Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

As Tentações de Santo Antão na obra "As Pequenas Memórias"




A referência de Hyeronimos Bosch surge n' "As Pequenas Memórias", 
página 36, ed. Outubro de 2006, Editorial Caminho.

(...) "A ambiciosa ideia inicial - do tempo em que trabalhava no Memorial do Convento, há quantos anos isso vai - havia sido mostrar que a santidade, essa manifestação «teratológica» do espírito humano capas de subverter a nossa permanente e pelos vistos indestrutível animalidade, perturba a natureza, confunde-a, desorienta-a. Pensava então que aquele alucinado Santo Antão que Hyeronimus Bosch pintou nas Tentações, pelo facto de ser santo, havia obrigado a que se levantassem das profundas todas as forças, as visíveis e as invisíveis, os monstros da mente e as sublimidades dela, a luxúria e os pesadelos, todos os desejos ocultos e todos os pecados manifestos. (...) 
De facto, se puséssemos uma criança qualquer, e logo um qualquer adolescente, e logo um qualquer adulto, no lugar de Santo Antão, em quê se expressariam as diferenças? Tal como ao santo assediaram os monstros da imaginação, à criança que eu fui perseguiram-na os mais horrendos pavores da noite, e as mulheres nuas que lascivamente continuam a dançar diante de todos os Antões do planeta não são diferente daquela prostituta gorda que, uma noite, ia eu a caminho do Cinema Salão Lisboa, sozinho como era meu hábito, me perguntou numa voz cansada e indiferente: «O menino quer vir para o quarto?»" (...)



Via Exposição Museu Nacional de Arte Antiga
http://www.museudearteantiga.pt/colecoes/pintura-europeia/tentacoes-de-santo-antao

Do Catalogo:

Assinado por Bosch, este tríptico integra os quatro elementos do Universo (céu, terra, água e fogo) tornando-os cenário de personagens horrendas.
Neste tríptico encontra-se a mais recorrente e central temática de Bosch: a tentação e a solidão do homem justo perante o mal e o diabólico que, de forma expressa no monstruoso e no híbrido ou sob uma falsa e provocadora beleza, domina o mundo terreno.

Nas faces internas, o tríptico mostra três passos da hagiografia de Santo Antão, tentado e seduzido pelos demónios até encontrar o caminho para a salvação através da experiência eremítica. Nas faces externas, visíveis com o tríptico fechado, situação em que normalmente se encontrava, são figuras populares e não demoníacas que acicatam e perturbam o caminho de Cristo da Prisão até ao Calvário; a sua monocromia ajuda a criar uma atmosfera estranha e luarenta, que sublinha a desolação da paisagem e acentua a inquietante certeza de um domínio generalizado do mal.

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