Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Jornal das Caldas - Entevista a José Saramago (16/07/1992)


Referências mais antigas, recolhidas numa crónica baseada em algumas entrevistas que José Saramago concedeu ao jornal regional "Jornal das Caldas"

Aqui o link da publicação, em http://jornaldascaldas.com/

"Nos primeiros meses de existência do JORNAL DAS CALDAS, em 16 de Julho de 1992 publicámos uma entrevista a José Saramago, numa altura em que tinha acabado de receber o Grande Prémio de Romance da Associação Portuguesa de Escritores.
Na altura explicava a sua assiduidade de publicações: 
“Há duas coisas que é preciso ter sempre em conta naquilo que temos de fazer, na vida ou onde for. Uma delas é não ter pressa e outra é não perder tempo. Parecem duas declarações contraditórias, e eventualmente o são, mas a verdade é que há coisas que precisam de um tempo para puderem amadurecer, mas também não podemos ficar com a ideia de que o tempo que temos de vida é suficiente para tudo”.
E prevendo um dia já não ter tempo, declarou: 
“Tenho 69 anos, o tempo que eu tenho para viver não é tanto que eu possa perder”.
Ainda teria pela frente mais 18 anos e muitas obras e sucessos, o principal dos quais a distinção como Prémio Nobel da Literatura.
O escritor falava também na ocasião do orgulho por ver as suas obras traduzidas em várias línguas. “A primeira vez que sucede é um deslumbramento. Ficamos felicíssimos, como é o caso da primeira entrevista que se dá, o caso da primeira pessoa que encontramos a ler um livro nosso ou quando o vemos na montra de uma livraria. Tudo o que acontece pela primeira vez é realmente um choque, como é ver o nosso primeiro livro traduzido. Só nesse dia nos apercebemos ter passado a fronteira para o lado de lá. Mas depois começam a ser tantas as traduções, desde o japonês ao hebraico, do sueco ao finlandês, do alemão até ao grego, que já não é aquela emoção. Posso dizer é existirem dois tipos de satisfação, uma é a satisfação pessoal, outras é menos egoísta e tem a ver com a nossa terra, língua e cultura, e é através do escritor que a Literatura Portuguesa chega ao lado de lá. Eu não me lembro de ter sentido uma emoção tão forte como em Milão ouvir um cantor lírico italiano dizer a palavra Portugal”, manifestou.
A relação polémica de Saramago com a Igreja (que teve o expoente máximo com a obra “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”) também foi comentada pelo escritor: 
“Estou perfeitamente consciente que a Igreja não gosta. Não pode gostar, de facto. Respeito as suas convicções sob condição de que respeitem as minhas e o direito que tenho de escrever sobre o que entender, da forma que entender”. E adiantou: “A primeira carta que eu recebi foi de um bispo fundamentalista, em que ele começa dizendo: ‘Isto não é uma ameaça’; e acabava assim: ‘Não por fanatismo mas em nome da justiça, o senhor devia ser condenado à morte sem sepultura’. Para que as coisas não fossem tão dolorosas, ele fechava a carta dizendo: ‘Rezo por si!’”.
Saramago, nessa entrevista ao JORNAL DAS CALDAS, conduzida por José Patrício, concluía: “Um escritor não se define, espera que os outros o façam”.
A 14 de Outubro de 1998, o JORNAL DAS CALDAS tinha motivos mais do que suficientes para falar do escritor. Tinha sido contemplado com o Nobel e o jornalista Luís Pires escrevia que “Saramago é um provocador. Apesar da sua aparência serena, imagino como se ri cada vez que termina um novo romance que sabe perfeitamente ir entrar no pensamento dos leitores e revolucionar todos os seus conceitos”.
Duas semanas depois, a propósito da vinda de Saramago às Caldas da Rainha, a convite da livraria Loja 107 para uma sessão de autógrafos, tendo a autarquia aproveitado para lhe entregar a Medalha de Honra do Município, Luís Pires comentava: “O povo português é de extremos. É capaz de criticar mortalmente qualquer acontecimento ou pessoa, e a seguir, perante algo bom que aconteça, levar em braços os responsáveis, criar canções de homenagem e quase chorar, sentindo cada alegria como se fosse conseguida por si individualmente. Saramago é o mais recente exemplo desse peculiar ‘orgulho de ser português’”.
Recordando declarações proferidas na ocasião, o presidente da Câmara, Fernando Costa, afirmava que o admirava o escritor por ser “um homem que luta toda a vida por princípios nos quais acredita”.
Já o escritor explicava que o Prémio Nobel “reforçou-nos a auto-estima”. E defendia: “Temos que pôr em movimento uma política efectiva de defesa da língua portuguesa. Se houver realmente um esforço coerente, este prémio, além da satisfação que deu, irá servir para que a nossa língua ganhe força”.
A atribuição da Medalha de Honra foi feita após aprovação da Câmara e da Assembleia Municipal das Caldas da Rainha. Marcelo Morgado, da bancada do PSD na Assembleia Municipal, disse, em nome pessoal, discordar da atribuição da medalha, considerando que o laureado “agride-me profundamente por uma questão ética, pois não me esqueço que foi também um escritor político e que foi durante o PREC o saneador dos jornalistas do Diário de Notícias, e se isso só não bastasse, vi-o num espectáculo na cidade do Porto a abraçar o senhor presidente do Governo de Cuba (Fidel Castro), um homem que tem tantos crimes políticos no bolso como tem o senhor Pinochet”. Não impedindo uma aprovação por unanimidade, o deputado ausentou-se da sala na altura da votação.

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