Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 13 de dezembro de 2015

João Amaral, criador do álbum de BD baseado na obra "A Viagem do Elefante" em entrevista à "H-alt" (07/12/2015)

A entrevista pode ser consultada e lida, aqui
em http://h-alt.weebly.com/joatildeo-amaral.html

Apresentação e informação sobre o site http://h-alt.weebly.com/
"A H- alt é uma revista digital gratuita de BD (HQ) escrita em português e relacionada com as temáticas de ficção-cientifica, fantasia, realidade/história alternativa.
O objectivo desta publicação é divulgar e incentivar produção de pequenas histórias de BD. Existe também a preocupação que os vários participantes criem histórias em equipa (argumentistas/ roteiristas, desenhadores/quadrinistas, coloristas), com o propósito de incentivar o trabalho colaborativo.
Outro dos objectivos desta publicação é fomentar o surgimento de jovens talentos não ignorando em todo o caso autores mais experientes que desejem participar.
O projecto está em constante desenvolvimento tendo sempre em vista  a colaboração de vários autores lusófonos (Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo-Verde, S. Tomé, Timor-Leste, Guiné-Bissau) em todo o caso a participação de autores de outra nacionalidade não está de algum modo excluída." 

Entrevista com João Amaral realizada por Sérgio Santos
João Amaral é um autor português com uma já longa carreira ligada à BD.
Para aceder a mais informação podem consultar o blogue do autor em http://joaocamaral.blogspot.pt/


Biografia
"João Carlos Saraiva Amaral, Lisboa, Novembro de 1966. Frequentou o 2ºano do Curso de Gestão de Empresas do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE, e possui um curso de Design Gráfico assistido por computador.                              
A sua entrada na banda desenhada, em 1994, foi pela porta grande, como inferirá do título do seu primeiro álbum, A Voz dos Deuses, quem tiver lido o romance homónimo de João Aguiar, base para a adaptação literária realizada por Rui Carlos Cunha..
Cinco anos depois colabora na revista Selecções BD (2ª série) com a banda desenhada a preto e branco, Quid Novi in Imperium? - Que Há de Novo no Império?, dividida em dois capítulos, intitulando-se o primeiro O Fim Coroa a Obra, e Dias de Cólera o segundo, publicados naquela revista em Agosto de 1999 e Junho de 2000, respectivamente.
Meses mais tarde, nessa mesma 2ª série de Selecções BD, entre Dezembro de 2000 e Fevereiro de 2001, foi publicada outra obra sua, tal como a anterior também a preto e branco, intitulada O Fim da Linha, para cujo argumento João Amaral se baseou num antigo filme, protagonizado por Gary Cooper e Grace Kelly, "O Comboio Apitou Três Vezes", um "western", mas localizando a acção da banda desenhada numa vila portuguesa .
Missão Quase Impossível é o título do episódio que realizou em sete pranchas, sob argumento de Jorge Magalhães, para a obra homenageante Vasco Granja - Uma Vida... 1000 Imagens, editada em Maio de 2003.
Em 2006 volta a ser editado em álbum, dessa vez com A História de Manteigas no Coração da Estrela.
Foi-lhe publicada mensalmente, a partir de Abril de 2006, a bd O Gui, a Nô... e os Outros, a preto e branco, no jornal paroquiano A Cruz Alta, da igreja de Sintra. João Amaral usou o pseudónimo "Joca", e a banda desenhada teve argumento de Isabel Afonso, que assinava como "Gui", tendo terminado em Outubro de 2008.
Posteriormente, já no seu blogue http://joaocamaral.blogspot.com  criou, desta vez "a solo", em tiras, a 24 de Dezembro de 2010, outra série aparentemente infantil, intitulada "Fred & Companhia", mas de vincado carácter crítico e satírico, que também está visível numa importante rede social, no endereço http://facebook.com/fredecompanhia
No seu blogue, o dinâmico autor tem reproduzido bandas desenhadas inicialmente publicadas na revista Selecções BD, que aparecem igualmente no jornal Alentejo Popular, na rubrica "Através da Banda Desenhada" (sob coordenação de Armando Corrêa/Luiz Beira), onde já foi reproduzida a bd Ok Corral (com argumento de Jorge Magalhães), em 2008.
Antes, em Fevereiro de 2007, realizara numa só prancha o episódio Sonhos para a obra colectiva "Príncipe Valente no século XXI", publicada no fanzine Efeméride (nº2). 
Quid Novi in Imperium? - Que Há de Novo no Império?, banda desenhada de grande fôlego, que teve início nas Selecções BD, com os dois primeiros episódios, e que ficou incompleta por desaparecimento daquela revista, tem tido continuidade na blogosfera, com o seguinte alinhamento: 
"Acabou a Representação", 3º episódio (10 pranchas), em 11 de Janeiro de 2010
"Ao Homem!" 4º episódio (12 pranchas), em 19 e 20 de Janeiro de 2010
"O Dente do Lobo" (9 pranchas), em 4, 5, 6 e 7 de Maio de 2010, sendo que este último episódio foi igualmente publicado no citado jornal Alentejo Popular em 2012.   
Ao nível mais elevado de edição da BD, ou seja, na publicação em álbum, este prolífico autor tem também as seguintes obras:Bernardo Santareno (2006), História de Fornos de Algodres (2008), Cinzas da Revolta(2012) e A Viagem do Elefante (2014).
Excepto Cinzas da Revolta, excepcionalmente assinada por um pseudónimo, Jhion, e feita sob argumento de Miguel Peres, todas as restantes obras publicadas em álbum são de sua completa autoria. 
João Amaral foi o Convidado Especial da Tertúlia BD de Lisboa em Maio de 1999."


Como foi o seu relacionamento na infância com o desenho e a BD?
Aos 4 ou 5 anos quando estava na mercearia do meu avô davam-me papeis para eu desenhar e eu passava tardes a fazer os meus rabiscos. Sempre tive duas paixões muito interligadas que surgiram na mesma altura (primária): A BD e o cinema. Na BD sempre achei fabuloso poder desenhar e contar uma história ao mesmo tempo. No momento em que eu descobri que o cinema e a BD utilizam o mesmo tipo de linguagem e planos fiquei encantado. A utilização de storyboards aliás é muito frequente no cinema.
Já quando andava na primária já dizia que quando fosse grande gostaria de ser desenhador de BD. Existe depois uma grande vantagem da BD em relação ao cinema, na 7º arte o trabalho é colectivo e exige um grande planeamento e muitas vezes orçamentos consideráveis. Na BD com poucos recursos e de forma mais autónoma e personalizada conseguimos criar projectos muito interessantes.

Por isso é que muitas vezes se diz que a BD é o cinema dos pobres?
Eh! Pois é um bocadinho assim. Mas eu também não a vejo assim porque apesar de tudo sempre vi a BD como uma arte adulta.

Ainda existe aquele estigma que a BD é para crianças, apesar de existir um grande público adulto que lê BD?
Depois do 25 de Abril vence-se o estigma de que a banda-desenhada era para as criancinhas. Na escola escutei muitos professores dizerem que a BD era para preguiçosos que não queriam ler. Na actualidade a situação já é muito diferente. Aliás hoje eu vou às escolas em acções de divulgação e noto que a BD já faz parte do programa das escolas. No pós 25 de Abril a situação mudou radicalmente, tivemos acesso a conteúdos que nunca tinham aparecido no mercado e existiu uma expansão para outros públicos. Depois dos anos 80 regressou um pouco o estigma  de que a BD era para crianças. Isso aborrece-me um pouco. Mas as coisas vão mudando aos pouco e o que eu gosto da actualidade é que existem cada vez mais artistas e uma maior diversidade de estilos.


Como vê a carreira de autor de BD em Portugal?
Mão-de-obra não falta em Portugal basta espreitar os vários fóruns na Internet para vermos que existe muito talento. O problema realmente é a nível da sustentabilidade do negócio. Costumo dizer por brincadeira que para se gostar de fazer uma carreira na BD é preciso ser-se completamente tarado! Não é garantidamente pelo dinheiro, aliás eu disse à minha mulher quando começamos a namorar que eu tinha uma amante chamada BD que me ocupava boa parte dos dias. Ela hoje percebe isso.

Noutros tempos ser um autor de BD seria mais fácil?
Já tenho vinte anos de carreira e pelo que compreendi sempre foi difícil seguir uma carreira como autor de BD, aliás eu tenho a particularidade de ter falado com grandes mestres que me elucidaram como eram as coisas noutros tempos. E nunca foi fácil, nem sei se alguma vez o será.

É uma pena que na BD a realidade entre Portugal e Bélgica não seja parecida.
No mercado franco-belga existe uma industria e é uma realidade completamente diferente. Nunca me esqueço da 1º vez que fui a Angoulême na altura fiquei completamente espantado com os inúmeros eventos, tive então a noção que estava noutro mundo. Recomendo vivamente quem deseja seguir a carreira de autor de BD a ir ao festival de BD de Angoulême, não só para procurarem oportunidades de trabalhos mas também para poderem escutar uma série de dicas e conselhos de grande utilidade.

​A animação nunca foi uma tentação?
Tenho muito respeito pelo trabalho minucioso e dedicado dos animadores. Mesmo com o auxilio de computadores continua a ser uma trabalho muito moroso e que exige muito sacrifício e abnegação. Muitas vezes é um trabalho mais aliciante para uma equipa e que exige outros recursos, nesse aspecto sinto-me mais confortável no papel individual de autor de BD.


Presumo que prefere antes trabalhar a solo?
No meu caso já trabalhei em equipa e a solo. Depende muito das parcerias, desde que existe química o trabalho em equipa poderá ser muito proveitoso. No meu trabalho com o Miguel Peres nas "Cinzas da Revolta" por exemplo nunca me passaria pela cabeça fazer um álbum sobre a guerra colonial. Até porque existem poucas obras de ficção sobre esse período temporal e onde ainda existem muitas feridas por curar. Gostei muito da experiência e fiquei muito entusiasmo posteriormente no desenvolvimento do projecto.

Em relação ao seu trabalho mais recente a adaptação da obra de Saramago "A viagem do elefante", quanto tempo demorou a conceber o projecto desde o principio? Podia falar-nos um pouco desse projecto. 
Demorei aproximadamente dois anos e meio. Existem algumas diferenças entre "As cinzas da revolta" e a "Viagem do elefante", num álbum a acção passa-se numa área mais localizada, noutro ocorre em vários locais. Decidi que o próprio Saramago fosse transformado numa personagem, sendo o narrador da história. A narração dele no livro é tão irónica e pertinente que eu achei que ele merecia aparecer em destaque. O próprio conceito de viagem a Viena tem um conceito muito metafórico que permite várias leituras e que me seduziu muito.

O Saramago tem muitos livros onde existem várias metáforas intemporais.
O primeiro livro que eu quis adaptar para BD do Saramago foi o Ensaio sobre a cegueira, acabei por não seguir esse caminho quando tomei conhecimento que o Fernando Meirelles ia fazer um filme baseado nessa obra. Quando vi o filme fiquei contente por não ter feito a adaptação porque reparei que existiam muitas consonâncias e similaridades na forma como o Meirelles idealizou o filme. O facto de cegueira aparecer representada em branco e não em negro como seria habitual é algo que está presente no livro e que funciona muito bem no filme, eu identifico-me perfeitamente com essa opção criativa. Se eu algum dia fizer a adaptação da obra será um trabalho mais livre e irei procurar não estar tão preso ao romance. Mas isso é algo que pertence ao futuro, ainda não decidi nada.

E projectos futuros de adaptações literárias de autores portugueses ?
Não sei, neste momento não sei. Actualmente fiz duas adaptações "Voz dos Deuses de João Aguiar " e "A viagem do Elefante" de José Saramago. Nenhum desses projectos surgiu por encomenda ou sugestão, foram livros marcantes com as quais me identifiquei e onde consegui visualizar quase um "storyboard mental" da história. Já li vários livros que gostei muito mas nem em todos acontece o fenómeno referido anteriormente. Em todo o caso as duas adaptações que fiz deram-me muito trabalho por isso sinto que devo ser muito criterioso na escolha de um obra com a qual me identifique e onde sinta que poderei fazer um bom trabalho com o qual me orgulhe. Existe também um trabalho de pesquisa e análise dos cenários e ambientes que exige tempo e na medida do possível que possa existir uma deslocação ao local. Trabalhar só com fotografias e filmes acaba também por ser limitado, apesar de existir muita informação graças à Internet.

Gosta portanto de fazer viagens exploratórias quando está a criar um trabalho de BD?
Não há nada como estar no local onde a acção da história se passa. Para mim foi excelente ter ido a Angola quando estava a trabalhar nas "Cinzas da revolta". Porque dessa maneira é possível captar pequenos pormenores ( cor da terra, pôr do sol...). Aliás já tinha conversado com um amigo angolano que me havia referido por exemplo a diferença em relação ao pôr do sol mas só quando estamos lá conseguimos perceber melhor. Claro que isso é muito relativo, porque uma coisa é irmos ao local e a acção da história passar-se noutro contexto histórico mas não há dúvida que é uma boa ajuda. Muitas vezes alguma ideias para a BD podem surgir dessas viagens e isso será uma mais-valia.

Poderia falar-nos melhor da sua colaboração na revistas das Selecções BD e da Rua Sésamo.
Entrei na Rua Sésamo por intermédio de um amigo e foi mais na fase final. Trabalhei como colaborador deles e ainda desenhei algumas histórias dos últimos números. 
Nas Selecções BD convidaram-me para entrar, o editor Jorge Magalhães gostou do meu trabalho na "Voz dos Deuses". As histórias teriam que ser a preto e branco por uma questão económica.

Nos seus últimos trabalhos trabalha com a coloração digital, sente-se confortável?
Sim. Um dos motivos porque me sinto confortável tem a ver com a similaridade de processos que existe na pintura analógica a óleo com a pintura digital. No principio senti algumas dificuldades mas com o tempo habituei-me. Algumas pessoas pensam que trabalhar em computador acelera o processo de trabalho, em algumas questões pode ser assim mas também existe uma maior exigência que obriga a que se perca mais tempo.


Pode-nos dizer de autores de BD que mais admira? Tem sido uma influência e porquê?
Se eu for falar de todos os autores que me influenciaram ficávamos aqui a conversar quase o dia inteiro. O Hermann influenciou-me muito, gostei muito de o ter conhecido pessoalmente no Festival de Beja. Ele é um dos meus grande ídolos, adorei o Bernard Prince , nunca gostei tanto da série Comanche. As Torres de Boy-Mouris marcou uma mudança, o Hermann revelou ser um óptimo argumentista e um aguarelista brilhante capaz de trabalhar a cor directamente de forma espantosa.  O William Vance foi também uma grande influência e tenho muita pena que ele esteja a sofrer com Parkinson o que o impede de trabalhar.


E o Hugo Pratt?
O Hugo Pratt foi complicado. Eu fui um daqueles jovens leitores que escreveu para a revista Tintim a protestara dizer que as histórias dele não deveriam aparecer porque o homem não sabia desenhar. Hoje eu reconheço o Hugo Pratt é para adultos e era sobretudo um argumentista fora de série. Existem álbuns dele que eu aprecio muito, nomeadamente as célticas. O traço dele apesar de estilizado é muito funcional e ele consegue com poucos traços ser muito eficaz. Aliás ele dizia uma coisa muito interessante : "Não sei se viajo para ter uma desculpa para contar histórias ou se conto histórias para ter uma desculpa para viajar".

E outros autores? 
Gosto do demolidor do Frank Miller, assim como 300. O X-man do Chris Claremont e do Jim Lee é também fantástico. Aprecio também o Akira do Otomo. Existem outros, sejam eles autores europeus, americanos ou japoneses. 




Recuperação do momento do lançamento da obra "Saramago por José Saramago" de Joan Morales Alcúcia

A notícia pode ser consultada e lida, através do site "La Voz de Lanzarote", aqui
em http://www.lavozdelanzarote.com/articulo/sociedad/joan-morales-alcudia-presenta-libro-saramago-saramago/20140123180136086335.html

Joan Morales Alcúdia presenta su libro “Saramago por José Saramago” (Lanzarote - 23/01/2014)
Em "A Casa", Tías - Lanzarote

(Capa da obra com a chancela da "Ediciones El Páramo"
    
"El escritor y profesor Joan Morales Alcudia ha presentado este jueves su libro “Saramago por Saramago” (Ediciones El Páramo), en un acto que ha tenido lugar en la Biblioteca Saramago, en A Casa, en Tías. Posteriormente, ha mantenido un encuentro con lectores, donde se ha servido una copa de vino de Lanzarote."

Presentación del libro "Saramago por Saramago". (Fotos: Sergio Betancort)

"Joan Morales Alcudia, es consultor de psicosociología y licenciado en Técnicas de Investigación de Mercado, así como profesor de la Universitat Oberta, de Cataluña. El escritor ha querido depositar su libro en la Biblioteca de José Saramago, en la Biblioteca municipal de Tías y en la Biblioteca insular como homenaje al Nobel portugués, al que conoció hace 14 años y sobre el que ha trabajado desde entonces.

Fue en el verano de 2000, cuando José Saramago impartió un curso de verano en la Universidad Menéndez Pelayo de Santander. Uno de sus alumnos era Joan Morales, que registró las distintas intervenciones, ahora transcritas en el volumen “Saramago por Saramago”.
“Contiene a José Saramago en sus reflexiones y en los textos que Joan Morales, para mayor exactitud, traslada de distintos libros, ya sean novelas, Cuadernos de Lanzarote o Discursos de Estocolmo”, afirma Pilar del Río en el epílogo.

El libro de Joan Morales Alcudia se convierte así en una herramienta para el conocimiento de la obra del autor portugués, que vivió 18 años de su vida en Lanzarote, donde escribió libros fundamentales como "Ensayo sobre la ceguera", "El hombre duplicado", "Las Intermitencias de la muerte" o "El viaje del elefante", entre otros."  

Joan Morales Alcúcia e Pilar del Río (Fotos: Sergio Betancort)

  
Entrevista a Joan Morales Alcúdia
“Saramago era un ser comprometido hasta la médula”

Para ser consultada e lida, aqui

(Universidad Menéndez Pelayo, Agosto 2000)

Por Elga Reátegui

"Su admiración por la obra de José Saramago le ha llevado a convertirse en uno de los principales difusores de la literatura del Nobel portugués, y es que no hay otro tan calificado como él, aparte de  Pilar del Río, claro está, para llevar a cabo esta misión. La  pasión del escritor catalán Joan Morales Alcúdia por los libros de Saramago se acrecentó cuando lo conoció y pudo tratarlo durante un seminario que el autor impartió en la Universidad Menéndez Pelayo de Santander, en agosto del 2000.
Precisamente de esa experiencia y tras un arduo trabajado de 14 años, sale a la luz el libro Saramago por  José Saramago.
“Tenía un material muy valioso: las grabaciones del seminario al cuál asistí. Cuando las escuchaba en casa, o en compañía de algún conocido, pensaba: “Qué pena que no pueda compartir toda esta sabiduría”. Y de ahí arrancó todo: de esa conciencia”.

¿Cómo alguien con una formación totalmente ajena al mundo de la literatura llega a publicar libros tanto de narrativa como de poesía, e incluso a animarse a escribir uno que podría incluirse en el ámbito de la autoayuda?
Bueno, tampoco puede decirse que eso sea exactamente así. Si bien es cierto, que en lo que podríamos llamar como educación formal se refiere, he estudiado disciplinas que tienen más que ver con la economía y el marketing que con la literatura, siempre he sentido una enorme curiosidad por otros ámbitos del conocimiento. Y es precisamente de ahí, de esa curiosidad, de donde nace la necesidad de escribir libros que tienen bastante poco ver con mi formación universitaria.


Un libro de cuentos sobre las relaciones humanas ¿En qué momento exactamente siente el llamado de la escritura y cómo lo recibió?  ¿Cuando la literatura toca a la puerta hay que abrirle siempre?
Resulta complicado ponerle una fecha concreta a cuando sentí ese supuesto llamamiento a escribir. Mi madre siempre dice que, ya de niño, y bien pequeño, yo prefería leer a jugar con los juguetes.  En ese sentido, coincido con Saramago en que la lectura es, y será siempre, un prerrequisito imprescindible para un día poder llegar a escribir algo. Es cierto también que en el colegio disfrutaba muchísimo inventando relatos para la revista de clase (un conjunto de folios fotocopiados y grapados). Y eso, como que se remonta a hace ya bastantes décadas.
En cuanto a tocar la puerta, la literatura, como cualquier otra disciplina, siempre estuvo abierta a que entrase en mi vida. Para mí leer y escribir constituyen dos auténticos placeres. El problema, en este caso, no estriba precisamente en abrirle la puerta, sino en que, una vez abierta, ya no es posible cerrarla.

¿Hubo algún tipo de preparación antes de decidirse a publicar o desde siempre se sintió listo para dar ese paso?
La preparación la hubo desde un punto de vista meramente autodidáctico. En este caso, creo que fue más cuestión de que yo tenía algo para contar que pensaba que valía la pena, y que, por el otro lado, en la otra parte, por así decirlo, hubo personas que vieron o pensaron que así era. Como en un rompecabezas, felizmente, encajaron las dos piezas.

¿Nació primero el poeta o el novelista? ¿Qué diferencias en cuanto a emociones y sentimientos hallamos en  Me enamoré de la Luna y Cenizas de recuerdos?  ¿Exige mayor esfuerzo escribir poesía que narrativa u ocurre al revés?
Nació primero el poeta. La poesía me permitió sentirme seguro para dar el paso posterior a la narrativa. Sin la poesía, hubiese sido incapaz de construir relatos con el ritmo y la cadencia que resultan necesarios para mantener tanto la tensión como  el hilo narrativo.
En cuanto a las diferencias que existen entre Me enamoré de la Luna y Cenizas de recuerdos, en el primero, que es un libro de cuentos sobre las relaciones humanas y el amor, podemos decir que la prosa poética me permitió expresar emociones que resultan universales. Como anécdota, he decir al respecto que en algunas presentaciones ha habido gente que se ha emocionado tanto con la lectura del libro que se me han puesto a llorar. En cambio, Cenizas de recuerdos es un libro de poesía que se estructura a partir de una experiencia más personal, individual, y por lo tanto, más intransferible. En cuanto a lo común, cabe decir que estamos ante dos libros escritos con el corazón y, en ambos casos, profundamente sinceros.

Otra obra escrita desde el corazón y profundamente sincero, como define su autor
A usted le preocupa mucho el sistema educativo del país, de allí el origen de su libro de denuncia EDUKT, ¿cómo lo concibió y qué objetivos ha conseguido con su publicación?
Nuestro sistema educativo es un desastre. Y no lo digo yo, basta con ver los resultados que obtiene España año tras año en los informes PISA. Tras más de 20 años de docencia, me duele comprobar cómo en vez de avanzar, retrocedemos cada vez más en áreas fundamentales como el lenguaje o las matemáticas.
EDUKT es una especie de grito. De hecho, se trata de una novela escrita íntegramente en lenguaje SMS que busca precisamente eso: provocar. Es un libro denuncia, una novela que trata de hacer una llamada en ese gran desierto que es en general la comunidad educativa, para poner en solfa que, si lo que deseamos mejorar realmente es la calidad de la enseñanza, no sólo resulta necesario dotar de más recursos al sistema educativo. Que hay más: unos valores, unas ideas de fondo; aspectos sobre las cuales las diversas administraciones suelen pasar de puntillas.

¿Por qué España está en la cola en cuanto a educación se refiere? ¿Qué ha hecho mal?
Estamos ante una pregunta compleja. Cabe tener en cuenta que sobre la educación inciden múltiples factores. Los cambios sociales siempre tienen y han tenido sobre ella un papel fundamental. En general, en España, seguimos creyendo que la educación es un gasto y no una inversión. Opinando desde la primera línea de combate, y como docente, considero que el sistema está excesivamente burocratizado, y cada vez más orientado a la creación de especialistas. Gente que trabaje, poco o mucho, pero que no ponga en entredicho al sistema. Y si ese es el objetivo final, ¿a qué decir que lo estamos haciendo mal?

¿Un escritor es un inconformista permanente? ¿Qué papel debería asumir en los tiempos actuales?  ¿Su lugar se halla encabezando revoluciones de conciencia?
Un escritor es simplemente una persona que escribe. Que sea inconformista, o no, es una cuestión que  considero que tiene que ver más con una elección personal. Es cierto que, cuando la realidad que te rodea te molesta porque te parece injusta, existen más probabilidades de que acabes tomando partido. Pero no estamos hablando de que el escritor deba convertirse un Mesías, ni en un revolucionario de conciencias. No. Más bien, entiendo que el escritor ha de tratar de exponer su punto de vista acerca de un aspecto determinado de la realidad que le envuelve, que le preocupa, o que, simplemente,  por los motivos que sean, le interesa más explicar 

¿En qué haya motivación para seguir adelante un escritor que recién empieza o uno que ya lleva años y no logra ser conocido por los lectores?
En mi caso, no es el reconocimiento- o no- de los lectores lo que me impulsa a escribir. Se trata, más bien, de la necesidad que tengo de tratar de darle sentido a la realidad que me rodea. Y, particularmente, no encuentro mejor instrumento para ello que no sea el de la escritura.  

Su más reciente obra Saramago por José Saramago está dando mucho que hablar, ¿de dónde nace su deseo de difundir y compartir la obra del Nobel portugués?  ¿En qué momento se llega a prendar no solo de su producción literaria sino de su personalidad?
Desde que leí la primera obra de Saramago- Memorial del convento- sentí que estaba ante una novela especial. Y eso, como que resulta difícil transmitirlo a alguien que no haya leído todavía alguna de sus novelas. Tras leer el resto de su producción literaria, esa idea no ha hecho más que crecer y reafirmarse con el tiempo. Y ha sido esa pasión por compartir dicho sentimiento, lo que me ha llevado a difundir la obra de José Saramago a través del libro Saramago por José Saramago. Un libro, cuyo origen, se remonta a un seminario que el propio autor impartió en la Universidad Menéndez Pelayo en agosto del año 2000.
Por otra parte, y en lo que se refiere a su personalidad, considero que, en este caso, estamos ante un autor en el cual personalidad y producción literaria resultan inseparables: no se concibe al escritor sin su obra ni su producción literaria sin hacer referencia a su autor. Y ambos, obra y autor, unidos bajo un denominador común: la coherencia. 

Ese seminario en la Universidad Menéndez Pelayo marcó un antes y un después en su relación con la obra de Saramago, ¿no es así?
Indudablemente. Fue allí donde tuve la oportunidad de conocer personalmente a José Saramago.

¿En qué circunstancias se le ocurre pensar que el material recopilado debe ser compartido? ¿Cuándo se pone manos a la obra y cuánto tiempo le demandó el trabajo?
Tenía un material muy valioso: las grabaciones del seminario al cuál asistí. Cuando las escuchaba en casa, o en compañía de algún conocido, pensaba: “Qué pena que no pueda compartir toda esta sabiduría”. Y de ahí arrancó todo: de esa conciencia. Luego, recopilé durante cerca de 14 años el resto de material que consideraba necesario para que el libro saliera lo “más redondo” posible. Y, a partir de ahí, tardé aproximadamente un año en redactarlo y en darle la estructura definitiva. 

¿Saramago por Saramago está escrita para leerse en voz alta? ¿De esa manera podemos reconocer con más facilidad su esencia?
El diario El País tituló acertadamente la aparición del libro con el titular: “Leer la voz de Saramago”, una escueta frase que resume a la perfección la esencia del mismo.  En ese sentido, Saramago por José Saramago, es un libro lleno de matices, escrito y transcrito con el objetivo de recoger de la forma más fidedigna posible la voz del Nobel portugués. Personalmente, considero que leerlo en voz alta, es una buena forma de abordarlo.

¿Qué papel jugó Pilar del Río, la viuda del escritor, en este proyecto?  ¿Supervisó el trabajo de cerca? ¿Le impuso pautas o le dejó entera libertad de hacer?
Pilar del Río ha sido fundamental para que este libro viera la luz. En todo momento se mostró respetuosa y me dejó entera libertad para redactarlo. Celebramos el nacimiento del libro en A Casa de Lanzarote. Presentar allí el libro, en el sillón preferido de José, fue algo que no tiene precio. Un sueño. Más allá del papel que jugó en el libro, siento una gran admiración hacia su persona. Como Presidenta de la Fundación José Saramago su labor resulta encomiable. Es una luchadora nata. Decir que es estupenda es apenas decir nada. La aprecio muchísimo. Nunca me cansaré de repetir que le estoy y le estaré siempre eternamente agradecido.

Usted que lo conoció y trató de cerca al escritor, ¿qué fue lo que más le impactó de él como ser humano?   ¿Qué es lo que más recuerda?
Hace unos meses escribí para la revista Blimunda de la Fundación José Saramago un artículo titulado: “Recuerdos de mi profesor José Saramago”. En él decía lo siguiente: “La primera imagen que me viene a la cabeza de Saramago en el rol de profesor en la UIMP de Santander, era su capacidad didáctica. Cómo era capaz de hilvanar un discurso coherente, lleno de matices, y en el que cabía casi todo: desde la más fina de las ironías, hasta la más sentida indignación. Un discurso, que no requería de nota alguna previa para aparecer en el aula con total naturalidad y que, como el mismo escritor nos confesó, construía en torno al hecho de “estar pensando en voz alta”.
Como ser humano, Saramago era un ser comprometido hasta la médula, un escritor con el don y la vocación irrefrenables de darse sin medida a los demás.  Irrepetible. Vital. Extraordinario. Único.

¿En qué aspecto radica la genialidad de Saramago? ¿Trascenderá los tiempos?
En su bondad, en esa misma bondad por la cuál él deseaba ser siempre recordado. Era un genio de la literatura dotado de un gran talento y de una enorme sensibilidad.
En relación a la segunda cuestión, la de si trascenderá a los tiempos, tengo muy claro que tanto la obra como la personalidad de José Saramago son de largo recorrido. De ahí que no tenga la menor duda de que, tanto su legado literario, como su personalidad, perdurarán y lo harán aparecer como uno de los grandes clásicos de la Literatura del S.XX y principios del S.XXI. Ni faltan ni sobran ingredientes para que así sea.

Esa genialidad, bondad y sensibilidad nunca fue ‘entendida’ por sus colegas portugueses, a su parecer ¿qué era lo que más disgustaba a éstos de Saramago?
Si nos referimos estrictamente a sus colegas de profesión, no podemos hablar de que exista una unanimidad en cuanto a que su genialidad, bondad, o incluso, su sensibilidad, fuesen motivo de disgusto. Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, o Gonzalo M. Tavares, representan en la actualidad unos de los puntales más sólidos de la narrativa portuguesa, en los cuáles, eso no es así. No cabe disgusto en ellos sino, más bien, una admiración compartida y recíproca con y hacia el Maestro.

Casi nadie ha descubierto al poeta Saramago, ¿qué nos puede decir de esa parte de su obra? ¿Qué tanto hay de poético en su narrativa?
Saramago se mostraba reacio a hablar de su poesía. Él mismo la consideraba como un género menor dentro de todo el conjunto de su obra. No obstante, es evidente que su narrativa está impregnada de poesía. No sólo en lo que a la presencia de ciertos elementos poéticos se refiere, que también, sino, en general, en esa musicalidad y en esa forma tan peculiar de narrar que lo hacen tan inconfundible.

¿Cuál es el aporte más importante de Saramago a la literatura?
Saramago concibió una nueva forma de narrar en la literatura en la cual el narrador tenía una presencia omnisciente y omnipresente. Curiosamente, podemos decir con cierta ironía que, la figura del narrador en José Saramago, se asemeja bastante a la de ese Dios al que jamás se cansó de fustigar a través de la razón. 

¿Dónde es fácil hallar al Nobel portugués  si lo queremos encontrar en esta vida terrena y mortal?
En términos generales, Saramago vive y vivirá siempre en todas y cada una de sus obras. Tanto en las literarias como en las no literarias. En sus libros, en sus discursos, en sus cartas.
Más allá de eso, para aquellos que deseen profundizar en José Saramago, en A Casa, en Lanzarote, “una casa hecha de libros”, como él mismo bautizó, podremos encontrar pistas sobre su persona. Si buscamos en cambio al escritor, deberemos desplazarnos hasta la sede de Fundación José Saramago en Lisboa. En cambio, si lo que buscamos es el niño que fue, no nos quedará más remedio que ir hasta el Alentejo y visitar allí la sede donde se exponen algunos de los enseres más significativos que poblaron su niñez.

¿Cuándo los lectores de Latinoamérica y otras partes del mundo podrán adquirir Saramago por José Saramago?
Esa misma pregunta me la hicieron en directo desde una radio colombiana el mismo día en el que tuvo lugar la rueda de prensa de la presentación del libro en Sevilla. Por mi parte, estaría encantado de que el libro estuviese ya disponible en toda América Latina. Y más, sabiendo que en este caso no se trata de un libro más sobre la obra de José Saramago. Estamos hablando de un libro en el cuál el mismísimo Saramago nos va desgranando los motivos, los personajes, y las motivaciones que están presentes en cada una de sus obras. Soy consciente de la admiración y el cariño con el que siempre han tratado a José Saramago en toda Latinoamérica. Dicho esto, logísticamente, distribuir desde España, y más a través de una editorial con las dimensiones de El Paramo, resulta difícil, por no decir imposible. Así que, si alguna editorial latinoamericana se interesa y desea hacer una oferta, aprovecho aquí para mostrar mi disponibilidad al respecto.

El escritor portugués  dijo alguna vez “El triunfo nunca ha sido un objetivo para mí", ¿lo es para usted?
Bueno, eso depende ya de lo que cada uno considere como su triunfo personal.  Desde ese punto de vista, y por mucho reconocimiento social que exista detrás, considero que el triunfo es siempre una cuestión meramente personal.
En lo que a mí se refiere, mi triunfo cotidiano consiste en tener la suerte de poder estar vivo, de hacer en gran medida lo que me gusta, de saberme más o menos bien de salud,  de gestionar bastante en qué quiero gasta mi tiempo para poder comer cada día, tener la gran suerte de poder vivir en una de las escasas zonas libres de conflicto del Planeta, de disfrutar al máximo de la gente que me rodea y a los que tanto aprecio, y de tener una conciencia más o menos clara de que la sociedad de consumo actual no sirve para hacer feliz a las personas. Y, para acabar de rematarlo del todo, tener la suerte de poder plasmar todas esas ideas y sentimientos en todos y cada uno de mis libros, y que alguien se interese por ellos. Un gran triunfo, sin duda alguna (al menos, para mí).

Y por último, parafraseando su obra, le pregunto: ¿Sigue enamorado de la Luna?
Sí, no hay nada más hermoso, sólo, o en compañía, que una buena luna que te permita soñar.


Si quieren saber más del autor o de su obra pueden pinchar los siguientes enlaces:


"Portugal pela Clarabóia" - Entrevista a Maria do Céu Guerra - Encenadora da peça de teatro "A Claraboia" Teatro A Barraca (Visão - 11/12/2015)

"Portugal pela Clarabóia" - Entrevista a Maria do Céu Guerra
Encenadora da peça de teatro "A Clarabóia" Teatro A Barraca (Visão - 11/12/2015)

A entrevista pode ser consultada e lida, via revista Visão, aqui
em http://visao.sapo.pt/jornaldeletras/teatroedanca/2015-12-11-Maria-do-Ceu-Guerra---Portugal-pela-Claraboia

Fotografias de Luís Rocha - Movimento de Expressão Fotográfica
Mais informação em http://www.mef.pt/mef/ 


"Um 'fresco' Portugal nos anos 50, visto através da Claraboia, o romance de José Saramago no palco de A Barraca estreou na quinta-feira, dia 10, no Cinearte, em Lisboa. Um espetáculo encenado por Maria do Céu Guerra, que abre um ciclo que a companhia vai dedicar ao Nobel da Literatura."

"O teatro em tempos de “austeritarismo” encolheu os atos e os “sonhos”. A Barraca quase acabou, com os cortes e os 40 mil euros de subsídio anual a que viu reduzida a existência. Farta de tanto aperto e míngua, Maria do Céu Guerra não quer poupar mais na “ousadia” de “fazer um espetáculo em grande”. Sentiu essa ânsia crescer página a página, capítulo a capítulo do livro de José Saramago que agora arrisca levar à cena: Claraboia, o romance póstumo do escritor, embora tivesse sido escrito em 1953. E atreveu-se a encená-lo, mesmo tendo que poupar em tudo menos em esforços e imaginação. Essa nunca é “pobrezinha”, como garante a atriz e encenadora."

"No palco, um prédio com seis casas dentro, um “mosaico” de quotidianos familiares, nos anos pardacentos do fascismo, e subterrâneo o conflito, as pulsões da condição humana. São 16 atores para dar corpo à narrativa de Saramago tornada diálogo, com a adaptação de João Paulo Guerra. Para a reconstituição desse tempo, o cenário criado por Costa Reis. Um espetáculo para ‘virar a página’ da austeridade. “Um pontapé na sorte”, diz Maria do Céu Guerra, consciente do risco da aposta. E sabe-se que a sorte protege os audazes."

Jornal de Letras: Que possibilidades teatrais descobriu neste romance de Saramago?
Maria do Céu Guerra: Foi Pilar del Río quem me ofereceu Claraboia, que sabia que tinha tido uma história editorial complicada. Quando o comecei a ler fiquei logo interessada no retrato que José Saramago faz das casas, das famílias, da vida naqueles anos pesados, mesquinhos, do Estado Novo.

Um retrato quotidiano do fascismo?
E sem nunca falar de repressão, de polícia ou mesmo aparentemente de política, a não ser pela boca de uma personagem, assumidamente oposicionista. Saramago consegue dar uma narração do fascismo branco. Isso entusiasmou-me e comecei a imaginar como seria possível pôr um prédio em cena, com seis famílias em simultâneo. A partir do meio, o livro começou a desafiar-me para o palco. E cada vez me apaixonava mais pela própria dificuldade desse exercício.

Fotografias de Luís Rocha - Movimento de Expressão Fotográfica

Que aguçou o engenho?
Estes anos de austeritarismo, como lhe chamo, dificultaram tanto a vida d’A Barraca que andamos a fazer reposições, um Tartufo muito austero, sempre a contar os tostões. Há dois anos estivemos mesmo para acabar. Só não aconteceu porque tivemos sempre a solidariedade do nosso público e houve uma petição entregue e aprovada na Assembleia da República reconhecendo o nosso trabalho, o que não nos trouxe mais dinheiro mas nos deu ânimo. Pensei muitas vezes que não me apetecia fazer mais nada, continuar a pensar só em coisas baratinhas, pequeninas. E sei que o público também gosta de qualquer coisa de espetáculo, o que é caro. Claraboia fez-me sentir vontade de correr esse risco.

É uma grande produção, com 17 personagens. Como foi possível?
A Pilar del Río ajudou-nos, não economicamente mas a abrir alguns caminhos, a chegar por exemplo ao Fundo de Fomento Cultural e a entreabrir algumas portas. Claro que foi uma dívida enorme que A Barraca contraiu e que só será capaz de pagar se o público vier ver a peça.

Uma ‘ousadia’ nos tempos que correm?
Foi um rasgo e avancei, apesar desses perigos. E teve o condão de me entusiasmar e apaixonar de novo. E sair da mediania. Já tenho esta idade e ainda muitos sonhos que quero realizar. A ousadia muitas vezes ajuda a dar um salto em frente. E é preciso.

Além das questões orçamentais, encenar Claraboia foi um quebra-cabeças?
Se foi. São muitas famílias, personagens, cenas, feitas ao mesmo tempo… E que têm que o ser em estilos diversos, porque são mesmo diferentes. Cada casa é uma casa, com o seu décor, as suas formas de relacionamento, pessoas que se cruzam nas escadas, que se veem e ouvem, uma que transporta o desgosto de ter perdido uma filha, duas irmãs com o amor pela música e pela rádio, um linotipista do Diário de Notícias sórdido, uma rapariga por conta e o seu protetor, um casal infeliz, com uma galega nostálgica e muito divertida… Foi obra não os deixar contagiar pelos ritmos uns dos outros.

E a narrativa de Saramago não levantou problemas especiais na transposição para o palco?
Não. É um romance com um fio ficcional ténue, a história surge naquele painel de vidas remediadas. No teatro, esse fresco é dado, mas o conflito vai-se insinuando como um réptil, através da calúnia, da mentira, dos defeitos dominantes daquele tempo, talvez de todos os tempos. Tudo o que vemos naquele prédio se calhar não está tão longe de nós.

É isso que procura sublinhar a sua encenação?
Interessou-me trabalhar precisamente esse lado dos conflitos das famílias, as histórias silenciosas das casas, aquilo que acontece portas adentro. Por isso, fazemos uma espécie de corte naquela casa maravilhosa, criada pelo Costa Reis, inspirado na casa onde nasceu, e convocamos os espetadores a serem voyeurs desses universos fechados. Gostei muito de fazer esta dramaturgia. Aliás, agrada-me muito a passagem da escrita narrativa para a dramática.

Porquê?
Já adaptámos muitos romances e seduz-me esse exercício de tornar as descrições didascálias, o narrativo ativo. E desta vez, sem recorrer a narrador, o que acontecia numa outra adaptação, A Balada do Café Triste, de Carson McCullers, uma peça de que gostei muito. E sem ninguém a narrar é mais difícil. São seis casas ativas na frente do público, como a espreitar pela claraboia, o verdadeiro olho de Deus, para o interior daquelas vidas. E vão ajudar-nos as roupas, os hábitos, o que se comia, como se vivia.

Fizeram uma verdadeira ‘reconstituição’?
Sim. E foi muito divertido recuar no tempo. E tenho a aspiração de que o público faça essa viagem connosco. Estamos muito contentes com o espetáculo. Por outro lado, o Hélder [Costa] há muito queria encenar O Ano da Morte de Ricardo Reis e decidimos fazer um ciclo José Saramago, que se prolonga pelo primeiro semestre do próximo ano.

Haverá mais textos de Saramago?
O Conto da Ilha Desconhecida, que vamos fazer em reposição. E gostaria muito que Claraboia ainda estivesse em cena quando A Barraca fizer 40 anos, a 4 de março