Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

"A obra de José Saramago no cinema" análise de Pedro Fernandes no "Letras in.verso e re.verso" (02/08/2010)

O estudioso e académico brasileiro Pedro Fernandes, publicou uma interessante critica sobre as incursões cinematográficas a algumas obras de José Saramago. O documento embora datado do mês de Agosto de 2010 mantém a sua validade e actualidade.
Vale a pena recuperar e ler, como introdução ao visionamento dos filmes.   

O artigo pode ser recuperado e consultado aqui
em, http://letrasinversoreverso.blogspot.pt/2010/08/a-obra-de-jose-saramago-no-cinema.html?m=1#.V6ktdz-1FR8.flipboard

"A obra de José Saramago no cinema", de Pedro Fernandes (02/08/2010)

"Cena de Ensaio sobre a cegueira, a melhor adaptação 
de uma obra de José Saramago para o cinema."

"Perfazendo um caminho pelas sendas do plano virtual motivado por quatro textos de José Saramago que ganharam adaptação para as telas do cinema (A jangada de pedra, Ensaio sobre a cegueira, A maior flor do mundo e o recente O embargo), descubro o quanto o escritor português mantém uma relação sólida com outros meios artísticos. Sim, porque além das produções cinematográficas perdemos as contas sobre as adaptações de sua obra para o teatro, a dança, as artes plásticas e outras manifestações artísticas. No final desta post, deixo um link para deixá-lo a parte dessas adaptações ou maneiras outras de se aproximar de uma literatura rica e indispensável no currículo de qualquer leitor. E, agora apresento, um a um os filmes já produzidos a partir da literatura de Saramago. Convém dizer que esta lista é aberta e, enquanto este blog viver, e tão logo surjam outras adaptações, volto aqui para atualizá-la.

A jangada de pedra, de George Sluizer (2002): O título de destaque na carreira do cineasta foi O homem que queria saber, a adaptação do romance policial de Tim Krabbé sobre um homem que perde sua noiva numa viagem e, três anos depois, recebe o contato do raptor. Se deu certo com essa adaptação o mesmo não se pode dizer com a releitura do livro de Saramago; o diretor prende-se em transformar a obra num filme discreto e tentando seguir à risca o desenhado pelo romance. O resultado é, apesar de certo zelo com o texto original, um texto moroso que não consegue passar a tela a dimensão mágica da obra saramaguiana. De todo modo, foi a primeira adaptação de um texto de Saramago para o cinema; e, possivelmente, pelo fruto do resultado com Sluizer, o escritor sentiu-se impelido a que não o adaptasse mais para as telas, resistência que só será rompida quase dez mais tarde com a autorização para que Fernando Meirelles adaptasse Ensaio sobre a cegueira.

"Todas as características peculiares do conto infantil de 
José Saramago são perfeitamente desenhadas 
nesse primoroso curta-metragem de Juan Pablo Echeverry."

"A maior flor do mundo, de Juan Pablo Etcheverry (2007): Bem ao contrário, do filme de Sluizer, o cineasta soube desenhar e captar a dimensão desse conto escrito para crianças - o único do gênero na carreira literária de Saramago. No enredo, o próprio escritor transforma-se em personagem, como o escritor que conta a ideia que teve de um dia escrever uma história para crianças. A maior flor do mundo é como uma narrativa que foi inventada mas permanece irrealizada porque, no final, a personagem-escritor vê-se incapaz da escrita para os mais pequenos. Mas, é justamente sobre a impossibilidade de narrar completada pela possibilidade da figura desse menino de fazer algo que signifique para sua infância (este é já o plano do que seria inventado pelo narrador) que torna o texto numa obra singela pela sinceridade e marcada por um apelo moral dos mais necessários às crianças de um tempo já distanciadas do universo fabular dos contos clássicos. O curta-metragem feito com massa de modelar é o próprio texto de Saramago em movimento. E um detalhe especial da adaptação do espanhol foi preservar a figura do escritor que empresta a voz como um narrador em off. Um encanto! A peça já foi premiada em vários festivais ao redor do mundo.

Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles (2008): O filme nasceu de uma obsessão. O cineasta brasileiro, já premiado ao redor do mundo pela adaptação do romance Cidade de Deus, de Paulo Lins e do romance O jardineiro fiel, de John Le Carré, depois de ler o livro de José Saramago decidiu prontamente que gostaria de vê-lo na grande tela. O projeto levado ao escritor teve o rumo contrário de outras tentativas já ensaiadas por diretores sobre outras obras suas; Saramago autorizou a adaptação e, como figura honesta sobre as limitações com o gênero, deixou Meirelles livre na leitura. O filme abriu o Festival de Cannes no ano de lançamento e arrancou elogios e lágrimas do português. Também pudera! A leitura é, de todas as já feitas para o cinema até então, a mais original. O diretor não apenas imergiu na obra, como, assim fez Juan Pablo Etcheverry, conseguiu expor toda força da narrativa em forma de imagem. Produção fotográfica e de som são duas características à parte e, por vezes, até a voz do narrador tão característica de Saramago, não deixa de dar forma à obra.

O embargo, de António Ferreira (2010): O conto que deu morte para o diretor português foi publicado em 1973 pela Estúdios Cor com o mesmo título do filme. Depois, Saramago incluiu o texto na única coletânea de contos até então editada, Objecto quase. Pautado no inusitado (um dia um homem sai para o trabalho e descobre-se que ficou grudado no banco do carro e não consegue mais sair da posição de motorista, quando, na cidade vive-se um embargo para a venda de combustível), a elaboração do roteiro para um longa, tal como se propôs o António Ferreira, exigiu do roteirista a inserção de uma série de outras situações que não estão no texto original. Ainda que o cuidado em deixar passar para o telespectador aquilo que está expresso no conto seja muito visível, a sensação que fica é a de uma história que não consegue manter o ritmo e se sustentar até o fim com o mesmo fôlego com que começa. Tal como A jangada de pedra o título deixa a desejar pela morosidade onde não devia existir morosidade. Ainda assim, é um texto que tomou para si um desafio: alongar-se para dizer o que Saramago disse (muito melhor) em poucas páginas e conseguiu conclui-lo."

"Para transpor uma obra como a de José Saramago há que se ter, 
de tudo, sensibilidade. O filme de Denis Villeneuve despreza isso 
e se torna ao lado de outras produções somente uma leitura que não deu certo."

"O homem duplicado, de Denis Villeneuve (2014): Apesar de ser o autor de filmes sempre elogiados pela crítica (Os suspeitos ou Incêndios), o diretor canadense erra na mão ao transpor para a tela o romance de Saramago. Claro, constrói um enredo muito elaborado, não se descuida de preservar o centro da obra, mas não convence o telespectador de que tenha, tal como conseguiu Juan Pablo Etcheverry e Fernando Meirelles, captado a essência do texto do escritor português. Um exemplo? A inserção do tema da teia, materializado na forma da aranha que se transmuta na perfil da mulher fatal. Essa constatação, aliás, abre-se como uma discrepância gigantesca entre a representação criada por Villeneuve e a criada por José Saramago sobre o feminino. O próprio escritor reiteradas vezes disse repudiar qualquer artifício utilizado para designar a mulher seja como condição superior ou inferior ao homem, seja como fenômeno. Numa escala entre os títulos já transpostos para o cinema, a produção do canadense ficaria logo depois da de Sluizer. Não alcança sequer o António Ferreira, porque o texto de Villeneuve precisou de acréscimos para um texto que já tem a medida a certa, aliás, é um romance, não um conto. E a impressão que fica é que apenas a dorsal da obra foi aproveitada num texto que se intitulou ingenuamente do mesmo título de José Saramago."

Ligações a esta post:
Leia mais sobre o filme de George Sluize

Leia sobre o romance A jangada de pedra

Leia mais sobre o livro A maior flor do mundo e assista ao curta de Juan Pablo

Leia mais sobre o filme de Fernando Meirelles

Leia sobre o romance Ensaio sobre a cegueira

Leia mais sobre o filme de António Ferreira

Leia mais sobre o filme de Denis Villeneuve

Leia sobre o romance O homem duplicado

Assinalando os 30 anos da obra "A Jangada de Pedra" - Recuperação do filme baseado na obra

Capa da edição traduzida na Turquia


Pode ser visualizado via YouTube, aqui

Sinopse da obra publicada na página da Fundação José Saramago, aqui
em http://www.josesaramago.org/jangada-de-pedra-1986/

«Em “A Jangada de Pedra” (…) o escritor recorre a um estratagema típico. Uma série de acontecimentos sobrenaturais culmina na separação da Península Ibérica que começa a vogar no Atlântico, inicialmente em direcção aos Açores. A situação criada por Saramago dá-lhe um sem-número de oportunidades para, no seu estilo muito pessoal, tecer comentários sobre as grandezas e pequenezas da vida, ironizar sobre as autoridades e os políticos e, talvez muito especialmente, com os actores dos jogos de poder na alta política. O engenho de Saramago está ao serviço da sabedoria.» (Real Academia Sueca, 8 de Outubro de 1998)

Imagem retirada do filme

"Calle Santa Fe" - Revisitar "Outros Cadernos de Saramago" (09/12/2008)

Revisitar "Outros Cadernos de Saramago"
http://caderno.josesaramago.org/15618.html

Terça-feira, 9 de Dezembro de 2008

"Calle Santa Fe"
"A rua existe, está em Santiago de Chile. Ali, os esbirros de Pinochet cercaram um casa térrea onde viviam (melhor será dizer que se refugiavam) Carmen Castillo e o seu companheiro de vida e de acção política Miguel Enríquez, dirigente principal do M.I.R, sigla do Movimiento de Izquierda Revolucionario que havia apoiado e colaborado com Salvador Allende e agora era objecto da perseguição do poder militar que havia traído a democracia e se preparava para estabelecer uma das mais ferozes ditaduras que a América do Sul teve a desgraça de conhecer. Miguel Enriquez foi morto, gravemente ferida Carmen Castillo, que estava grávida. Muitos anos depois, Carmen vem recordar e reconstituir esses dias num documentário de impressionante sinceridade e realismo que teremos o privilégio de ver esta noite no cinema King. Documentário que é, ao mesmo tempo, graças ao saber e à sensibilidade da sua realizadora, cinema da mais alta qualidade. Até logo, pois."