Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Citador #15 ... referência ao Padre António Vieira e o belo na língua escrita em português - Não AO

Eu, digo NÃO ao Acordo Ortográfico - Pela Defesa de Língua Portuguesa

Eu como pato e faço pactos
Eu visto fatos e assumo outros factos
Eu ato os atacadores e gosto daquele Primeiro Acto


"Padre António Vieira
Isto a que chamam o meu estilo assenta na grande admiração e respeito que tenho pela língua que foi falada em Portugal nos séculos XVI e XVII. Abrimos os Sermões do Padre António Vieira e verificamos que há em tudo o que escreveu uma língua cheia de sabor e de ritmo, como se isso não fosse exterior à língua, mas lhe fosse intrínseco.
Nós não sabemos ao certo como se falava na época, mas sabemos como se escrevia. A língua então era um fluxo ininterrupto. Admitindo que possamos compará-la a um rio, sentimos que é como uma grande massa de água que desliza com peso, com brilho, com ritmo, mesmo que, por vezes, o seu curso seja interrompido por cataratas.
Chegam dias de férias, uma boa ocasião para entrar nesta água, nesta língua escrita pelo Padre Vieira. Não aconselho nada a ninguém, mas digo que vou mergulhar na melhor prosa e vou desaparecer estes dias. Alguém quer acompanhar-me?"
Caderno 2, 8 de abril de 2009

Link, em http://caderno.josesaramago.org/162275.html

"Digo pedra" a poesia de José Saramago cantada por Luis Pastor "Nesta Esquina do Tempo"


Luis Pastor canta poemas de José Saramago
Álbum "Nesta Esquina do Tempo"
Poema/Musica "Digo Pedra"

«Digo pedra»

Digo pedra, esta pedra e este peso,
Digo água e a luz baça de olhos vazos,
Digo lamas milenárias das lembranças,
Digo asas fulminadas, digo acasos.

Digo terra, esta guerra e este fundo,
Digo sol e digo céu, digo recados,
Digo noite sem roteiro, interminada,
Digo ramos retorcidos, assombrados.

Digo pedra no seu dentro, que é mais cru,
Digo tempo, digo corda e alma frouxa,
Digo rosas degoladas, digo a morte,
Digo a face decomposta, rasa e roxa.

(de Provavelmente alegria, 1970)

Adelino Gomes entrevista José Saramago, para o jornal "Público" em 29/05/2002

"Escrevi o romance para resolver o choque entre uma admiração e uma rejeição sem limites"

(Semear palavras pelo campo,
já não cavará por entre os torrões de terra seca,
os homens que fecharam a água a montante,
jamais abrirão as suas comportas erguidas,
a juzante urge uma nova fonte,
eterna esperança para alimentar o horizonte vindouro
fazer brotar novos rebentos
que de fortes caules
que de altos troncos,
possam abraçar melhores sombras.
Semear palavras pelo campo,
para que alguém as possa ler de novo)




Aqui, pode ser consultado através do link,
em http://www.publico.pt/culturaipsilon/jornal/escrevi-o-romance-para-resolver-o-choque-entre-uma-admiracao-e-uma-rejeicao-sem-limites-171041

Por Adelino Gomes, para o caderno Ipsilon, do jornal Público, em 29/05/2002

"José Saramago, 79 anos, acabara de regressar a casa, na ilha de Lanzarote, após mais uma das longas viagens e respectivo cortejo de compromissos que a concessão do Nobel só veio aumentar. As datas das próximas passagens por Portugal não coincidem com os prazos editoriais. Na impossibilidade de uma entrevista frente a frente, combina-se uma sessão de perguntas e respostas via Internet. Com direito a "repique", por parte do entrevistador. O tema é o livro que hoje o PÚBLICO distribui aos seus leitores. Mas Saramago aceita uma digressão pela polémica israelo-palestiniana, em que se envolveu após ter invocado Auschwitz quando se encontrava em Ramallah. JOSÉ SARAMAGO - Passaram mais de 20 anos, não recordo o nome do hotel, se alguma vez o fixei. E não se tratou de um congresso, mas de um grupo viajante, daqueles que a Associação de Amizade Portugal-RDA organizava. Calhou-me ser o "porta-voz" da delegação, o que significou ter a meu cargo os discursos de agradecimento em todos os lugares e instituições que visitámos. Foi no final de um desses dias que a "coisa" aconteceu. Tinha visto em Lisboa um filme ("Anno Domini" não sei quantos, não recordo o nome do realizador) e, não sei porquê, ele veio-me à memória quando entrei no quarto do hotel. Sentei-me na cama para descansar um pouco, deixei-me cair para trás e, nesse momento, "caíram-me" do tecto as palavras "O Ano da Morte de Ricardo Reis". Tinha publicado poucos meses antes "Levantado do Chão" e esta era a primeira ideia que me surgia para um novo livro. A ideia do "Memorial do Convento" veio depois. Se me perguntarem porque não os escrevi pela ordem de "nascimento", direi que me assustou o que os "pessoanos" iriam dizer da presunção deste adventício. O "Memorial" deu-me forças e confiança para arrostar depois com aquele Adamastor..."


(José Saramago com Eduardo Lourenço)


"P - É verdade que lhe acontece muitas vezes ter o título antes de escrever uma única palavra do livro?
R - Quase sempre. O Memorial esteve para chamar-se simplesmente "O Convento", mas como Agustina Bessa-Luís tinha publicado "O Mosteiro", achei que devia arredondar o título para não parecer que andava a inspirar-me em títulos alheios. Quanto a romances que começaram pelo título, são eles, por exemplo, "Levantado do Chão", "História do Cerco de Lisboa", "O Evangelho segundo Jesus Cristo", "Ensaio sobre a Cegueira", "Todos os Nomes", "A Caverna" e este em que estou a trabalhar, "O Homem Duplicado".

P - Mas para aparecer um título deve haver antes uma ideia geral para a qual ele remete. Por exemplo, "Todos os Nomes" tem relação com uma busca de dados que andava a fazer sobre o seu irmão Francisco de Sousa, morto aos dois anos. 
R - Alguns títulos, de facto, propõem imediatamente o que chama "uma ideia geral" da história. Não é, porém, o caso de "Todos os Nomes", que me apareceu num avião que me levava a Brasília. Já íamos a pouca altura, eu olhava a paisagem lá em baixo e de repente saltaram-me dentro da cabeça aquelas três palavras. Perguntei a mim mesmo que diabo quereria aquilo dizer e pensei que, tendo escrito um romance - "Ensaio sobre a Cegueira" - em que nenhuma personagem tem nome, poderia agora tentar outro em que apareceriam "todos os nomes". Uma espécie de contraponto. A ligação à busca de dados sobre o meu irmão Francisco em que andava empenhado deu-se algum tempo depois. Estava em Amherst, no estado norte-americano de Massachusetts, hospedado em casa do professor José Ornelas, e foi aí que se me desenhou na mente a história do funcionário do Registo Civil. 

P - E quanto a "O Ano da Morte de Ricardo Reis"? Andava às voltas com Pessoa? 
R - Directamente, não andava às voltas com o Fernando Pessoa, mas todos nos lembramos que por aqueles anos (cinquentenário da morte, centenário do nascimento) era o Pessoa que andava às voltas connosco...

P - Começou a escrever o livro logo a seguir? Quanto tempo lhe levou? Esse tempo foi superior ou inferior ao normal? 
R - O Ricardo Reis teve de aguardar na fila que eu me livrasse do "Memorial", sobrou-lhe portanto a espera para chegar maduro ao momento de principiar a ser escrito. Creio que o trabalho de escrita não me ocupou mais de nove meses. Aliás, é esse, pouco mais ou menos, o tempo de que necessito para pôr um romance em pé.

P - Como concilia as exigências da editora (e dos leitores) com os eventuais caprichos da inspiração?
R - A minha relação com a Editorial Caminho não é desse tipo. Eles respeitam o meu trabalho, eu respeito o trabalho deles. Os prazos fixo-os eu a mim mesmo, não eles. E se alguma vez me atrasei na entrega de um original, foram bastante compreensivos para aceitar sem reserva as razões por que isso tivesse sucedido. Quanto aos leitores, não têm eles mais remédio que esperar pacientemente. Ou impacientemente, o que será melhor ainda...

P - Qual foi o livro que lhe levou mais tempo a escrever?
R - Talvez "História do Cerco de Lisboa".

P - E o de mais rápida elaboração?
R - "A Caverna".

P - Lembra-se do seu primeiro contacto com o heterónimo de Fernando Pessoa Ricardo Reis?
R - Conheci Ricardo Reis por altura dos meus 17 ou 18 anos. Na Escola Industrial de Afonso Domingues, que frequentava, havia uma biblioteca, e foi aí que se me deparou um exemplar da revista "Athena" em que apareciam umas quantas odes assinadas com aquele nome. Dizer que fiquei deslumbrado é pouco, tinha diante de mim a beleza em estado puro. Nessa altura, pensei que Ricardo Reis era uma pessoa real, não sabia nada dos heterónimos e pouquíssimo do próprio Pessoa. 

P - Um espectador da vida, Ricardo Reis é, talvez de todos, o heterónimo com o qual José Saramago se identificará menos. Porquê então este privilégio que lhe concede ao fazê-lo "herói" do seu livro?
R - Quando mais tarde avancei no conhecimento de toda aquela "gente" - foi muito importante para mim a antologia organizada por Adolfo Casais Monteiro, cuja segunda edição, a que tenho, saiu em 1945 - e sobretudo comecei a penetrar mais profundamente no espírito do Reis, achei-me diante de algo que quase por instinto rechaçava, aquela sua ideia de que a sabedoria consiste em contentar-se cada um com o espectáculo do mundo... Pensava já então, e continuo a pensá-lo, que se a alguém o espectáculo do mundo contenta, ao menos que tenha a decência de não chamar sabedoria a essa atitude. Direi que "O Ano da Morte de Ricardo Reis" foi precisamente escrito para mostrar a Ricardo Reis o espectáculo do mundo (de Portugal também) e perguntar-lhe se continuava a considerar sabedoria a mera contemplação dele... Foi portanto para resolver o choque entre uma admiração sem limites e uma rejeição sem limites que escrevi o romance.

P - O próprio Fernando Pessoa pode dizer-se que esteve nos antípodas daquilo que José Saramago defende. Tanto no seu percurso pessoal como nas intervenções que ele foi fazendo na vida cultural e política do país. A sua admiração por Pessoa faz esse "distinguo"?
R - Todos sabemos que Fernando Pessoa dá para tudo. Se quisermos viver em paz com ele, teremos de o aceitar como foram. Mas realmente é difícil suportar com serenidade certas afirmações suas, como aquela de que a escravatura, afinal, não era um sistema assim tão mau...

P - Já agora, o mesmo quanto ao Padre António Vieira, cultor da língua, defensor dos índios e visionário do Quinto Império?
R - Provavelmente, para o Padre António Vieira, as visões de um Quinto Império não passaram de uma manha política (digo "manha" no melhor sentido da palavra), hoje sem particular significado, salvo para alguns "iluminados" que ainda imaginem por aí grandiosos futuros para Portugal. Quanto ao Quinto Império pessoano, esse era puro teatro. Não se vê que diabo de espiritualidade "futurante" poderia ter ele encontrado na modorrenta Lisboa dos anos 30...

P - Da sua lista de autores preferidos, constam outros escritores em que o fascínio pela obra literária não acompanhe a admiração pela pessoa? Pode especificar?
R - Falando de autores portugueses, confesso que não consigo ler aqueles a quem ao mesmo tempo não estime e respeite como pessoas. Sou menos exigente se se trata de autores estrangeiros.

P - Tem consciência de que esse é o "drama" de numerosos fãs da sua obra, que não o acompanham nas suas opções políticas e a quem nalguns casos essas opções repugnam até?
R - Se me lêem apesar de as minhas opções políticas lhes repugnarem (outra coisa seria se lhes repugnasse a pessoa que as tem), então o "drama" não é assim tão grande...

P - Alguma vez pensou em moderar a sua militância no terreno, de forma a alargar ainda mais a base de apoio literário de que goza no mundo, sobretudo a partir do Prémio Nobel?
R - A minha base de apoio literário nasceu simplesmente daquilo que escrevo, não de uma estratégia de autor ou de uma dosagem de ingredientes narrativos supostamente "abrangentes", para usar um termo do calão político. Moderar aquilo a que chama "a minha militância no terreno" para alargar ainda mais a dita base de apoio seria um cálculo indigno. Quem me quiser, terá de aceitar-me tal qual sou. Quanto aos outros, que vivam tão bem sem mim como eu vivo sem eles.

P - Disse uma vez numa entrevista: "Eu estou nos meus livros." Como explica que numerosos leitores (como se viu agora em Israel) adiram aos seus livros entusiasticamente mas reajam tão fortemente a posições políticas públicas suas?
R - Alguns críticos literários de Israel disseram que eu escrevi "Ensaio sobre a Cegueira" pensando no Holocausto e era voz corrente que um dos meus livros, suponho que o mesmo, havia sido lá escrito... Nada disto era verdade, simplesmente era o lado imaginário de uma relação privilegiada entre leitores e autor que se estabeleceu em Israel e que nunca alimentei de caso pensado. De certa maneira, consideravam-me um deles. Mesmo que para isso tivessem de saltar por cima de alguma interpelação minha, como aquela que sobre o conflito israelo-palestino se pode ler no "Evangelho segundo Jesus Cristo" (pp. 210-211 da edição portuguesa) e cuja parte final aqui deixo: "Agora vais dizer-me, segundo o que te aconselhem as tuas luzes, se, chegando nós um dia a ser poderosos, permitirá o Senhor que oprimamos os estrangeiros que o mesmo Senhor mandou amar, Israel não poderá querer senão o que o Senhor quer, e o Senhor, porque escolheu este povo, quererá tudo quanto for bom para Israel, Mesmo que seja não amar a quem se devia, Sim, se essa for, finalmente, a sua vontade, De Israel ou do Senhor, De ambos, porque são um, Não violarás o direito do estrangeiro, palavra do Senhor, Quando o estrangeiro o tiver e lho reconheçamos, disse o escriba." Nestas últimas palavras ("lho reconheçamos") está o nó da questão: Israel não reconhece o direito dos palestinos a viverem na sua própria terra, mas os judeus que leram aquilo fizeram de conta que não era nada com eles...

P - Acha que a sua opinião sobre a situação palestiniana vale a perda de milhares de leitores israelitas dos seus livros?
R - Ai de mim se quando vou dizer ou escrever alguma coisa começasse por pensar se com isso irei vender mais ou vender menos livros... Em Março venderam-se em Israel 3000 exemplares de "Todos os Nomes", em Abril, depois das minhas declarações em Ramallah, apenas 280. A conclusão é fácil: 2720 leitores andavam equivocados a meu respeito, 280 sabiam quem eu era. Estes são os que me importam.

P - Não o impressiona o argumento daqueles que lembraram que os seus leitores se encontram em Israel e não na Palestina?
R - É um argumento estúpido e mesquinho, que denuncia uma mentalidade de avaro. A Israel não falta dinheiro para comprar livros, mas eu não me vendo a quem compre os meus, seja quem for e onde quer que esteja. Em todo o caso, que não se preocupem, estou traduzido ao árabe e alguns dos livros que escrevi circularão certamente na Palestina. É mesmo muito possível que um exemplar desses se encontre soterrado sob os escombros de Jenin... 

P - Já agora, tendo em conta o seu recente artigo "Das pedras de David aos tanques de Golias" (na imprensa internacional e no PÚBLICO de 03-05-02): reconhece que foi excessiva a comparação histórica que fez com a situação que prevalecia em Ramallah durante o cerco israelita? 
R - O meu artigo não retira nada às declarações que fiz em Ramallah. É simplesmente outra visão do problema. Se a denominada comunicação social estivesse interessada em divulgar com verdade o que eu disse na Palestina, teria de informar que não comparei os factos de Ramallah aos factos de Auschwitz, mas sim o espírito de Auschwitz ao espírito de Ramallah... Já era então patente a qualquer pessoa a quem a prudência não fizesse fechar os olhos. Não sendo a prudência uma das minhas virtudes, limitei-me a antecipar o que o exército israelita (esse que um grande intelectual judeu, o prof. Leibowitz, no princípio dos anos 90, classificou como judeo-nazi) não fez depois mais que confirmar. E se ainda há por aí quem tenha dúvidas, que consulte o "plano de paz" que Sharon levou a Bush para aprovação. Nele se contempla o reconhecimento de um Estado palestino sem capacidade militar e com o território reduzido, em que se criarão zonas de segurança para separar fisicamente israelitas e palestinos. O "plano" prevê um acantonamento permanente de tropas nos territórios palestinos, grades, vedações electrificadas e portas de acesso, como as que actualmente separam Gaza de Israel. Não é preciso ser um lince de inteligência para perceber que a aplicação de um tal "plano de paz" transformará definitivamente o chamado território palestino num enorme campo de concentração...

P - Voltando ao livro. Que métodos seguiu para reconstituir o ambiente de Lisboa naquele período (segunda metade dos anos 30), para além da consulta de jornais da época, abundantemente citados? Foi aos locais para melhor os descrever (Hotel Bragança, Cemitério dos Prazeres, etc.)?
R - Apesar de ter apenas 13 anos em 1936, a minha lembrança do ambiente geral da cidade naquela época mantém-se bastante viva. Essa lembrança foi o pano de fundo de que me servi para fazer representar as minhas personagens. Mas, tal como refere, a substância dos factos colhi-a nos jornais, principalmente "O Século", pelas características populares que sempre o distinguiram: enquanto o "Diário de Notícias" afirmava ser o jornal de maior tiragem, "O Século" desforrava-se dizendo ser o de maior circulação... Não só visitei o Hotel Bragança, na Rua do Alecrim, como escolhi o quarto - o 201 - em que iria alojar-se Ricardo Reis. Aos Prazeres fui também, claro. O resto teve de resolvê-lo a imaginação.

P - E quanto às personagens? Por exemplo as duas mulheres, Lídia e Marcenda, sendo figuras literárias [das "Odes" de Ricardo Reis], onde foi buscar o corpo e os tiques que lhes deu?
R - Marcenda não é uma "personagem literária" de Reis, não é sequer um nome feminino com presença nos vocabulários onomásticos. A palavra aparece na ode "Saudoso já deste Verão que vejo" designando uma rosa emurchecida. Achei que estava a carácter com a "minha" personagem. Quanto a Lídia, uma vez que me tinha proposto mostrar a Ricardo Reis o espectáculo do mundo, pensei que seria uma boa partida dar a uma criada de hotel o nome de uma das suas quase incorpóreas musas...

P - O lançamento deste livro pelo PÚBLICO vai fazê-lo chegar a muita gente que de outra forma não o leria. Tendo em conta que entre os seus novos leitores se deverão encontrar muitos estudantes, que leituras lhes aconselharia a fazer para melhor compreenderem a história?
R - A leitura que eu próprio fiz, a da imprensa da época. Aprende-se muito a ler jornais 50 anos depois de terem sido publicados...

P - Foram vários os prémios atribuídos a "O Ano da Morte...". Qual a importância de que se revestiu, para si e para a sua "carreira", ter sido o Prémio de Ficção Estrangeira do diário britânico "The Independent", num ano, 1992, em que concorriam, entre outros, livros de Gunter Grass e de Ismail Kandaré?
R - É fácil de imaginar se se souber que eu trabalhava nos Estúdios Cor quando esta editora, no princípio dos anos 60, publicou "O Tambor" de Gunter Grass. A publicação de "Terra do Pecado", em 1947, não tinha feito de mim um escritor, e "Os Poemas Possíveis" só seriam publicados em 1966. Literariamente, portanto, não existia. Ganhei em 1990 o prémio de "The Independent" em competição com Grass e, como se isto não fosse bastante, dão-me o Nobel antes de o darem a ele. É caso para dizer que não há justiça neste mundo...

P - Refere-se muitas vezes, nos "Cadernos de Lanzarote", à grande quantidade de leitores que tomam a iniciativa de lhe escrever ou de o interpelar de viva voz sobre os livros que escreve. Qual o lugar de "O Ano da Morte de Ricardo Reis" nas preferências confessadas dos seus leitores?
R - Não faltam leitores que consideram ser "O Ano da Morte de Ricardo Reis" o meu melhor romance, mas não se me peça que concorde com eles, uma vez que iria contrariar aqueles outros leitores que, por razões não menos pertinentes, defendem outras preferências.

P - Qual o lugar dele na sua lista pessoal da obra escrita até agora? Porquê?
R - Apenas direi que nada poderia consolar-me se por alguma arte diabólica o "Ricardo Reis" desaparecesse da minha bibliografia. Não sei se é ele o melhor dos que escrevi, mas sei que pelo menos dessa vez toquei o tecto. E toquei algo mais, se se me permite uma nota pessoal: foi "O Ano da Morte de Ricardo Reis" que nos juntou. Refiro-me a Pilar, claro está..."

Video da Conferência "Presentación de ALABARDAS de José Saramago"


(Vídeo completo da apresentação de "Alabardas, alabardas, Espingardas, espingardas" realizada em Guadalajara, México, no âmbito da FIL - Feira Internacional do Livro)

Pilar del Río na Feira do Livro de Guadalajara, México - Apresentação de "Alabardas"

Aqui, link do El Pais Suplemento de Cultura,
em http://cultura.elpais.com/cultura/2014/12/01/actualidad/1417401429_774095.html
PABLO DE LLANO México 1 DIC 2014


"Desde el más allá, José Saramago los invita a romper sus fusiles
Pilar del Río, viuda del Nobel portugués, presenta 'Alabarda', su obra póstuma e inconclusa contra la industria de las armas"

(Pilar del Río, na Feira do Livro de Guadalajara, México - 01/12/2014)

Al final del acto de presentación de Alabarda (Alfaguara), la novela póstuma de José Saramago contra la industria de las armas, su viuda Pilar del Río respaldó la proclama que recorre México desde hace dos meses ("Vivos se los llevaron, vivos los queremos", por los 43 jóvenes de Iguala) pero sugirió un lema alternativo. "Yo les voy a decir cómo pensaba terminar él esta novela. Con un sonoro 'vete a la mierda'. Cuando nos quieran engañar, no seamos finos y no nos andemos con subterfugios. Primero, antes que nada, digamos: 'Vete a la mierda'".

Del Río, 64 años, una mujer menuda de pelo corto, estuvo sonriente durante la charla. Habló de Saramago con el conocimiento respetuoso del auxiliar de un maestro y con la melancolía tierna de una mujer que recuerda a su marido. La acompañaron la periodista mexicana Lydia Cacho y la escritora argentina Claudia Piñeiro. Contó que su marido solía decir que leer un libro es terminar de completarlo. "Pero esta vez se pasó un poco". A Saramago la vida no le llegó para terminar Alabarda y le tocó a otros componer lo que dejó sobre la mesa de su lugar de trabajo: los papeles de una novela inconclusa. Ella se pasó un tiempo sin moverlos de ahí: "No los quería quitar porque así sentía que siempre cabía la posibilidad de que los viniera a acabar". El libro es un trabajo en conjunto a partir de ese texto sin finalizar. Las ilustraciones son de Günter Grass. Un texto de acompañamiento lo firma Roberto Saviano, el reportero italiano que retó a unos degustadores de armas como son los clanes mafiosos de Nápoles.

En la presentación, la periodista de investigación Lydia Cacho llamó la atención sobre la necesidad de reflexionar sobre la industria del armamento en una tierra tan castigada por la violencia como América Latina. Mencionó las fábricas de armas de Brasil y las clandestinas de Colombia y México, de donde puso un ejemplo: según sus averiguaciones, en el Estado de Michoacán existen centros de montaje de fusiles AK-47 en los que se adapta el manejo de estas armas a las manos, más pequeñas, de los campesinos mexicanos. Piñeiro destacó que Alabarda ratifica una vez más la coherencia de principios del autor portugués: “Siguió hasta el último momento luchando por esas causas que consideraba necesarias, y el libro contiene tanto su ideología como su prosa exquisita”. Del Río precisó que esta obra final tuvo que ver con el compromiso de Saramago con dos vectores de denuncia: la imposición de dogmas por parte de las religiones y el poder de las armas, que fue lo último que abordó. “Decía que no quería morirse sin abordar de forma directa por qué se hacen armas y cómo estas pueden ser un fracaso social y un fracaso personal”.

En una de las pesquisas de información que hizo Saramago para fundamentar el libro supo de una historia reveladora sobre una empresa de armas portuguesa. La compañía tenía que hacer una reconversión de su estrategia porque le resultaba demasiado caro hacer armas. Alguien propuso que pasasen a hacer electrodomésticos. “Pero no lo hicieron”, dijo Del Río, “porque para los hombres de poder es más importante hacer armas que lavadoras”

O "Eu" e o "Outro" em "O Homem Duplicado" como resposta à interpretação do "homem"

A concepção desta obra - "O Homem Duplicado", é mais um passo dado, por José Saramago, no aprofundamento da interpretação do homem enquanto ser social. Este é considerado à partida, seu ponto primeiro de identificação e diferenciação sobre os restantes seres vivos, como estando dotado de consciência e sentimentos, reacções e acções, inteligência e capacidade para alcançar o bem pessoal e o bem comum, através da partilha e desenvolvimento de laços harmoniosos.
Representando o período "pós-estátua", há aqui uma real preocupação em retirar as várias camadas que suportam a superfície da estátua já esculpida, descobrindo-lhe a pedra, ou o seu mais profundo âmago, o que chamamos - a Identidade. 
Com este processo, de forma intencional, Saramago, como que coloca as suas mãos de escritor, dentro das personagens, não para as comandar como fantoches, mas para as abanar e mostrar o seu interior, fazendo-as assim descobrirem-se e darem a conhecer a sua identidade. O "Eu", o "Eu e o tu", o "Eu e o nós", o "Eu e os outros", e por fim, a soma destas identidades, na visão de José Saramago, nos irá permitir conhecer e perceber, logo à nascente, o espírito global da sociedade que determinada época (tempo), ou local (espaço) apresenta. A acção de cada um é multiplicada, replicada e reproduzida, naquilo que se torna no resultado e consequente consciência social, seja sob a perspectiva do olhar de uma família (Cipriano Algor com a sua filha e genro), de uma nação (a capital em o "Ensaio sobre a Lucidez") , ou do mundo em que vivemos (Alabardas, alabardas, Espingardas, Espingardas).
Esta preocupação é reproduzida transversalmente em toda a obra de José Saramago, independentemente do momento cronológico em que é gerado, seja numa fase inicial (e interrompida durante muitos anos), ou, seja em plena década de 70, já num momento mais activo da sua produção literária, em que o primado "dúvida" sobre a real intenção ou capacidade do ser humano, prevalece sobre a visão utópica que poderia ser adoptada.
Em minha opinião, com a devida ressalva de uma eventual interpretação menos atenta, Saramago criou diversos momentos chave ou "personagens", que o não sendo, foram tornadas influentes na reorientação dos actores e seus conflitos. São momentos de consciência profunda, onde a desorientação da personagem, ou, o conflito social e consequente falta de esperança, obrigam a uma intervenção que permita estabilizar o rumo da história. Lembro-me por exemplo, das diversas figuras caninas neste universo "Saramaguiano". O Achado de Cipriano Algor, em "A Caverna", o Constante de Pedro Orce, na "Jangada de Pedra", ou o cão das lágrimas em o "Ensaio sobre a Cegueira", são determinantes para os seus "companheiros" recuperarem a sua "identidade", ou o seu "eu". Esta ascensão de uma figura animal, em primeiro lugar retira o factor místico e do "inexplicável", de uma eventual intromissão no decorrer da história, e ganha o poder de fazer chamar cada um dos seus intervenientes à "razão" - redescoberta da identidade. 

Miguel de Azevedo



Em "A Estátua e a Pedra", Fernando Gómez Aguilera, traduz esta questão de forma límpida. Atendemos às suas palavras (Fundação José Saramago, páginas 50 e 51).   

(...) "Com "O Homem Duplicado", regressaria, de certo modo, a uma questão de que se havia ocupado em "Todos os Nomes", a da alteridade, enfrentada agora a partir de um ângulo complementar, o da identidade. Sem dúvida, trata-se de um dos grandes temas da arte e da literatura contemporâneas, explorado por Saramago sob a capa de romance de intriga, para colocar em manifesto as tensões entre o «eu» que se protege e exclui o «outro» que inevitavelmente nos constrói: «O que no fundo eu quero tratar é o tema do "outro". Se o "outro" é como eu, e o "outro" tem todo o direito de ser como eu, eu pergunto-me: até que ponto eu quero esse "outro" entre e usurpe o meu espaço? Nesta história, o "outro" tem um significado que nunca antes teve. Actualmente, no mundo, entre o "eu" e o "outro" há distâncias e não é possível superar essas distâncias, e por isso o ser humano cada vez consegue menos chegar a um acordo. As nossas vidas são compostas em cerca de 95% pela obra dos outros». (2007) (...)