(Fotografia de João Francisco Vilhena)
"Sobre rostos e mãos:
Há quem fotografe rostos procurando nos seus traços o caminho para um espírito que se crê habitar por detrás deles; há quem se contente em captar a superfície plana e óbvia de uma beleza ou de uma fealdade inexplicáveis em si mesmas; há quem aceite deixar-se surpreender pela fotografia que fez, tal como espera que venha a surpreender-se o observador dela. Além de uma imagem, que será então o rosto para o fotógrafo? Um discurso, uma voz, uma pluralidade de discursos e de vozes? Expressivos até à fronteira do inefável, os rostos são o que mais facilmente mostramos e o que mais frequentemente ocultamos. Os rostos só são verdadeiramente autênticos quando desprevenidos: o medo, a cólera, um impulso que não pôde vigiar-se, exprimem a verdade total de um rosto. Em situações não extremas, o rosto é quase sempre, e só, um certo rosto referido a uma certa situação. E por isso que ele é capaz de revestir-se tão facilmente de expressões úteis, simulando um sentimento que não experimenta, uma emoção quando o pulso se mantém firme e o coração sossegado, um interesse quando está indiferente. Ou o contrário.
Sendo, sem dúvida, instrumentos da vontade, da necessidade ou do desejo, as mãos são, não obstante, incomparavelmente mais livres que o rosto. Compomos a expressão da cara, não guiamos a expressão das mãos, e, se em alguma ocasião o tentamos, não tarda que recuperem o seu autónomo modo de ser, contradizendo muitas vezes, sem que nos dêmos conta, o que o rosto, artificiosamente, quer fazer acreditar. Dizem os antropólogos que a elas, em grande parte, devemos o cérebro que temos. Não custa nada a crer que assim seja, tão fácil é saber o que um cérebro é, só por olhar o que fazem as mãos."
In, "Cadernos de Lanzarote Diário III"
Caminho, páginas 25 e 26 (22 de Janeiro de 1995)
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