Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 15 de março de 2016

Exposição da artista plástica Lena Gal "Mulheres de Saramago" de 5/4 a 19/4 no "Espaço Arte" em Lisboa

"Espaço Arte" Publicações Europa-América
Avenida Marquês de Tomar, 1B - 1050-152 LISBOA
Telefone: 213 563 791

Exposição patente de dia 5 de Abril até dia 19 de Abril


Sinopse de Apresentação da Exposição
"Ao ler o livro “Retratos para a construção do feminino na prosa de José Saramago,” de  Pedro Fernandes de Oliveira Neto e  estar em contato com parte significativa da obra do escritor português, entrei  na essência e senti um elo forte  entre as personagens saramaguianas e a minha linguagem plástica, entre a minha pintura feminina e as mulheres reais da minha própria história de vida. Identifiquei a mesma força, os silêncios os sentidos do olhar, a intuição, o amor, a sensualidade, a denúncia de casos de violência e do assédio sexual, a cumplicidade feminina  do despertar para a consciência do ser mulher, e deixei-me guiar  pelo meu interior, pelo sentir este foco feminino, pelo envolvimento emocional e pelos momentos de ansiedade  para, num trabalho criativo, pela forma, pela cor e pelo simbolismo dar rosto  a mulheres como Blimunda, a mulher do médico entre outras mulheres/personagens tão fortes tão sábias como tantas mulheres da vida real que encarnam o arquétipo da Grande Mãe que pinto; mulheres que temos na nossa vida, desde a mãe, a amiga, a irmã. Pintar estas mulheres foi contatar momentos que senti mágicos e de muitas emoções."

“Na pintura de Lena Gal encontro, a procura da plenitude do feminino, …” 
de Raquel Pinto, in “Estudo (análise semiótica “Simbologia na pintura de Lena Gal - Ao encontro do mito Universal da Terra Mãe


"Estou inventando mulheres ou talvez, 
outra forma de ser mulher"
José Saramago

De Pedro Fernandes sobre a obra da artista plástica Lena Gal, torna-se indispensável ler e estudar o texto "A pintura de Lena em diálogo com o feminino na literatura de José Saramago" aqui  

"Uma rápida visita ao currículo de Lena Gal nos colocará diante de algumas exposições cuja matéria está pautada no feminino e suas representações, tais como Mulheres, terramãe e O feminino insular. É do catálogo que compõe a primeira exposição que li a tela “As xamãs” num diálogo tão próximo e tão forte com uma cena de Memorial do convento, de José Saramago. Foi esse contato que me pôs em contato com sua arte; Lena sempre muito solícita não hesitou, na ocasião, em ceder esse trabalho para compor a capa de Retratos para a construção do feminino na prosa de José Saramago, um extenso ensaio publicado em 2012 cujo interesse é de lançar alguma luz, por parca que seja, sobre o tema da representação do feminino na obra saramaguiana.
O contato com o ensaio e, logo depois com a literatura do Prêmio Nobel produziu na artista o desejo de estreitar esse diálogo a princípio individual de alguns temas de sua pintura. Esses dois encontros fez nascer na artista a necessidade de ir ao que ela chama de essência da representação a título de enformar e avivar o traço entre as representações produzidas pela literatura e as lidas pelo ensaio. Nessa zona de interstícios, a linguagem plástica ainda se alimenta do próprio movimento subjetivo da artista e se confunde com sua história da arte e a vida. Lena Gal, como tenho designado, tentou debruçar-se no interstício a fim de produzir o que ela própria designou pelo título de O feminino na escrita de José Saramago."

Lena Gal - "Mulheres Marias" 116x89

"Há no título desse conjunto de pinturas ao menos duas questões que quero apresentá-las nestas notas: uma delas diz respeito a humildade da própria artista em designar seu exercício imagético e imaginativo como representação da escrita. De certa maneira, a pintura e a literatura são duas formas bastante aproximadas de representação; apenas que uma pinta com palavras o que a outra pinta com tintas. Essa é uma observação viva na própria literatura de José Saramago, mais especificamente, nas reflexões costuradas pelo pintor de retratos H. em Manual de pintura e caligrafia. Tomado pela repetição da técnica da arte de eternizar rostos, H. tentará se desenvencilhar da mesmice, ensaiando-se através da escrita. O exercício de Lena Gal, embora não seja ela uma pintora de retratos, é o contrário. Sair do emaranhado de palavras para dizê-las com tinta e pincel. 

Outra é não deixar-se ficar acima da representação maior que lhe move à pintura: a obra de José Saramago. Tenta com o escritor, numa tomada de posição que não é nem de esconder-se à sua sombra nem a de elevá-lo a um pedestal de glória que, creio, ele próprio não gostaria porque sempre me pareceu alguém dado à simplicidade e não chegado à vaidade que corrói muita das existências de alguns grandes nomes, vai tentar dar luz a esse inventário de outras formas de ser mulher. É quando vem em boa hora, uma frase do próprio Saramago recolhida em As palavras de Saramago por Fernando Gómez Aguilera – “Estou inventando mulheres, ou talvez, outra forma de ser mulher”.

Para Lena Gal, este trabalho é exercício de inspiração. E é exercício de outra forma de ser mulher. Os silêncios, os sentidos do olhar, o amor, a intuição, a sensualidade, a violência sobre o corpo da mulher, o assédio sexual, a cumplicidade feminina, o despertar para a consciência do ser mulher são tornadas tonalidades para as formas extraídas do negro das palavras para o colorido das telas. O feminino na escrita de José Saramago é um caudal de sensações. A artista plástica busca pelo seu interior trazer à superfície emoções, alegrias, tristezas, materializando-se em texturas e cores diversas os sentimentos ora nascidos em ora provocados por personagens como Blimunda, de Memorial do convento ou a mulher do médico, de Ensaio sobre a cegueira – dois dos romances mais significativos da bibliografia saramaguiana e pontos centrais na leitura proposta em Retratos."

Lena Gal - "Humilhação dolorosa" 130x97

"Como exercício de recriação artística, coloca na mesma cena personagens que, no plano dos romances nunca tiveram a oportunidade de se conhecer, mas permanecem irmanadas no sentimento sobre o mundo; penso para o caso em telas em que se apresentam Blimunda, a mãe e a rainha D. Maria Ana Josefa. Ou se aproxima de cenas há muito já representadas por outros artistas e introduz
nelas novas forças de sentido: é assim com a cena da crucificação de Jesus Cristo inspirada d’O evangelho segundo Jesus Cristo ou com outra figura para Lilith. Ou reconstrói personas e cenas da narrativa saramaguiana. Além de cenas d’O evangelho, ficamos diante de cenas de Memorial do convento como a incansável busca da mãe de Blimunda pela filha e o diálogo costurado pelas formas do olhar; o encontro de Blimunda com Baltazar sendo queimado num auto-de-fé e a recuperação de sua vontade. Ou de Ensaio sobre a cegueira: a cena de assassinato do cego mal da camarata; do cão que lambe as lágrimas da mulher do médico; o estupro de uma das mulheres na camarata dos cegos maus; o banho das mulheres. 

O feminino na escrita de José Saramago, portanto, refaz por outra via que não a da palavra, as imagens sobre o feminino sugeridas pela escrita do romancista, escrita que, para além do Manual de pintura e caligrafia conversou igualmente com as artes plásticas – penso na abertura d’O evangelho segundo Jesus Cristo, por exemplo, quando o narrador reconstrói a cena pintada por Albrecht Dürer
ou mesmo a plasticidade oferecida pela própria narrativa. À sua maneira, a obra se reinventa, vai logrando outras possibilidades de ser vista e de ser lida.

Como redigi para o catálogo que acompanha a exposição e para outro texto a ser publicado em breve também acompanhado por telas da artista plástica, Lena desvela um duplo manto de sentidos. Não é apenas sobre o meu discurso produzido pela leitura da obra saramaguiana; é a aproximação simultânea de três formas de interpretação, a dela própria, a do escritor e a do ensaísta. Cada tela desnuda num inventário muito próprio das imagens, um imaginário que se inscreve numa zona brumosa não captável pelo verniz da palavra; isso num mesmo instante em que se alimenta dessa seiva que contorna os sentidos e é matéria nutritiva para as imagens desenhadas pelo escritor português capaz de produzir retratos únicos para a mulher. Um apelo, portanto, aos sentidos da visão, esta que tanto foi exercitada pelo próprio Saramago para rever o que nos cerca."

De Pedro Fernandes, académico e estudioso da temática saramaguiana, aqui 

O link geral do projecto em http://letrasinversoreverso.blogspot.pt/

Consultar também o projecto da revista de "Estudos Saramaguianos", aqui em http://www.estudossaramaguianos.com/


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