Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 29 de março de 2018

"Mafra promove-se pouco através de Saramago, 20 anos depois do Nobel" palavras do investigador Marcelo Gonçalves Oliveira ("SapoMag" e "DN", 23/02/2018)

A nótícia pode ser recuperada e consultada aqui
em https://mag.sapo.pt/showbiz/artigos/mafra-promove-se-pouco-atraves-de-saramago-20-anos-depois-do-nobel
e https://www.dn.pt/lusa/interior/mafra-promove-se-pouco-atraves-de-saramago-20-anos-depois-do-nobel---estudo-9139342.html

"Mafra promove-se pouco através de Saramago, 20 anos depois do Nobel"



"Museu de Escultura fechado há 44 anos no Palácio Nacional de Mafra quer reabrir
Mafra continua sem atrair turismo literário por manter fora da visita ao palácio e à vila a abordagem a José Saramago e à sua obra, 20 anos depois da atribuição do Nobel da Literatura, defenderam hoje investigadores.

“Se quiser ir a Mafra fazer uma visita ao palácio ligada a José Saramago não posso, porque, apesar de conhecer a sua obra e poder visitar o palácio ou a vila, falta algo que faça a ligação entre os dois”, afirmou à agência Lusa o investigador Marcelo Gonçalves Oliveira, que leciona a disciplina de Literatura e Destinos Culturais na Universidade Europeia.

No estudo intitulado “Mafra e Saramago. Estratégias de mediação entre um potencial Património Mundial da Humanidade e uma obra-prima literária do Prémio Nobel”, investigadores daquela universidade consideraram que Mafra só tem a ganhar com a promoção do destino através de Saramago e do romance “Memorial do Convento”, inspirado na história da construção do palácio e traduzido em 50 línguas.

Numa altura em que Mafra formalizou a candidatura do palácio a património mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, na sigla em inglês), os investigadores recordaram que a ligação do património à literatura universal é um dos critérios apreciados pela UNESCO, que distingue também as “Cidades da Literatura”.

“O facto de não haver referências a Saramago no palácio e na vila não prejudica a candidatura, mas se existissem poderiam beneficiá-la”, enfatizou Marcelo Gonçalves Oliveira.

As referências a Saramago e à sua obra resumem-se à Escola Secundária José Saramago na vila e, no palácio, à peça de teatro adaptada do romance por Filomena Oliveira e Miguel Real e encenada pela companhia Éter, assim como às visitas guiadas para as escolas, porque o escritor é estudado no ensino secundário.

Também as páginas na Internet do palácio e do município omitem a ligação de Mafra à obra de Saramago.

Como justificação, é apontado o facto de Saramago ser considerado um autor polémico pela sua orientação política e antirreligiosa e pela intenção de, no “Memorial do Convento”, “manipular” a história, fazendo do povo que participou na construção do monumento protagonista da narrativa em detrimento do rei João V.

Os investigadores defendem que a literatura pode promover experiências de visitação diferentes e recomendam que se recorra às novas tecnologias para incluir Saramago.

“Em vez de remeter para o escritor, pode remeter-se o ‘Memorial do Convento’, cujas personagens principais Baltazar e Blimunda são muito queridas de quem lê e acabam por representar a população de Mafra”, exemplificou Marcelo Gonçalves Oliveira.

De autoria de Marcelo Gonçalves Oliveira, Maria do Carmo Leal, Maria Isabel Roque, Maria João Forte, Sara Rodrigues de Sousa e Antónia Correia, o estudo foi realizado no âmbito de um projeto multidisciplinar sobre destinos turísticos ligados à literatura, que junta investigadores das áreas da literatura, museologia, antropologia, ‘marketing’ e turismo.

O projeto foi financiado pelo grupo internacional de ensino superior de que a Universidade Europeia faz parte.

A investigação foi dada a conhecer em abril do ano passado, em Coimbra, durante uma conferência da UNESCO.

Após a divulgação do estudo, foi anunciada uma rota cultural por Lisboa, Loures e Mafra inspirada em Saramago e no “Memorial do Convento”.

Em 2017, o Palácio de Mafra foi visitado por cerca de 378 mil pessoas."

Pilar del Río: "Cultura e feminismo são indissociáveis" ao "Portal Vermelho" (São Paulo - Brasil, 12/03/2018)

A entrevista de Verônica Lugarini para o "Portal Vermelho" (São Paulo - Brasil) de 12/03/2018 a Pilar del Río, pode ser recuperada e consultada aqui

"Companheira de anos do escritor português José Saramago, a jornalista, tradutora e presidenta da Fundação Saramago, Pilar Del Río conversou com o Portal Vermelho em sua passagem por São Paulo. Com opiniões fortes, Pilar falou sobre sua relação com a literatura: “Sou admiradora da generosidade sem limites que têm os escritores e as escritoras porque compartilham sua intimidade com os leitores”. E foi por essa admiração entre leitor e escritor que conheceu Saramago."

Pilar del Río: "Cultura e feminismo são indissociáveis"
Fotografia de Eduardo Zappia

"A presença de Pilar del Río no Tucarena em São Paulo tomou o espaço. Quando Pilar se levantou para falar, o silêncio e admiração se fizeram presentes. O evento aconteceu nesta última sexta-feira, 8 de março no Dia das Mulheres.

A voz suave e aveludada da companheira do já falecido escritor José Saramago (1922 – 2010) contrasta com as palavras fortes que carregam um discurso tanto político quanto poético. 

Com bom humor, começou dizendo o motivo pelo qual opta por falar apenas em espanhol, apesar de ter a tradução como ofício e ter vivido durante 22 anos com um português.

“Sou tradutora de português para espanhol, mas há uma maldição: os falantes de português nunca falarão espanhol e os falantes de espanhol nunca vão falar português. É impossível porque somos muito próximos e, portanto, sendo duas línguas tão próximas, é melhor que falemos nossas próprias línguas”, explicou Pilar.

Muitas vezes tratada como “viúva de Saramago” por jornalistas, Pilar é incisiva ao falar que viúva é uma palavra horripilante e que "não vivia com Saramago, vivia com o José".

A forma como Pilar e José se conheceram está à altura de romances, onde a escrita une dois amores que apenas esperavam pelo momento do encontro. 

A vida do casal rendeu o documentário intitulado José e Pilar (2010), onde Saramago conta: “Um dia de junho de 1986 telefona para minha casa em Lisboa, onde eu então vivia, uma senhora que dizia chamar-se Pilar del Río, de profissão jornalista, leitora minha e que queria, uma vez que viajaria a Lisboa, gostaria, se eu tivesse tempo, de conhecer-me. E eu disse que sim senhor".

Pilar o procurou porque gostava muito do livro O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984) e queria agradecer o prazer da leitura. Entre um café e uma visita ao túmulo de Fernando Pessoa a conexão estava feita e ela não seria rompida até a morte do escritor. Ainda hoje o vínculo é forte, pois Pilar preside a Fundação Saramago, mantendo a obra e as lembranças do escritor para a posteridade. 

Este ato de agradecimento que a fez conhecer Saramago é característico da tradutora e foi lembrado durante a entrevista ao Portal Vermelho quando questionada sobre sua ligação com a literatura. 

“Na literatura o que sou é leitora e admiradora. Sou uma pessoa que toda manhã quando acordo sempre digo: ‘Cinco razões para ver’. Preciso encontrar razões para ir além. Como leitora sou admiradora da generosidade sem limites que têm os escritores e as escritoras porque compartilham sua intimidade com os leitores. Me situo como leitora simplesmente, não sou uma produtora de literatura”, afirmou.

Indissociável da vida do escritor desde que se conheceram, Pilar sempre esteve conectada a vida e obra de Saramago. Pilar traduziu os livros do autor do português para o espanhol e neles, Saramago sempre se referiu a Pilar forma carinhosa, deixando claro que a aguardava para “sentir a quarta dimensão do amor”. 

Em sua dedicatória do livro As Pequenas Memórias (2006), por exemplo, ele escreveu: " A Pilar, que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”.

Desde 1986, ano em que se conheceram, Saramago publicou 10 romances durante sua vida e em mais da metade deles as dedicatórias são para Pilar. Em A viagem do elefante (2008) ele diz: “A Pilar, que não deixou que eu morresse” e em Caim, último livro publicado em vida (2010), ele escreve: “A Pilar, como se dissesse água”.

"Imagem do documentário "José e Pilar", 
do diretor Miguel Gonçalves Mendes (2010)"

Espanhola nascida em Sevilha em 1950, Pilar é feminista, comunista e ateia e se expressou com fervor em uma data que representa as mulheres e a luta por igualdade de direitos.

“Se nós mulheres pararmos, o mundo para. Para seguir sua órbita, o mundo precisa da força das mulheres(...). Queria dizer que precisamos do feminismo, precisamos de educação e precisamos de cultura porque é isso que somos. Somos uma voz que não se pode silenciar porque estamos estudando e porque sabemos que nossas armas não são os tanques, os fuzis, ou as armas, mas a cultura. Pois, com a cultura podemos ir mais longe”, disse aos ouvintes. 

Ao Vermelho Pilar explicou mais sobre essa reflexão:

“Todos nós, e todas as mulheres, sabemos que temos a obrigação e o dever de nos instruir, pois uma pessoa instruída é menos manipulável. E nós, mulheres, não fabricamos filhos para a guerra, nem para morrer. Queremos filhos que tenham cada vez mais capacidade de defesa. Por isso, acredito que a cultura e o feminismo são indissociáveis”. 

Questionada sobre como vê o papel da escritora nesse ambiente cultural de empoderamento feminino que levou ao aumento de publicação de livros de mulheres, Pilar citou Virginia Woolf (1882 – 1941), escritora inglesa que trabalhou questões políticas, sociais e feministas em suas obras.

“Virginia Woolf escreveu uma conferência, já publicada, que nos ensina: ‘Se a mulher não tiver um quarto próprio [em referência ao livro Um teto todo seu], dificilmente poderá escrever’. Porque a história da literatura passada não é uma história que respeitou as mulheres. As mulheres não podiam escrever, ou seja, a escrita não era feita para elas, assim como a música, a pintura, a escultura e não nos era permitido pensar e também não éramos filósofas”. 

“Ultimamente, nós mulheres, estamos ocupando o espaço. Efetivamente, a literatura é algo que se faz entre o papel e a pessoa, logo [as mulheres] têm muito mais dificuldade para publicar e quando publicam, a crítica faz muito menos caso. As escritoras estão piores colocadas e isso não é uma opinião, isso é um dado constatado. Ainda assim, nós mulheres, estamos ocupando um espaço, estamos escrevendo considerações e reflexões. E eu acho isso fantástico porque faz com que saibamos que vamos navegando contra a corrente. Ser mulher continua sendo muito difícil, mas a cada dia [estamos] mais conscientes de quem somos e nos movemos mais”.

Ainda no universo da literatura, Pilar citou escritoras que admira e novamente apareceu o nome de Virginia Woolf.

“Virginia Woolf, que citei agora mesmo, por exemplo. Outro livro é Americanah que é absolutamente maravilhoso [da autora Chimamanda Ngozi Adichie] e estão aparecendo muitas mulheres portuguesas como Lídia Jorge e Agustina Bessa-Luís. Também gosto de Lygia Fagundes Teles. Há escritoras mulheres que são muito interessantes porque têm sempre uma perspectiva distinta”.

Política 

Ainda em seu discurso para o público, na maioria mulheres, Pilar destacou o papel das mulheres latino americanas.

"Pilar del Río durante seu discurso no Tucarena em 8 de março de 2018"

“Uma coisa que se repetia na manifestação e na passeata era: A América Latina será feminista. Por que até agora, as mulheres participaram pouco na construção deste continente e, talvez por isso, esse continente esteja mal. (...) Está tão mal porque sempre houveram elites que governavam (...), elites que não deixaram as mulheres governarem”.

E citou mulheres que hoje estão na política como Michelle Bachelet, presidenta do Chile e Cristina Kirchner, ex-presidenta da Argentina e Dilma Rousseff, ex-presidenta do Brasil que sofreu um impeachment, que chegou ao poder com a proposta de dar continuidade à eficácia do serviço público. Entretanto, ser mulher e ter características femininas pesaram na hora do impeachment.

“Minhas queridas, somos o futuro e temos direitos, todos, mas também temos uma obrigação que é salvar os nossos países porque temos que salvar a humanidade e precisa ser agora, não depois de amanhã. Vamos acabar já com o poder patriarcal”.