Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Jornal das Caldas - Entevista a José Saramago (16/07/1992)


Referências mais antigas, recolhidas numa crónica baseada em algumas entrevistas que José Saramago concedeu ao jornal regional "Jornal das Caldas"

Aqui o link da publicação, em http://jornaldascaldas.com/

"Nos primeiros meses de existência do JORNAL DAS CALDAS, em 16 de Julho de 1992 publicámos uma entrevista a José Saramago, numa altura em que tinha acabado de receber o Grande Prémio de Romance da Associação Portuguesa de Escritores.
Na altura explicava a sua assiduidade de publicações: 
“Há duas coisas que é preciso ter sempre em conta naquilo que temos de fazer, na vida ou onde for. Uma delas é não ter pressa e outra é não perder tempo. Parecem duas declarações contraditórias, e eventualmente o são, mas a verdade é que há coisas que precisam de um tempo para puderem amadurecer, mas também não podemos ficar com a ideia de que o tempo que temos de vida é suficiente para tudo”.
E prevendo um dia já não ter tempo, declarou: 
“Tenho 69 anos, o tempo que eu tenho para viver não é tanto que eu possa perder”.
Ainda teria pela frente mais 18 anos e muitas obras e sucessos, o principal dos quais a distinção como Prémio Nobel da Literatura.
O escritor falava também na ocasião do orgulho por ver as suas obras traduzidas em várias línguas. “A primeira vez que sucede é um deslumbramento. Ficamos felicíssimos, como é o caso da primeira entrevista que se dá, o caso da primeira pessoa que encontramos a ler um livro nosso ou quando o vemos na montra de uma livraria. Tudo o que acontece pela primeira vez é realmente um choque, como é ver o nosso primeiro livro traduzido. Só nesse dia nos apercebemos ter passado a fronteira para o lado de lá. Mas depois começam a ser tantas as traduções, desde o japonês ao hebraico, do sueco ao finlandês, do alemão até ao grego, que já não é aquela emoção. Posso dizer é existirem dois tipos de satisfação, uma é a satisfação pessoal, outras é menos egoísta e tem a ver com a nossa terra, língua e cultura, e é através do escritor que a Literatura Portuguesa chega ao lado de lá. Eu não me lembro de ter sentido uma emoção tão forte como em Milão ouvir um cantor lírico italiano dizer a palavra Portugal”, manifestou.
A relação polémica de Saramago com a Igreja (que teve o expoente máximo com a obra “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”) também foi comentada pelo escritor: 
“Estou perfeitamente consciente que a Igreja não gosta. Não pode gostar, de facto. Respeito as suas convicções sob condição de que respeitem as minhas e o direito que tenho de escrever sobre o que entender, da forma que entender”. E adiantou: “A primeira carta que eu recebi foi de um bispo fundamentalista, em que ele começa dizendo: ‘Isto não é uma ameaça’; e acabava assim: ‘Não por fanatismo mas em nome da justiça, o senhor devia ser condenado à morte sem sepultura’. Para que as coisas não fossem tão dolorosas, ele fechava a carta dizendo: ‘Rezo por si!’”.
Saramago, nessa entrevista ao JORNAL DAS CALDAS, conduzida por José Patrício, concluía: “Um escritor não se define, espera que os outros o façam”.
A 14 de Outubro de 1998, o JORNAL DAS CALDAS tinha motivos mais do que suficientes para falar do escritor. Tinha sido contemplado com o Nobel e o jornalista Luís Pires escrevia que “Saramago é um provocador. Apesar da sua aparência serena, imagino como se ri cada vez que termina um novo romance que sabe perfeitamente ir entrar no pensamento dos leitores e revolucionar todos os seus conceitos”.
Duas semanas depois, a propósito da vinda de Saramago às Caldas da Rainha, a convite da livraria Loja 107 para uma sessão de autógrafos, tendo a autarquia aproveitado para lhe entregar a Medalha de Honra do Município, Luís Pires comentava: “O povo português é de extremos. É capaz de criticar mortalmente qualquer acontecimento ou pessoa, e a seguir, perante algo bom que aconteça, levar em braços os responsáveis, criar canções de homenagem e quase chorar, sentindo cada alegria como se fosse conseguida por si individualmente. Saramago é o mais recente exemplo desse peculiar ‘orgulho de ser português’”.
Recordando declarações proferidas na ocasião, o presidente da Câmara, Fernando Costa, afirmava que o admirava o escritor por ser “um homem que luta toda a vida por princípios nos quais acredita”.
Já o escritor explicava que o Prémio Nobel “reforçou-nos a auto-estima”. E defendia: “Temos que pôr em movimento uma política efectiva de defesa da língua portuguesa. Se houver realmente um esforço coerente, este prémio, além da satisfação que deu, irá servir para que a nossa língua ganhe força”.
A atribuição da Medalha de Honra foi feita após aprovação da Câmara e da Assembleia Municipal das Caldas da Rainha. Marcelo Morgado, da bancada do PSD na Assembleia Municipal, disse, em nome pessoal, discordar da atribuição da medalha, considerando que o laureado “agride-me profundamente por uma questão ética, pois não me esqueço que foi também um escritor político e que foi durante o PREC o saneador dos jornalistas do Diário de Notícias, e se isso só não bastasse, vi-o num espectáculo na cidade do Porto a abraçar o senhor presidente do Governo de Cuba (Fidel Castro), um homem que tem tantos crimes políticos no bolso como tem o senhor Pinochet”. Não impedindo uma aprovação por unanimidade, o deputado ausentou-se da sala na altura da votação.

Crónica de Inês Pedrosa - Agosto de 2010

"A Alegria de Saramago"


Uma das grandes qualidades de José Saramago - morto aos 87 anos em 18 de junho passado - era o de nunca ter sofrido daquela doença que o crítico americano Harold Bloom definia como "a angústia da influência". Vivia as obras alheias - de há quinhentos anos ou de hoje - com o genuíno orgulho de quem, acima de tudo, se identifica com a grandeza das coisas belas. Se sofria de alguma coisa, era da alegria da influência. Como diria o professor e escritor português Eduardo Prado Coelho, não tinha medo de gostar.
Começo esta memória projetiva de Saramago sob o signo da alegria, porque estou cansada das recorrentes acusações de pessimismo que lhe foram sendo feitas. Muitas e muitas vezes lhe perguntavam porque se indignava tanto, porque fazia questão de futurar em negativo, quando a vida se mostrava tão afável com ele. Saramago respondia desabridamente a estas provocações, porque não confundia a sua felicidade com a infelicidade de grande parte do mundo à sua volta. Possuía, em altíssimo grau, aquilo a que os cristãos chamam compaixão — capacidade de partilhar a paixão dos outros.
Também isso fez dele um escritor universal. Ao velho postulado segundo o qual a literatura não se faz com bons sentimentos, poderia responder: nem com sentimentos ruins. Sobretudo, a literatura não se faz com o umbigo, mas com as tripas - e ele sabia como ninguém expôr as tripas do mundo. Há muito de "instalação", no sentido plástico e contemporâneo do termo, nas alegorias que são o motor dos seus romances. Muito de "performance", também; o seu discurso é uma intersecção vibrante, torrencial, de vozes eruditas e populares.
Aquilo que parece, como tantas vezes é dito, "uma escrita difícil", torna-se transparente palavra-em-ação, quando lido em voz alta. Utilizou a vírgula como marca de democratização da palavra: no barroco arrojado de Saramago, as vozes menores habitam o mesmo espaço das vozes maiores. Os seus romances históricos são futuristas, porque proféticos e protagonizados por personagens da arraia-miúda; os seus romances futuristas são históricos, porque desenvolvem tragédias anunciadas. A sua é uma escrita de herança, como era a do Padre António Vieira, um dos seus grandes modelos - na escrita, e não só. Como Vieira, Saramago foi revolucionário e conservador, feroz e terno, um vendaval de lucidez e assombro. Gostava de gostar, sim - mas também de não gostar.
Extremamente delicado no trato, não era um homem de contenções, e menos ainda de mesuras. O professor Eduardo Lourenço escrevia, no dia seguinte à sua morte: "Aparece tarde no horizonte da ficção portuguesa, quando já ninguém o esperava, provavelmente nem ele. E isso é já em si um paradoxo e sobretudo um milagre cultural. À sua maneira, era uma versão nossa da Gata Borralheira."
Depois de consagrado Cinderelo, este Gato Borralheiro dedicou-se a levantar do chão a gata lamurienta e pobrezinha que a cultura portuguesa se acostumou a ser, apesar de possuir um armário cheio de fadas e trajes sumtuososos. As suas primeiras declarações depois da notícia do Prêmio Nobel, em 1998, foram de exaltação da literatura de expressão portuguesa, de Luís de Camões a Jorge Amado e Sophia de Mello Breyner. E deu o seu nome a um prêmio para jovens escritores - prêmio que que foi concedido a Paulo José Miranda, José Luís Peixoto, Adriana Lisboa, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe e, nesta edição, João Tordo. O depoimento da escritora Hélia Correia ao jornal Público é eloquente: "Que tenho um pensamento de triunfo é o que eu gostaria de explicar. Porque há aqui triunfo: a plenitude de um cidadão inteiramente dedicado à sua polis e aos seus contemporâneos. E a plenitude de um 'poeta', daquele que faz obra e é por ela tornado glorioso".
É nessa dimensão de exemplo que a ideia de uma "geração Saramago" pode fazer sentido. As parábolas alegóricas que são a matéria e o ato da ficção saramaguiana funcionam como sonhos instigantes, um genuíno cinema da imaginação. A constante defesa do escritor em relação à transposição para o cinema real - em particular o hollywoodesco - dos seus livros é, em si mesma, outra parábola exemplar. Permitiu apenas um filme, a um particular cineasta, o brasileiro Fernando Meirelles (que filmou o meu Saramago favorito, Ensaio sobre a Cegueira).
Em nenhum dos jovens escritores laureados com o Prêmio José Saramago se sente sequer uma nota da música do mestre - mas todos eles confessam a sua admiração diante do poder imagético e da energia verbal dessa obra. Saramago é difícil de copiar; o seu trajeto ensina precisamente a não temer as influências - e , sobretudo, a não nos vergarmos a elas. Ensina-nos também a não termos pressa e a não nos deixarmos encandear pelas sereias do sucesso - e esse é um ensinamento precioso, nestes tempos em que a literatura facilmente se confunde com a indústria da moda.
Creio que a felicidade que teve a coragem de procurar e alimentar na sua vida pessoal contribuiu para que o seu espírito crescesse em liberdade, inquietação e generosidade. Respeitou o neorrealismo dos seus camaradas políticos mas criou uma voz única - clássica, barroca, cubista. Fez o mesmo com a sua cabeça e a sua existência - largou a pele da ortodoxia sem rejeitar as suas origens nem abandonar os seus ideais. Os livros que nos deixa são feitos de tudo isto - e do riso de um homem que morreu de bem consigo e com a vida. Coisa rara.

Inês Pedrosa

1 de Agosto de 2010

Livro autografado


Autografo de José Saramago
Na Feira do Livro de Lisboa
17 de Maio de 1998
"Que Farei com Este Livro?"

A causa "Chiapas" pelo seu punho

José Saramago recusava a postura do escritor de secretária, que com toques e artifícios de génio publicava os seus "escritos". Saramago não se acomodou à secretária, vivia o mundo, viajava pelos cantos mais diversos deste planeta, experenciava várias influências que o mantinham sensível tanto ao ideal nacional e ibérico, como não descurava a luta dos povos deste mundo que se mantinham subjugados a governos, ou a grupos de interesses que condicionam os governos para seu interesse.
Saramago era isto.

"Uma Longa Viagem com José Saramago"
de João Céu e Silva
Porto Editora, páginas 28 e 29

(...) "José Saramago não pára de viajar pelo mundo e de se integrar nas causas que defende e que sente que necessitam do apoio de um Prémio Nobel como mais um dos seus defensores. Com pedidos vindo de toda a parte do planeta, os últimos anos do escritor têm sido repletos de deslocações constantes, de presenças em manifestações e em apresentações dos seus livros e de outros em vários países, de discursos em palanques e palcos, de participações em debates, de entrevistas, de assinaturas em manifestos e de inaugurações de exposições, seja sozinho ou ao lado dos líderes políticos mais importantes do mundo, seja com as Mães de Maio na Argentina seja com os palestinos ou com os índios Chiapas. (...)

Aqui também pelo seu testemunho.

Revista Visão
José Carlos de Vasconcelos
16 de Janeiro de 2003

(...)
Uma das várias batalhas, na América Latina, em que tiveste intervenção activa foi a de Chiapas, de que agora não se tem falado. O que sucedeu?
A Latino-América tem muitos e muito graves problemas. Mas tem um «especial», que é o problema indígena. E às vezes parece haver a convicção de que ele se resolve com o tempo. Houve um longo e lento genocídio dos indígenas: nuns casos foi a eliminação física, noutros foi a entrega o abandono dessas populações à sua (má) sorte. Um exemplo, entre outros, é o da Guatemala, onde essa população representa 50% do total.
Em Chiapas, o que houve foi uma guerrilha armada, zapatista, que não durou muito. Parte desse exército refugiou-se na selva. E através de meios como a internet, conseguiu dar dimensão internacional à sua luta. Depois dos acontecimentos conhecidos que tiveram repercussão mundial, como a longa marcha até à Cidade do México, o comandante Marcos esteve muitos meses calado. Recentemente escreveu uma carta, a propósito da ETA, que foi um erro político. Chiapas é muito rica - em petróleo, água, café, cacau, aquilo, aqueloutro - e a sua situação está num beco sem saída. O que parece é que toda a gente está à espera que as populações se afundem, se dissolvam, desapareçam, não se sabe porque artes mágicas, para caírem em cima daquilo e se apropriarem de tudo.

A situação é particularmente difícil na América Central...
A situação é dramática. E se os EUA se comportam como se comportam em relação ao resto do mundo, então ali, que se consideraram um seu feudo, imagine-se! (...)




Aqui o texto publicado, em http://caderno.josesaramago.org/58506.html

"O sangue em Chiapas"

Todo o sangue tem a sua história. Corre sem descanso no interior labiríntico do corpo e não perde o rumo nem o sentido, enrubesce de súbito o rosto e empalidece-o fugindo dele, irrompe bruscamente de um rasgão da pele, torna-se capa protectora de uma ferida, encharca campos de batalha e lugares de tortura, transforma-se em rio sobre o asfalto de uma estrada. O sangue nos guia, o sangue nos levanta, com o sangue dormimos e com o sangue despertamos, com o sangue nos perdemos e salvamos, com o sangue vivemos, com o sangue morremos. Torna-se leite e alimenta as crianças ao colo das mães, torna-se lágrima e chora sobre os assassinados, torna-se revolta e levanta um punho fechado e uma arma. O sangue serve-se dos olhos para ver, entender e julgar, serve-se das mãos para o trabalho e para o afago, serve-se dos pés para ir aonde o dever o mandou. O sangue é homem e é mulher, cobre-se de luto ou de festa, põe uma flor na cintura, e quando toma nomes que não são os seus é porque esses nomes pertencem a todos os que são do mesmo sangue. O sangue sabe muito, o sangue sabe o sangue que tem. Às vezes o sangue monta a cavalo e fuma cachimbo, às vezes olha com olhos secos porque a dor lhos secou, às vezes sorri com uma boca de longe e um sorriso de perto, às vezes esconde a cara mas deixa que a alma se mostre, às vezes implora a misericórdia de um muro mudo e cego, às vezes é um menino sangrando que vai levado em braços, às vezes desenha figuras vigilantes nas paredes das casas, às vezes é o olhar fixo dessas figuras, às vezes atam-no, às vezes desata-se, às vezes faz-se gigante para subir às muralhas, às vezes ferve, às vezes acalma-se, às vezes é como um incêndio que tudo abrasa, às vezes é uma luz quase suave, um suspiro, um sonho, um descansar a cabeça no ombro do sangue que está ao lado. Há sangues que até quando estão frios queimam. Esses sangues são eternos como a esperança.


Quarta-feira, 19 de Agosto de 2009



Todos somos Chiapas

Artículo escrito en primera persona por José Saramago, resultado de sus impresiones recogidas durante su viaje a Chiapas, con motivo de los disturbios que enfrentaron a la población indígena con el gobierno mexicano, y publicado en La Revista del diario español El Mundo. 

"He visto el horror. No el que hemos observado en lugares como Bosnia o Argelia. No. Éste es otro tipo de horror. Estuve en Acteal, en el mismo lugar de la matanza... escuchando a los supervivientes. Es difícil expresar lo que se siente cuando uno sabe que se encuentra con los pies sobre el mismo lugar donde hace tres meses asesinaron a estas personas. 

Me imaginaba la escena... La gente tratando de escapar... los paramilitares disparando a discreción... las mujeres y los niños gritando, huyendo entre la maleza... el lamento de los heridos... 

En Chiapas se vive una situación de guerra o una ocupación militar, que al final es casi lo mismo. No es una guerra en el sentido común, con un frente y dos partes confrontadas. Yo nada más he visto una parte confrontada: el Ejército y los paramilitares. La otra parte, las comunidades indígenas, no están enfrentándolos, no tienen medios. Están rodeados, no tienen comida ni agua... Viven en condiciones infrahumanas. Son casi campos de concentración. No los reunieron allí a la fuerza, es cierto, pero cuando huyeron a esos lugares (se refiere a los campos de refugiados) los rodearon los paramilitares y el Ejército. Entonces esos campamentos se convirtieron en una especie de campo de concentración. 

Si alguna vez hubo en la historia de la humanidad una guerra desigual, no la hubo nunca como ésta. Es una guerra de desprecio, de desprecio hacia los indígenas. El Gobierno esperaba que con el tiempo se ¡acabaran! todos, simplemente eso. 

Pero ellos sobreviven, alimentándose de su propia dignidad. No tienen nada, pero lo son todo. Enfrentan la guerra con ese estoicismo que me impresionó tanto, un estoicismo casi sobrehumano que no aprendieron en la universidad, que consiguieron tras siglos de humillación. Han sufrido como ninguno y mantienen esa fuerza interior, una fuerza que se expresa con la mirada... La mirada de ese niño al que le han destrozado para siempre la vida... (Saramago conoció al pequeño de cuatro años Gerónimo Vázquez al que los paramilitares amputaron cuatro dedos en Acteal) Es algo que no se me borrará jamás de la memoria... Las miradas serias, severas, recogidas de las mujeres, de los hombres... son algo que está por encima de todo. Los indígenas no tienen nada, pero lo son todo. ¿Cómo es posible que después de tanto sufrimiento ese mundo indio mantenga una esperanza? ¿Cómo puede sonreír ese hombre de Polhó que nos acaba de decir "mañana puede que nos maten a todos, pero bueno, aquí estamos"? Es algo que no alcanzo a entender.

En Chiapas encontré un mundo que no comprendo. El mundo indio es un mundo donde el europeo no puede entrar fácilmente. Es como si me asomara a una ventana que da a otro mundo y, aunque lo tengo enfrente, no lo puedo entender. 

También descubrí otra realidad, la de un territorio ocupado militarmente. Un territorio donde los paramilitares y el Ejército son la uña y la carne juntas. Por una razón muy sencilla: de no ser así, los paramilitares no podrían haber hecho lo que hicieron y lo que siguen haciendo. Yo vi camiones del Ejército transportando a civiles que seguro no viajaban allí por la amabilidad de los militares. Minutos después de que abandonáramos Acteal hubo un acto de intimidación e hicieron hasta 30 disparos al aire. Esto sólo puede ocurrir si el Ejército da su bendición. Nada más fácil para el Ejército que identificar a los paramilitares y desarmarlos. 

Me parece esquizofrénico que el Congreso pueda estar debatiendo una ley (el Proyecto de Ley sobre Autonomía Indígena propuesto por el ejecutivo) supuestamente para resolver los problemas de las comunidades indígenas, como si fuera una ley normal, en situaciones normales para objetivos consensuados, cuando al mismo tiempo hay miles de desplazados que no pueden volver a sus tierras, con miedo a ser asesinados, mientras hay una ocupación militar clara en el territorio de Chiapas. Y mientras los paramilitares se pasean tranquilamente y hacen lo que quieren. 

¿Cómo es que no se empieza por pacificar la situación para después discutir una ley donde participen todos los sectores y todas las comunidades? 

Todo se ha hecho sometiendo a los indios de Chiapas a una presión incalificable y esto no puede llamarse humanidad. 

El pueblo de México tiene que reclamar a su Gobierno una paz justa y digna. Yo no puedo, sólo soy un escritor extranjero acusado de injerencia. El pueblo mexicano no puede quedarse parado, dejando que los gobernantes lo decidan todo, hay que bajar a la calle... no estoy pidiendo un levantamiento sino simplemente que las conciencias se manifiesten... estoy pidiendo una insurrección moral, desarmada, étnica... 

Acteal es un lugar de la memoria que no puede de ninguna manera desaparecer. Sabemos lo que ocurrió y no lo queremos olvidar. Chiapas es el cuerpo de México. La sociedad civil debería admirar no sólo a los indios sino a los que se levantaron para defender a esos mismos indígenas. 

De Chiapas me llevo no sólo el recuerdo, me llevo la palabra misma... Chiapas... La palabra Chiapas no faltará ni un solo día de mi vida. Si tenemos conciencia pero no la usamos para acercarnos al sufrimiento ¿de qué nos sirve la conciencia? Volveré a Chiapas, volveré". 

Transcripción de Javier Espinosa 

(Declaraciones concedidas a LA REVISTA por José Saramago (Portugal, 1922) en México DF tras su viaje a Chiapas el 14 y 15 de marzo. En su visita conversó con los supervivientes de la matanza de Acteal en el lugar de la masacre, recorrió después el campo de refugiados de Polhó y hasta se acercó al campamento militar de Majomut, sito en las inmediaciones del asentamiento indígena). 

José Saramago fotografado por Helena Gonçalves



Aqui o link:
em http://www.salgadeiras.com/Exhibition.aspx?InExhibitionId=64&InMenuOption=1&InArtistId=0#.VGIymTSsU8g

11.09.10
Helena Gonçalves
Fotografia
Espaço da Companhia de Teatro Útero, Ginjal

Helena Gonçalves apresenta nesta instalação fotográfica uma série de retratos de figuras da nossa cultura e que, no seu entender, recorrem à expressão artística como forma de tornar melhor o mundo em que vivemos. Fotografias de grande formato em exposição no Espaço Ginjal tirando partido das características físicas, emocionais e de memória deste lugar.
Ballet Gulbenkian (Adriana Queiroz, Benvindo Fonseca, Francisco Rousseau, Olga Roriz, Paula Fernandes, Sandra Rosado, Wilson Domingues), Diogo Dória, José Saramago e Rodrigo Leão retratados em situações de guerra e tensão, em ambientes frios, hostis e descaracterizados, com as suas “armas” sejam elas o corpo, os livros, os instrumentos musicais, testemunhando na primeira pessoa que, se cada um der o seu contributo, é possível o mundo ser mais consciente, mais justo, mais humano. Um apelo à nossa própria reflexão.

Os nomes das obras e o que elas concernem - Um exemplo




"A Estátua e a Pedra"
Fundação José Saramago
Página 28

(... ) Como já terão notado, os meus romances caracterizam-se por terem títulos que não são os mais apropriados para o género: um, já citado, chama-se "Manual de Pintura e Caligrafia", o que não é de todo título para um romance. Quando apareceu, no final dos anos setenta, um distribuidor de Angola, supondo que era um livro didáctico, comprou duzentos exemplares. Não sei o que aconteceu a esses volumes: em plena guerra civil, com uma economia depauperada, encomendar duzentos livros que não eram o que prometiam deve ter sido uma tremenda decepção.
Seguramente terão ficado por aí abandonados ou se calhar os insectos dos trópicos já os devem ter devorado todos. (...)



Como "nasceu" a ideia da obra "Memorial do Convento"

Depois de "conviver" com a obra de José Saramago, importa-me saber alguns detalhes sobre as origens e casualidade à volta do processo criativo.
Sendo ideias que ocorrem, como no "Ensaio sobre a Cegueira" num restaurante na Madragoa, num escaparate de jornais em Espanha, ou na visita à imensidão do "calhau" do Convento de Mafra.
Se não é importante para a obra, não ajuda à sua interpretação, porém é fundamental para se conhecer o processo criativo e construtivo que o romancista referencia.




(...) Memorial do Convento, romance que nasceu duma circunstância fortuita que passo a contar em meia dúzia de palavras. Um dia, estando em Mafra com algumas pessoas contemplando o Convento, pronunciei em voz alta: «Gostaria um dia de pôr isto num romance». Provavelmente, se não as tivesse dito em voz alta, se simplesmente o tivesse pensado e permanecido em silêncio, a própria dimensão da tarefa me haveria intimidado tanto que talvez não tivesse sido capaz de escrever o livro. Aconteceu que, por pronunciar em voz alta aquilo que tinha pensado, em senti obrigado perante as pessoas que me tinham ouvido, e que inevitavelmente não deixariam de perguntar-me depois como levava o livro sobre o Convento... Devo aclarar que a ideia de escrever sobre o Convento de Mafra foi posterior à ideia de "Ano da Morte de Ricardo Reis", no entanto, "Memorial do Convento" foi publicado em Portugal em 1982 e o "Ano da Morte de Ricardo Reis" em 1984. A explicação é simples: se enfrentar-me ao Convento de Mafra me pareceu uma ideia tremendamente arriscada, tocar a figura de Ricardo Reis, que é a mesma coisa que dizer Fernando Pessoa, era então o cúmulo da ousadia. Senti tal receio de provocar as iras e os desdéns dos eruditos pessoanos, eu que não diplomas, nem atributos académicos, nem méritos conhecidos ou por conhecer, que disse para mim mesmo, não como o outro «Afasta de mim esse cálice», mas sim «Afasta de mim essa tentação». Por isso o "Memorial do Convento" foi escrito antes, como se a tarefa não fosse, coisa que acabei por saber depois, muitíssimo mais árdua e difícil que a de descrever o que sucedeu no ano em que morreu Ricardo Reis... (...) 

A Estátua e a Pedra
Fundação José Saramago
Páginas 23 e 24





Saramago considera Alexandre Herculano um verdadeiro Romancista Histórico

A temática da categorização de romancista histórico, que volta e meia tentavam catalogar José Saramago, foi de alguma forma "desmontada" na alusão comparativa, com o trabalho de Alexandre Herculano.
Muitas vezes, não bastou dizer que o assunto não se colocava, dado que, o escritor o não se considerava. Não se poderia considerar algo que não era. Não chegavam as menções e alguns dados teatrais sobre a história nacional, que se podem encontrar em "O Ano da Morte de Ricardo Reis" ou no "Memorial do Convento", para que, Saramago viajasse no tempo para encarnar não só o relato de outras épocas ou vestir a "pele" de historiador.



(Alexandre Herculano, 1810-1877)


A Estátua e a Pedra
Fundação José Saramago
Página 19

(...) não tenho outro remédio senão regressar ao problema de que sou ou não sou romancista histórico. Alexandre Herculano, o grande historiador do século XIX, dedicou-se também a escrever romances históricos (O Monge de Cister, Eurico o Presbítero e O Bobo), romances que hoje não são fáceis de ler porque  estão escritos com um estilo muito denso, lento, com demasiada frequência sobrecarregados de um retórica romântica dificilmente suportável. De toda a forma, são livros cujo conhecimento é imprescindível se nos referirmos à literatura portuguesa do século XIX. No caso de Alexandre Herculano pode-se dizer que a sua obra literária foi uma consequência directa do seu trabalho de historiador. (...)


Refere Saramago, em "A Estátua e a Pedra", a propósito do "Memorial do Convento", a necessidade que entende poder colocar-se num determinado momento temporal da obra, e ao mesmo tempo, manter a lucidez do tempo em que vive. Importante para o conceito.

Página 25

(...) "Memorial do Convento" não pertence a este tipo de romance histórico. É uma ficção sobre um dado tempo do passado, mas visto da perspectiva do momento em que o autor se encontra,  e com tudo aquilo que o autor é e tem: a sua formação, interpretação do mundo, o modo como ele entendo o processo de transformação das sociedades. Tudo isto visto à luz do tempo em que ele vive, e não com a preocupação de iluminar o que os focos do passado já tinham clarificado. Ver o tempo de ontem com os olhos de hoje. Dar ao autor a liberdade de entrar e sair do romance que está a escrever, porque ele no seu trabalho, é omnisciente, não está a realizar uma obra de arqueologia, os anacronismos são intencionais já que a visão pessoal do autor é tão válida e pertinente como a das personagens que o narrador inventa e situa no tempo escolhido. (...)



Informação na Wikipédia, em http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_Herculano

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Lisboa, 28 de Março de 1810 — Quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo, Santarém, 18 de Setembro de 1877) foi um escritor, historiador, jornalista e poeta português da era do romantismo.
Como liberal que era teve como preocupação maior, estabelecida nas suas acções políticas e seus escritos, sobretudo em condenar o absolutismo e a intolerância da coroa no século XVI para denunciar o perigo do retorno a um centralismo da monarquia em Portugal.
Alexandre Herculano nasceu no Pátio do Gil, na Rua de São Bento, em 28 de Março de 1810; a mãe, Maria do Carmo Carvalho de São Boaventura, filha e neta de pedreiros da Casa Real; o pai, Teodoro Cândido de Araújo, era funcionário da Junta dos Juros (Junta do Crédito Público).3 Na sua infância e adolescência não pode ter deixado de ser profundamente marcado pelos dramáticos acontecimentos da sua época: as invasões francesas, o domínio inglês e o influxo das ideias liberais, vindas sobretudo da França, que conduziriam à Revolução de 1820. Até aos 15 anos frequentou o Colégio dos Padres Oratorianos de S. Filipe de Néry, então instalados no Convento das Necessidades em Lisboa, onde recebeu uma formação de índole essencialmente clássica, mas aberta às novas ideias científicas. Impedido de prosseguir estudos universitários (o pai cegou em 1827, ficando impossibilitado de prover ao sustento da família) ficou disponível para adquirir uma sólida formação literária que passou pelo estudo de inglês, francês, italiano e alemão, línguas que foram decisivas para a sua obra literária.
Estudou Latim, Lógica e Retórica no Palácio das Necessidades e, mais tarde, na Academia da Marinha Real, estudou matemática com a intenção de seguir uma carreira comercial.
Alexandre Herculano casou, em 1 de Maio de 1867, com Mariana Hermínia de Meira. Morreu, sem descendência, na sua quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo, (Santarém) em 18 de Setembro de 1877, onde se tornara agricultor e produtor do famoso "Azeite Herculano". Encontra-se sepultado no Mosteiro dos Jerónimos transladado para aí em 6 de Novembro de 19786 .

Carreira política e profissional
Em termos políticos, Herculano identifica-se com a ala esquerda do Partido Cartista, liberal, mas no entanto não aceita as ideias socialistas, democrático-republicanas e iberistas.
Com apenas 21 anos, participará, em circunstâncias nunca inteiramente esclarecidas, na revolta de 21 de Agosto de 1831 do Regimento n.° 4 de Infantaria de Lisboa contra o governo miguelista, de D. Miguel I, o que o obrigará, após o fracasso daquela revolta militar, a refugiar-se num navio francês fundeado no Tejo, nele passando à Inglaterra e, posteriormente, à França (Rennes), indo depois juntar-se ao exército Liberal de D. Pedro IV, na Ilha Terceira (Açores). Alistado como soldado no Regimento dos Voluntários da Rainha, como Garrett, é um dos 7.500 "Bravos do Mindelo", assim designados por terem integrado a expedição militar comandada por D. Pedro IV que desembarcou, em 8 de Julho de 1832, na praia do Mindelo (na verdade, um pouco mais a sul, na praia de Arnosa de Pampelido, um pouco a Norte do Porto - hoje "praia da Memória"), a fim de cercar e tomar a cidade do Porto (ver Desembarque do Mindelo e Cerco do Porto). Como soldado, participou em acções de elevado risco e mérito militar.
Iniciado na maçonaria em data e local desconhecidos, porventura durante o exílio em Inglaterra, ou antes, cedo a abandonou.
Nomeado por D. Pedro IV como segundo bibliotecário da Biblioteca do Porto, aí permaneceu até ter sido convidado a dirigir a revista O Panorama (1837-1868), de Lisboa, revista de caráter artístico e científico de que era proprietária a Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, patrocinada pela própria rainha D. Maria II, de que foi redactor principal de 1837 a 1839. Em 1842 retomou o papel de redactor principal e publicou o Eurico o Presbítero, obra maior do romance histórico em Portugal no século XIX. Também se encontra colaboração da sua autoria no Jornal da Sociedade dos Amigos das Letras (1836) e em diversas revistas, nomeadamente na Revista Universal Lisbonense (1841-1859), A illustração luso-brasileira (1856-1859), A semana de Lisboa (1893-1895) e A Leitura (1894-1896).
Ao construir uma das obras mais notáveis de Alexandre Herculano é a sua História de Portugal, cujo primeiro volume é publicado em 1846. Obra que introduz a historiografia científica em Portugal, não podia deixar de levantar enorme polémica, sobretudo com os sectores mais conservadores, encabeçados pelo clero. Atacado pelo clero por não ter admitido como verdade histórica o célebre Milagre de Ourique – segundo o qual Cristo aparecera ao rei Afonso Henriques naquela batalha -, Herculano acaba por vir a terreiro em defesa da verdade científica da sua obra, desferindo implacáveis golpes sobre o clero ultramontano, sobretudo nos opúsculos Eu e o Clero e Solemnia Verba. O prestígio que a História de Portugal lhe granjeara leva a Academia das Ciências de Lisboa a nomeá-lo seu sócio efectivo (1852) e a encarregá-lo do projecto de recolha dos Portugaliae Monumenta Historica (recolha de documentos valiosos dispersos pelos cartórios conventuais do país), projecto que empreende em 1853 e 1854, e que começarão a ser publicados em 1856.
Herculano permanecerá fiel aos seus ideais políticos e à Carta Constitucional, que o impedira de aderir ao Setembrismo. Apesar de estreitamente ligado aos círculos do novo poder Liberal (foi deputado às Cortes e preceptor do futuro Rei D. Pedro V), recusou fazer parte do primeiro Governo da Regeneração, chefiado pelo Duque de Saldanha. Recusou honrarias e condecorações e, a par da sua obra literária e científica, de que nunca se afastou inteiramente, preferiu retirar-se progressivamente para um exílio que tinha tanto de vocação como de desilusão. Numa carta a Almeida Garrett confessara ser seu mais íntimo desejo ver-se entre quatro serras, dispondo de algumas leiras próprias, umas botas grosseiras e um chapéu de Braga. Ainda desempenhando o cargo de Presidente da Câmara de Belém (1854 a 1855), cargo que abandona rapidamente.
Retomando forças foi um dos fundadores do Partido Progressista Histórico, em 1856.
No ano seguinte, seguindo o mesmo propósito anti-clerical demonstrado no seu livro de história de Portugal, ataca vigorosamente a Concordata com a Santa Sé.
A 31 de Dezembro de 1858 preside a um comício anti-clerical.
Participa na redacção do primeiro Código Civil Português (1860-1865), tendo proposto a introdução do casamento civil a par do religioso, o que originou uma nova polémica com o clero.
Quando se começou a fazer muito eco na imprensa e política portuguesa para promover o iberismo, em 1861, foi criada a Comissão Central 1.º de Dezembro de 1640 contra essa vontade e, entre outros nomes, que constam dela é o nosso Herculano que imediatamente a ela se uniu nesse ideal de raiz patriótica.
Em 1867, após o seu casamento com D. Mariana Meira, retira-se definitivamente para a sua quinta de Vale de Lobos (Azoia de Baixo, Santarém) para se dedicar (quase) inteiramente à agricultura e a uma vida de recolhimento espiritual - ancorado no porto tranquilo e feliz do silêncio e da tranquilidade, como escreverá na advertência prévia ao primeiro volume dos Opúsculos. Em Vale de Lobos, Herculano exerce um autêntico magistério moral sobre o País. Na verdade, este homem frágil e pequeno, mas dono de uma energia e de um carácter inquebrantáveis era um exemplo de fidelidade a ideais e a valores que contrastavam com o pântano da vida pública portuguesa. Isto dá vontade de morrer!, exclamara ele, decepcionado pelo espectáculo torpe da vida pública portuguesa, que todos os seus ideais vilipendiara. Aquando da segunda viagem do Imperador do Brasil a Portugal, em 1867, Herculano entendeu retribuir, em Lisboa, a visita que o monarca lhe fizera em Vale de Lobos, mas devido à sua débil saúde contraiu uma pneumonia de que viria a falecer, em Vale de Lobos, em 13 de Setembro de 1877.

A obra
Herculano deixou ensaios sobre diversas questões polémicas da época, que se somam à sua intensa actividade jornalística.
Herculano foi o responsável pela introdução e pelo desenvolvimento da narrativa histórica em Portugal.
Juntamente com Almeida Garrett, é considerado o introdutor do Romantismo em Portugal, desenvolvendo os temas da incompatibilidade do homem com o meio social.
Como historiador, publicou História de Portugal de Alexandre Herculano, em quatro volumes, e História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, e organizou Portugaliae Monumenta Historica (coleção de documentos valiosos recolhidos de cartórios conventuais do país).
A parte mais significativa da obra literária de Herculano concentra-se em seis textos em prosa, dedicados principalmente ao género conhecido como narrativa histórica. Esse tipo de narrativa combina a erudição do historiador, necessária para a minuciosa reconstituição de ambientes e costumes de épocas passadas, com a imaginação do literato, que cria ou amplia tramas para compor seus enredos. Dessa forma, o autor situa ação num tempo passado, procurando reconstituir uma época. Para isso, contribuem descrições pormenorizadas de quadros antigos, como festas religiosas, indumentárias, ambientes e aposentos, topografias de cidades. São frequentes as intervenções do narrador, que tece comentários filosóficos, sociais ou políticos, muitas vezes relacionando o passado narrado com o quotidiano do século XIX.
A narrativa de caráter histórico foi desenvolvida inicialmente por Walter Scott (1771-1832), poeta e novelista escocês que escreveu A Balada do Último Menestrel e Ivanhoé, entre outros trabalhos. Também o francês Vitor Hugo (1802-1885) serviu de modelo a Herculano: Hugo escreveu o romance histórico Nossa Senhora de Paris, em que surge Quasimodo, o famoso “Corcunda de Notre-Dame”. A partir desses modelos, desenvolveu-se a narrativa histórica de Herculano, que pode ser considerada o ponto inicial para o desenvolvimento da prosa de ficção moderna em Portugal.
As Lendas e Narrativas são formadas por textos mais ou menos curtos, que se podem considerar contos e novelas. Herculano abordou vários períodos da historia da Península Ibérica. É evidente a preferência do autor pela Idade Média, época em que, segundo ele, se encontravam as raízes da nacionalidade portuguesa.
O trabalho literário de Herculano foi, juntamente com as Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett, o ponto inicial para o desenvolvimento da prosa de ficção moderna em Portugal. A partir disto, as narrativas históricas foram focando épocas cada vez mais próximas do século XIX.
Deixou ainda alguma poesia, romances não históricos e peças de teatro.