"O Viajante volta já.
Não é verdade. A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: «Não há mais que ver», sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já."
(Caminho, 11.ª edição, página 387)
Texto dedicado ao grupo da “Comunidade de Leitores Ler Saramago”
O “Leitor” volta sempre.
O “Leitor” tem de voltar sempre. A leitura nunca pode acabar. Os leitores sim, esses acabam, e mesmo assim serão recordados por outros aquém dedicaram as suas leituras.
Quando o “Leitor” se sentou na sua poltrona, e disse em murmúrio de lábios semicerrados: «Que deverei ler mais se já li tudo!?», bem sabia que não era assim. O fim de uma leitura é somente o início de outra.
Poderemos já ter lido uma montanha de livros, mas será sempre uma ínfima parte de um todo incalculável. É preciso ler o que já foi lido, ler uma e outra vez. Ler agora o que se leu ontem, ler de dia o que se leu de noite, ler em casa e depois na rua, na praia ou no campo, debaixo de uma árvore ou num banco de jardim. Ler num lado e mudar para outro.
É preciso ler e voltar aos parágrafos lidos à pressa e que mal entendemos, ver as anotações e procurar as palavras estranhas, ou digamos, mais complicadas.
É preciso voltar aos livros já lidos há muito tempo, repeti-los e cumprimentar de novo as suas personagens. Sim, cumprimentar, eles são gente dentro de livros como dizia José Saramago.
É preciso recomeçar a leitura. Sempre. O “Leitor” volta sempre.
Lido por Ódin Santos
Este texto é baseado no último parágrafo do livro “Viagem a Portugal” (página 387), onde José Saramago escreveu “O Viajante volta já” (06/02/2016)