Lanzarote - Diário IV"
Caminho, páginas 31 a 34 (26/01/1996)

Exposição da artista plástica Lena Gal "Mulheres de Saramago" de 5/4 a 19/4 no "Espaço Arte" em Lisboa

"Espaço Arte" Publicações Europa-América
Avenida Marquês de Tomar, 1B - 1050-152 LISBOA
Telefone: 213 563 791

Exposição patente de dia 5 de Abril até dia 19 de Abril


Sinopse de Apresentação da Exposição
"Ao ler o livro “Retratos para a construção do feminino na prosa de José Saramago,” de  Pedro Fernandes de Oliveira Neto e  estar em contato com parte significativa da obra do escritor português, entrei  na essência e senti um elo forte  entre as personagens saramaguianas e a minha linguagem plástica, entre a minha pintura feminina e as mulheres reais da minha própria história de vida. Identifiquei a mesma força, os silêncios os sentidos do olhar, a intuição, o amor, a sensualidade, a denúncia de casos de violência e do assédio sexual, a cumplicidade feminina  do despertar para a consciência do ser mulher, e deixei-me guiar  pelo meu interior, pelo sentir este foco feminino, pelo envolvimento emocional e pelos momentos de ansiedade  para, num trabalho criativo, pela forma, pela cor e pelo simbolismo dar rosto  a mulheres como Blimunda, a mulher do médico entre outras mulheres/personagens tão fortes tão sábias como tantas mulheres da vida real que encarnam o arquétipo da Grande Mãe que pinto; mulheres que temos na nossa vida, desde a mãe, a amiga, a irmã. Pintar estas mulheres foi contatar momentos que senti mágicos e de muitas emoções."

“Na pintura de Lena Gal encontro, a procura da plenitude do feminino, …” 
de Raquel Pinto, in “Estudo (análise semiótica “Simbologia na pintura de Lena Gal - Ao encontro do mito Universal da Terra Mãe


"Estou inventando mulheres ou talvez, 
outra forma de ser mulher"
José Saramago

De Pedro Fernandes sobre a obra da artista plástica Lena Gal, torna-se indispensável ler e estudar o texto "A pintura de Lena em diálogo com o feminino na literatura de José Saramago" aqui  

"Uma rápida visita ao currículo de Lena Gal nos colocará diante de algumas exposições cuja matéria está pautada no feminino e suas representações, tais como Mulheres, terramãe e O feminino insular. É do catálogo que compõe a primeira exposição que li a tela “As xamãs” num diálogo tão próximo e tão forte com uma cena de Memorial do convento, de José Saramago. Foi esse contato que me pôs em contato com sua arte; Lena sempre muito solícita não hesitou, na ocasião, em ceder esse trabalho para compor a capa de Retratos para a construção do feminino na prosa de José Saramago, um extenso ensaio publicado em 2012 cujo interesse é de lançar alguma luz, por parca que seja, sobre o tema da representação do feminino na obra saramaguiana.
O contato com o ensaio e, logo depois com a literatura do Prêmio Nobel produziu na artista o desejo de estreitar esse diálogo a princípio individual de alguns temas de sua pintura. Esses dois encontros fez nascer na artista a necessidade de ir ao que ela chama de essência da representação a título de enformar e avivar o traço entre as representações produzidas pela literatura e as lidas pelo ensaio. Nessa zona de interstícios, a linguagem plástica ainda se alimenta do próprio movimento subjetivo da artista e se confunde com sua história da arte e a vida. Lena Gal, como tenho designado, tentou debruçar-se no interstício a fim de produzir o que ela própria designou pelo título de O feminino na escrita de José Saramago."

Lena Gal - "Mulheres Marias" 116x89

"Há no título desse conjunto de pinturas ao menos duas questões que quero apresentá-las nestas notas: uma delas diz respeito a humildade da própria artista em designar seu exercício imagético e imaginativo como representação da escrita. De certa maneira, a pintura e a literatura são duas formas bastante aproximadas de representação; apenas que uma pinta com palavras o que a outra pinta com tintas. Essa é uma observação viva na própria literatura de José Saramago, mais especificamente, nas reflexões costuradas pelo pintor de retratos H. em Manual de pintura e caligrafia. Tomado pela repetição da técnica da arte de eternizar rostos, H. tentará se desenvencilhar da mesmice, ensaiando-se através da escrita. O exercício de Lena Gal, embora não seja ela uma pintora de retratos, é o contrário. Sair do emaranhado de palavras para dizê-las com tinta e pincel. 

Outra é não deixar-se ficar acima da representação maior que lhe move à pintura: a obra de José Saramago. Tenta com o escritor, numa tomada de posição que não é nem de esconder-se à sua sombra nem a de elevá-lo a um pedestal de glória que, creio, ele próprio não gostaria porque sempre me pareceu alguém dado à simplicidade e não chegado à vaidade que corrói muita das existências de alguns grandes nomes, vai tentar dar luz a esse inventário de outras formas de ser mulher. É quando vem em boa hora, uma frase do próprio Saramago recolhida em As palavras de Saramago por Fernando Gómez Aguilera – “Estou inventando mulheres, ou talvez, outra forma de ser mulher”.

Para Lena Gal, este trabalho é exercício de inspiração. E é exercício de outra forma de ser mulher. Os silêncios, os sentidos do olhar, o amor, a intuição, a sensualidade, a violência sobre o corpo da mulher, o assédio sexual, a cumplicidade feminina, o despertar para a consciência do ser mulher são tornadas tonalidades para as formas extraídas do negro das palavras para o colorido das telas. O feminino na escrita de José Saramago é um caudal de sensações. A artista plástica busca pelo seu interior trazer à superfície emoções, alegrias, tristezas, materializando-se em texturas e cores diversas os sentimentos ora nascidos em ora provocados por personagens como Blimunda, de Memorial do convento ou a mulher do médico, de Ensaio sobre a cegueira – dois dos romances mais significativos da bibliografia saramaguiana e pontos centrais na leitura proposta em Retratos."

Lena Gal - "Humilhação dolorosa" 130x97

"Como exercício de recriação artística, coloca na mesma cena personagens que, no plano dos romances nunca tiveram a oportunidade de se conhecer, mas permanecem irmanadas no sentimento sobre o mundo; penso para o caso em telas em que se apresentam Blimunda, a mãe e a rainha D. Maria Ana Josefa. Ou se aproxima de cenas há muito já representadas por outros artistas e introduz
nelas novas forças de sentido: é assim com a cena da crucificação de Jesus Cristo inspirada d’O evangelho segundo Jesus Cristo ou com outra figura para Lilith. Ou reconstrói personas e cenas da narrativa saramaguiana. Além de cenas d’O evangelho, ficamos diante de cenas de Memorial do convento como a incansável busca da mãe de Blimunda pela filha e o diálogo costurado pelas formas do olhar; o encontro de Blimunda com Baltazar sendo queimado num auto-de-fé e a recuperação de sua vontade. Ou de Ensaio sobre a cegueira: a cena de assassinato do cego mal da camarata; do cão que lambe as lágrimas da mulher do médico; o estupro de uma das mulheres na camarata dos cegos maus; o banho das mulheres. 

O feminino na escrita de José Saramago, portanto, refaz por outra via que não a da palavra, as imagens sobre o feminino sugeridas pela escrita do romancista, escrita que, para além do Manual de pintura e caligrafia conversou igualmente com as artes plásticas – penso na abertura d’O evangelho segundo Jesus Cristo, por exemplo, quando o narrador reconstrói a cena pintada por Albrecht Dürer
ou mesmo a plasticidade oferecida pela própria narrativa. À sua maneira, a obra se reinventa, vai logrando outras possibilidades de ser vista e de ser lida.

Como redigi para o catálogo que acompanha a exposição e para outro texto a ser publicado em breve também acompanhado por telas da artista plástica, Lena desvela um duplo manto de sentidos. Não é apenas sobre o meu discurso produzido pela leitura da obra saramaguiana; é a aproximação simultânea de três formas de interpretação, a dela própria, a do escritor e a do ensaísta. Cada tela desnuda num inventário muito próprio das imagens, um imaginário que se inscreve numa zona brumosa não captável pelo verniz da palavra; isso num mesmo instante em que se alimenta dessa seiva que contorna os sentidos e é matéria nutritiva para as imagens desenhadas pelo escritor português capaz de produzir retratos únicos para a mulher. Um apelo, portanto, aos sentidos da visão, esta que tanto foi exercitada pelo próprio Saramago para rever o que nos cerca."

De Pedro Fernandes, académico e estudioso da temática saramaguiana, aqui 

O link geral do projecto em http://letrasinversoreverso.blogspot.pt/

Consultar também o projecto da revista de "Estudos Saramaguianos", aqui em http://www.estudossaramaguianos.com/


Espectáculo "Levantei-me do Chão" A partir de Levantado do Chão de José Saramago - Criação de Carlos Marques

Toda a informação pode ser consultada, através do site 

O projecto de Carlos Marques, também se encontra disponível via Facebook, aqui

(Capa do trabalho)

Agenda 2016 
– 10 Março | Coimbra – TAGV
– 30 Março | Lisboa “Levantei-me do chão – Lado B” Lançamento do CD “Levantei-me do Chão, Vínil) Fundação José Saramago
– de 7 a 17 Abril | Lisboa (Quarta a Sábado 21:30 e Domingos às 16) Teatro Meridional
– 17 e 18 Junho  | Évora  – Teatro Garcia de Resende (CENDREV)

Equipa Artística
Carlos Marques Criador, Composição Músical e Actor
Susana Cecílio Apoio à criação
Nuno Borda de Água Dispositivo cénico
João Bastos Composição Músical
Rodolfo Pimenta Vídeo
Susana Malhão Designer Gráfica
Produção durante o processo de criação Candela Varas
ALGURES, Colectivo de Criação 

"Este espectáculo é um manifesto poético e efémero sobre o “Levantado do Chão”, um solo fragmentado, portátil e maleável (capaz de se adaptar a vários espaços e públicos).

Levantamos o pó dos tempos, levantamos um livro bem lá no alto, levantamos ainda cabeça e o corpo, e acima de tudo tentamos levantar-nos como comunidade.

Um músico de hoje conta e canta as histórias do livro – Serão necessárias novas músicas de intervenção? – Numa conversa franca com o espectador vamos descobrindo a musicalidade nas palavras e nas ideias de Saramago. Aqui reflete-se sobre a democracia – que mundo queremos afinal? E tudo isto num concerto.

Um solo de um contador de histórias carregado da memória afectiva da leitura e da importância dos conhecedores da obra do Nobel, ou um músico de canções avulsas oriundas das palavras de saramago e, ainda, um actor submerso num texto inédito e assumidamente fragmentado.

Um espectáculo baseado no livro onde se diz – à laia de mito –  que o autor descobriu o estilo saramaguiano de narrar."

Promo #1 - aqui via YouTube

"Se no primeiro espectáculo em torno da obra, reflectimos sobre o estado da nossa democracia, neste reflectiremos sobre a condição humana. A metáfora da pedra e da estátua que Saramago usou para descrever as duas fases da sua criação literária adapta-se na perfeição ao que será agora o nosso objecto artístico: se na primeira fase enquanto escritor, na qual se inclui “Levantado do Chão”, o autor descreve a superfície da pedra, numa segunda fase após “Evangelho Segundo Jesus Cristo” há uma tentativa de descrever o interior da pedra, ou seja existe a ambição de alcançar um entendimento do interior do ser humano, filosoficamente falando.

O propósito é levar estas reflexões em torno das palavras de Saramago a muitos lugares, conseguir criar um objecto que comunique com as diversas comunidades onde se inscreve.

Saramago um dia afirmou, numa entrevista conduzida por Ernesto Sampaio, que se imaginava “a contar este Levantado do Chão a um grupo de pessoas, lá no Alentejo, ou aqui em Lisboa, ou em qualquer outro lugar, a contar em voz alta, voltando atrás quando apetecesse, metendo pelo meio coisas da sabedoria popular, ditados (…) e se entre essas pessoas houver analfabetos, essa será a grande prova. É maior dever do narrador contar e bem claro. Amanhã, noutro lugar contaria a mesma história, mas diferente, sempre diferente, outros ditos, outras voltas, outros caminhos. Haveria de ter sua graça experimentar, mas, não podendo ser, aí fica o livro em sua forma de livro e aparente invariabilidade.” Levantado do chão é um livro para ser contado e cantado em voz alta, bem alta!!

Este é um solo de um contador de histórias que gosta de estar ali. Um solo de um músico de intervenção. Um solo de actor que se inquieta com o estado das coisas. Este é um trabalho de uma equipa séria e divertida.

Este é um regresso a uma casa onde tudo foi intenso. Uma casa que foi abandonada e que está fechada apanhando pó. Uma casa cheia de utopias – até parece uma palavra distante. Quando era miúdo agarrava na guitarra e tocava as músicas do Zeca, do Fausto e do Godinho com aquele desejo ter vivido aqueles tempos. E questionava-me se naquela altura eu teria tido a lucidez para me aperceber para saber de que lado da trincheira devia estar."

Promo #2 - aqui via YouTube

"E agora? Falemos do agora. Será que entretanto entaiparam a casa que não tinha muros no jardim? Será que em cada instante sabemos de que lado da trincheira estamos. Será que conseguimos sempre pensar pela nossa cabeça? Será que estamos sempre certos e centrados nas nossas opções? Será que existe esse questionamento, ou essa vontade?

Em situações delicadas politicamente vamos sempre lá atrás buscar os hits das lutas passadas para tentar galvanizar uma massa (conformada) que não tem curiosidade de saber para onde nos estão a puxar. Trazemos para o presente essas músicas porque nos identificamos ou, talvez, porque já são património de uma união em épocas difíceis/vitoriosas – é mais fácil assim, dirão uns.

Mas dessa forma não se banalizarão as épocas, a luta e a própria música? E será que as lutas de hoje são as mesmas de então? Seremos nós como os nossos pais?

Serão precisas novas músicas e mais do que isso novos heróis artistas nestes tempos confusos. Não que queira inscrever o meu nome como herói – talvez em sonhos gostasse dessa ideia, mas não fui talhado para isso -, apenas vou fazendo a minha parte. Porém, talvez a arte devesse ter essa função. Essa inscrição! Talvez seja necessário que ela perca tudo… que ela passe por uma carestia! Talvez para sermos heróis tenhamos de estar ainda mais F**** já me faltam as palavras. Primeiro temos de fazer o que não queremos para depois fazermos o que realmente queremos? Que mundo queremos afinal?

Parafraseando Fausto Bordalo Dias “a ditadura proletária já morreu, mas nasceu a ditadura dos mercados.” E se eu tivesse a oportunidade de conhecer estes tais senhores dos mercados apenas lhes poderia dizer: A MINHA GUITARRA É CONSTANTE E ROSNA! É tempo de levantar do chão!"

"A Caverna" - J.J. Armas Marcelo entrevista José Saramago (TVE2 - 10/01/2001)

Pode ser visualizado, via YouTube, aqui

Juan Jesús ("Juan José") Armas Marcelo entrevista a José de Sousa Saramago 
(Premio Nobel de Literatura en 1998) con motivo de la publicación de su libro “La Caverna”.
Emitido el miércoles 10 de enero de 2001.