Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 18 de janeiro de 2020

12 a 17 de Janeiro de 1997 - "Cadernos de Lanzarote V"

12 de Janeiro
(...) "Primeira participação no programa da RDP O Mundo de..., para que Adelino Gomes me convidou em Novembro do ano passado. Voltarei de cinco em cinco semanas,decidido, como sempre, a não dizer o que não penso..."

13 de Janeiro
"Pastelaria Versalhes. Enquanto almoço, entretenho-me a pensar nos enredos do livro que ando a ensinar a andar, este Todos os Nomes por enquanto bastante inseguro de pernas, quando uma palavra repetidamente dita numa mesa próxima começou a romper a muralha de abstracção em que me tinha envolvido e a empurrar o estaleiro do romance para fora da área dos cuidados imediatos. A palavra era «universo»" (...)

17 de Janeiro
"Hoje, em Lanzarote, lendo o jornal, enquanto tomava o sol no terraço, tive noticias do Universo, aquele cujo nome costumamos escrever com a letra inicial maiúscula para não fazer confusão com o da Pastelaria Versalhes. Dois cientistas da Universidade do Michigan, Fred Adams e Greg Laughlin, afirmam que acabará dentro de um numero de anos definido por 154 zeros (...) Pressinto que não viverei tanto..." (...)

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12 a 17 de Janeiro de 1996 - "Cadernos de Lanzarote IV"

13 de Janeiro
"Em Lisboa, para votar. Encontro alguns amigos preocupados com o resultado das eleições de amanhã. Tudo aponta para um vitória folgada de Jorge Sampaio, mas eles duvidam, parece-lhes bom de mais para poder ser verdade. Apresento um argumento para o qual não há resposta: «É impossível que este país tenha como presidenta da República um homem chamado Aníbal Cavaco Silva. Não porque não fizesse sentido, mas porque o faria de mais...»" (...)

14 de Janeiro
"A minha tranquilidade tinha razão, Jorge Sampaio ganhou. À noite, de Lanzarote, telefona-me Pilar a dizer que El País se lembrou de pedir um artigo sobre as eleições." (...)

15 de Janeiro
"«A esquerda explicada». Assim chamei o artigo, interrompido não sei quantas vezes por chamadas de urgência. Não sei se os leitores vão realmente encontrar a esquerda explicada. Por mim, penso que esta será uma maneira tão boa como outra de dizer o que a esquerda é" (...)

16 de Janeiro
"Juan Goytisolo veio a Lanzarote para dar uma conferência. Com ele veio Monique Lange, sua amiga e companheira, mulher inteligente, de uma simplicidade rara, que em tempos foi secretária de Gaston Gallimard." (...)

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12 a 17 de Janeiro de 1995 - "Cadernos de Lanzarote III"

12 de Janeiro
"E vão três. Suspeito que os cães de Lanzarote andam a passar a palavra uns aos outros. Agora é uma cadela de uma raça a que aqui chamam sato, cor de amarelo-torrado (...) Desde há três dias que não nos larga a porta. Demos-lhe comida e água, em que começou por não tocar. Tremia, assustada. Depois foi-se tranquilizando, comeu e matou a sede. Pepe e Greta não foram simpáticos ao princípio, mas não tardaram muito a aceitá-la." (...)

13 de Janeiro
"A experiência pessoal e as leituras só valem o que a memória tiver retido delas.Quem tenha lido com alguma atenção os meus livros sabe que, o que ali há é um contínuo trabalho sobre os materiais da memória, ou, para dizê-lo com mais precisão, sobre a memória que vou tendo daquilo que, no passado, já foi memória sucessivamente acrescentada e reorganizada, à procura de uma coerência própria em cada momento seu e meu." (...)

15 de Janeiro
"Contra mim falo: o melhor que às vezes os livros têm são as epígrafes que lhes servem de credencial e carta de rumos." (...)

16 de Janeiro
"O Livro dos Conselhos não existe."

17 de Janeiro
"Sempre se morre demasiado cedo. Miguel Torga sai do mundo aos 87 anos, depois de uma longa e dolorosa doença. (...) 
Não conheci Miguel Torga. Nunca o procurei, nunca lhe escrevi.. Limitei-me a lê-lo, a admirá-lo muitas vezes, outras não tanto." (...) 

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12 a 17 de Janeiro de 1994 - "Cadernos de Lanzarote II"

12 de Janeiro
"Conversa com João Mário Grilo e Clara Ferreira Alves sobre o documentário - formato «Artes e Letras» - que Isabel Colaço teve a ideia de produzir." (...)
"Há dias de sorte. Tive hoje - 12 de Janeiro - a grata satisfação de receber do Gabinete das Relações Culturais Internacionais da Secretaria de Estado da Cultura um fax que se fazia acompanhar de uma carta da Fundación El Libro, de Buenos Aires, datada de 13 de Setembro do ano passado, em que me convidam a participar na Feira do Livro que em Março ali se irá realizar." (...) 

13 de Janeiro
"Diz o Gabinete das Relações Culturais Internacionais da Secretaria de Estado da Cultura que não teve culpa. Diz que o convite lhe foi comunicado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em 2 de Novembro e que o imediatamente o transmitiu ao Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro" (...)

17 de Janeiro
"Durante quatro dias a casa esteve transformada num pequeno estúdio de cinema (...) eu respondendo às perguntas de Clara, eu escutando as recomendações de João Mário, eu esforçando-me por parecer inteligente na palavra, no gesto, na expressão.

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