Documentário exibido na RTP, baseado na obra e vida de José Saramago, prémio Nobel da Literatura de 1998, "Levantado do Chão" de seu nome.
O regresso à terra, Lavre, de onde José Saramago revisita a Azinhaga e os seus avós maternos; as palavras dos que com ele, durante um ano, deu vida às gerações "Mau-Tempo", e que estes, por sua sorte, deram corpo a uma das obras centrais que retrata o Alentejo da lutas pelo trabalho, pela miserável jorna, pelo pão...
Fica para a história, como um lúcido e coerente registo bibliográfico de Saramago.
(Aqui, link via Youtube, em https://www.youtube.com/watch?v=wwzwDzTw0_g)
"Documentário inédito sobre a vida e obra do Prémio Nobel da Literatura, José Saramago. No dia em que se assinalam os dez anos da atribuição do primeiro Prémio Nobel da Literatura da Língua Portuguesa, a RTP exibe um documentário que retrata o percurso singular do escritor José Saramago, que se afirma "pessimista pela razão, optimista pela vontade". Durante quase um ano, uma equipe da RTP reconstitui os pontos cardeais em que a vida e obra de Saramago se fundem, num trabalho que aborda a história do escritor português mais lido e conhecido do mundo. Mais do que uma biografia, este documentário pretende dar a conhecer ao grande público os momentos decisivos da vida de um homem que aos cinquenta e três anos não era ainda escritor. Filho e neto de camponeses sem terra, José Saramago imigrou para Lisboa com dois anos.
Grande parte da sua vida decorreu na capital, que serve de cenário a alguns dos seus romances. Mas durante a adolescência, foram muitas e prolongadas as suas estadias na aldeia natal, Azinhaga, Golegã, que o marcou para toda a vida. Ficou célebre, o discurso que Saramago proferiu há dez anos na entrega do prémio Nobel, evocando com emoção os avós Jerómino e Josefa, que dormiam com porcos na cama, única forma de sobreviverem todos. José Saramago frequentou o liceu e a escola industrial mas, por dificuldades económicas, não pôde prosseguir os estudos. É um homem "Levantado do Chão", título de uma das suas obras, e título escolhido também, para este documentário. O seu primeiro emprego foi de serralheiro mecânico e neste trabalho reencontramos a oficina dessa época assim como ex-colegas de ofício."
(...) "Sobem os senhores do latifúndio ao outeiro para que o sol só a eles aqueça, tosco sonho sonhou João Mau-Tempo, pois não têm os senhores rosto e o outeiro nome, mas é assim de ciência certa quando João Mau-Tempo acorda, e assim que readormece, vai uma procissão de senhores e ele à frente moendo com o enxadão as raízes do mato, a abrir caminho à bela companhia, arreda os tojos com as mãos, já o sangue lhe corre, e os senhores do latifúndio vêm conversando e rindo, são generosos e pacientes quando ele se atrasa na arroteia, ficam à espera, não maltratam nem chamam a guarda, ficam só à espera e enquanto esperam fazem piqueniques, e ele tira forças do coração e lança a enxada, agora sim, raspa a terra e corta as raízes, já é um homem, e dali de cima, da encosta do outeiro, vê passarem camionetas com um letreiro em que se diz Sobras de Portugal, destinando-se a Espanha, para os vermelhos nem a ponta dum corno, para os outros, os santos, os puros, os que me defendem a mim, João Mau-Tempo de meu nome e proveito, do perigo de cair no inferno, abaixo e morra, e agora vem atrás de mim um senhor a cavalo, e o cavalo, é a única coisa que neste sonho sei, chama-se Bom-Tempo, afinal os cavalos têm uma vida longa, Acorda João, que são horas, isto diz a mulher, e no entanto ainda é noite fechada." (...)
em, "Levantado do Chão"
Caminho, 10.ª edição
Página 96 e 97
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