José Saramago tinha uma característica, muitas vezes considerada incómoda.
Pensar. Reflectir. Ir buscar ao passado de... recuperá-lo, para um presente, e alertar com algum pessimismo e muito cepticismo o futuro.
Revista Visão
16 de Janeiro de 2003
José Carlos de Vasconcelos
O ser humano... de forma global
(...)
Enfim, como é o retrato do poeta enquanto jovem, aos 80 anos?
(risos) Em primeiro lugar, acho que sou uma boa pessoa (aliás, estou casado com uma mulher que não me permitiria que não o fosse...). Em segundo lugar, creio que o trabalho que estou a fazer tem uma qualidade, que não desmerece do que fiz antes: estou ainda com capacidade e O Homem Duplicado de alguma maneira o demonstra.
Sou uma pessoa feliz e ao mesmo tempo infeliz, ou pelo menos não tão feliz assim. Porque vivo neste mundo, vivemos todos, num mundo que não devia ser o que é. Não só injusto, mas cruel. Não percebo como é que após séculos e séculos, milénios até, de estudo, cultura, ciência, arte, filosofia, de todas as maravilhas que ficaram por aí, somos esta espécie absolutamente desprezível. Neste sentido, desprezo-me a mim mesmo por lhe pertencer. Ah!, tem gente maravilhosa, tem heróis, santos... Tem, mas como não são eles que governam o mundo... A bondade de hoje é alguma coisa que dá vontade de rir! E isso (basta-me pegar num jornal, saber o que se passa pelo mundo) dá-me um mal-estar todos os dias...
Por isso podemos dizer que esta casa é uma pequena ilha de harmonia onde vivem pessoas que estão bem e de bem uma com a outra; mas o mundo lá fora... Há quem vá vivendo conformado, ou dizendo que não pode fazer nada; outros, porém, em que, quase dá vontade de dizer: desgraçadamente, me incluo, não se conformam.
Quer dizer que hoje não és um homem de esperança, pelo menos com esperança?
Não. Não tenho nenhum motivo para ter esperança. No plano estritamente pessoal, podemos ter razões para isso. Mas se falarmos numa esperança que nos envolva a todos, ela não é possível num mundo como este. Como será daqui a 50 ou cem anos? Estamos no fim de uma civilização e não temos ideia nenhuma do que vem aí.
Nem sabemos se no futuro o ser humano terá alguma coisa a ver com o actual, ou se será outra coisa que deva passar a chamar-se de forma diferente. (...)
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