Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 13 de dezembro de 2014

"Don't lose Yourself" de Laura Veirs, música inspirada na obra "Ensaio sobre a Cegueira"

Laura Veirs
Álbum -  "Saltbreakers"
Música - "Don't Lose Yourself"

(Laura Veirs)


(... ) "As questões sociais também fazem parte do repertório de Laura Veirs, que interpretou um tema sobre «todas as guerras», mas que no palco do Alquimista dedicou às circunstâncias do último conflito no Iraque. As problemáticas da civilização humana têm eco nos livros de José Saramago. Fã confessa da literatura do escritor, em especial da obra "Ensaio sobre a Cegueira", a songwriter afirmou que pretende escrever uma canção com passagens do livro, como aquela que citou de uma tradução em inglês: "Don't Lose Yourself". (...)

Don't Lose Yourself - Letra Original
I felt my vocal chords weakening
I felt my concave thoughts
I felt my voluntary blindness
For staring straight into the sun
The romantic air of your eye patch
Called me across the room
I clung there and danced with you silent
Admired your divine tattoos

We slept in the shadow of a cedar tree
We made love on the rising tide
We smelled the perfume of the waxing moon
We dreamt of all the friendships kind
We touched the blood of the black cat
We pet the mammoth dog of tears
In the flickering light we were laughing
Necessity conquers fear

Don't lose yourself
Don't let yourself be lost
Don't lose yourself
Don't let yourself be lost

Dreaming we were stones in black stillness
Dreaming of the death of the sun
Waking to a world of white blindness
Painted eyes of the holy ones
The death of the word was upon us
And the discipline of the wind
We see less and less all the time, dear
Just look at this mess we are in

Don't lose yourself
Don't let yourself be lost
Don't lose yourself
Don't let yourself be lost

Staring at the entrance to the mine
I prayed for your wounds to close
Tiger ointment and a cosmic collision
And the crucifixion of the rose

Don't lose yourself, don't lose yourself
Don't lose yourself, don't lose yourself
Don't lose yourself, don't lose yourself
Don't lose yourself, don't lose yourself

Don't lose yourself
Don't let yourself be lost
Don't lose yourself
Don't let yourself be lost

Don't lose yourself
Don't let yourself be lost
Don't lose yourself
Don't let yourself be lost

Don't Lose Yourself (Tradução)
Eu senti minhas cordas vocais enfraquecendo
Eu senti meus pensamentos côncavos
Eu senti minha cegueira voluntária
Por olhar diretamente para o sol
O ar romântico do seu olhar
Me chamou pela sala
Eu fui até você e dançamos em silêncio
Admirei suas tatuagens divinas

Nós dormimos na sombra de um cedro
Fizemos amor com a subida da maré
Sentimos o perfume da lua de cera
Sonhamos com todos os tipos de amizade
Tocamos no sangue do gato preto
Nós acariciamos o cão mamute com lágrimas
Na luz tremulante nós estávamos rindo
A necessidade vence o medo

Não se perca
Não deixe que você seja perdido
Não se perca
Não deixe que você seja perdido

Sonhando nós somos pedras em um silêncio negro
Sonhando com a morte do sol
Acordando para um mundo de cegueira branca
Olhos pintados daqueles que são sagrados
A morte do mundo estava sob nós
E a disciplina do vento
Nós vemos menos e menos todo o tempo, querido
Apenas olhe para essa bagunça em que estamos

Não se perca
Não deixe que você seja perdido
Não se perca
Não deixe que você seja perdido

Parados na entrada da mina
Eu rezei para as suas feridas fecharem
Pomada de tigre e uma colisão cósmica
E a crucificação da rosa

Não se perca, não se perca
Não se perca, não se perca
Não se perca, não se perca
Não se perca, não se perca

Não se perca
Não deixe que você seja perdido
Não se perca
Não deixe que você seja perdido

Não se perca
Não deixe que você seja perdido
Não se perca
Não deixe que você seja perdido

Citador #20 ... a morte resignada que se deixa vencer pelo amor (As Intermitências da Morte)

Citador #20
... a morte resignada que se deixa vencer pelo amor



(Iluminura, o belo e a morte, agarrar a vida, enfrentar a morte, várias interpretações

(...) "A passagem difícil foi transporta sem que ele se tivesse apercebido da proeza que havido cometido, mãos felizes faziam murmurar, falar, cantar, rugir o violoncelo, eis o que faltou a rostropovitch, esta sala de música, esta hora, esta mulher. Quando ele terminou, as mãos dela já não estavam frias, as suas ardiam, por isso foi que as mãos se deram às mãos e não se estranharam. Passava muito da uma hora da madrugada quando o violoncelista perguntou, Quer que chame um táxi para a levar ao hotel, e a mulher respondeu, Não, ficarei contigo, e ofereceu-lhe a boca. Entraram no quarto, despiram-se e o que estava escrito aconteceria, aconteceu enfim, e outra vez, e outra ainda. Ele adormeceu, ela não. Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metido entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma implacável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou o homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu."

em, "As Intermitências da Morte"
Caminho
Página 213 e 214

Documentário "Levantado do Chão" - do regresso a Lavre e a gesta dos "Mau-Tempo"

Documentário exibido na RTP, baseado na obra e vida de José Saramago, prémio Nobel da Literatura de 1998, "Levantado do Chão" de seu nome.
O regresso à terra, Lavre, de onde José Saramago revisita a Azinhaga e os seus avós maternos; as palavras dos que com ele, durante um ano, deu vida às gerações "Mau-Tempo", e que estes, por sua sorte, deram corpo a uma das obras centrais que retrata o Alentejo da lutas pelo trabalho, pela miserável jorna, pelo pão...
Fica para a história, como um lúcido e coerente registo bibliográfico de Saramago.  

(Aqui, link via Youtube, em https://www.youtube.com/watch?v=wwzwDzTw0_g)

"Documentário inédito sobre a vida e obra do Prémio Nobel da Literatura, José Saramago. No dia em que se assinalam os dez anos da atribuição do primeiro Prémio Nobel da Literatura da Língua Portuguesa, a RTP exibe um documentário que retrata o percurso singular do escritor José Saramago, que se afirma "pessimista pela razão, optimista pela vontade". Durante quase um ano, uma equipe da RTP reconstitui os pontos cardeais em que a vida e obra de Saramago se fundem, num trabalho que aborda a história do escritor português mais lido e conhecido do mundo. Mais do que uma biografia, este documentário pretende dar a conhecer ao grande público os momentos decisivos da vida de um homem que aos cinquenta e três anos não era ainda escritor. Filho e neto de camponeses sem terra, José Saramago imigrou para Lisboa com dois anos.

Grande parte da sua vida decorreu na capital, que serve de cenário a alguns dos seus romances. Mas durante a adolescência, foram muitas e prolongadas as suas estadias na aldeia natal, Azinhaga, Golegã, que o marcou para toda a vida. Ficou célebre, o discurso que Saramago proferiu há dez anos na entrega do prémio Nobel, evocando com emoção os avós Jerómino e Josefa, que dormiam com porcos na cama, única forma de sobreviverem todos. José Saramago frequentou o liceu e a escola industrial mas, por dificuldades económicas, não pôde prosseguir os estudos. É um homem "Levantado do Chão", título de uma das suas obras, e título escolhido também, para este documentário. O seu primeiro emprego foi de serralheiro mecânico e neste trabalho reencontramos a oficina dessa época assim como ex-colegas de ofício."


(...) "Sobem os senhores do latifúndio ao outeiro para que o sol só a eles aqueça, tosco sonho sonhou João Mau-Tempo, pois não têm os senhores rosto e o outeiro nome, mas é assim de ciência certa quando João Mau-Tempo acorda, e assim que readormece, vai uma procissão de senhores e ele à frente moendo com o enxadão as raízes do mato, a abrir caminho à bela companhia, arreda os tojos com as mãos, já o sangue lhe corre, e os senhores do latifúndio vêm conversando e rindo, são generosos e pacientes quando ele se atrasa na arroteia, ficam à espera, não maltratam nem chamam a guarda, ficam só à espera e enquanto esperam fazem piqueniques, e ele tira forças do coração e lança a enxada, agora sim, raspa a terra e corta as raízes, já é um homem, e dali de cima, da encosta do outeiro, vê passarem camionetas com um letreiro em que se diz Sobras de Portugal, destinando-se a Espanha, para os vermelhos nem a ponta dum corno, para os outros, os santos, os puros, os que me defendem a mim, João Mau-Tempo de meu nome e proveito, do perigo de cair no inferno, abaixo e morra, e agora vem atrás de mim um senhor a cavalo, e o cavalo, é a única coisa que neste sonho sei, chama-se Bom-Tempo, afinal os cavalos têm uma vida longa, Acorda João, que são horas, isto diz a mulher, e no entanto ainda é noite fechada." (...)

em, "Levantado do Chão"
Caminho, 10.ª edição
Página 96 e 97