Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

"Deste Mundo e do Outro" - Saramago e as fortes referências dos avós maternos



José Saramago assume desde sempre a complexidade e a influência dos seus avós maternos, Josefa da Conceição e Jerónimo Melrinho, na sua construção enquanto homem e guias nos seus tempos da juventude na Azinhaga.

No livro de crónicas, "Deste Mundo e do Outro", editado em 1971 pela Editora Arcádia, esta influência vem numa sentida referência aos avós. Sentimento e interrogação.

Na 3.º edição de 1986 - Editorial Caminho, páginas 27 a 31

"Carta para Josefa, minha avó»
"Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. (...)
(...) Não sabes nada deste mundo. (...) És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. (...)
(...) Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. (...)
«O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!» É isto que eu não entendo - mas a culpa não é tua."

"O meu avô, também"
(...) "Vem cansado, o velho. Arrasta consigo setenta anos de vida difícil, de desconforto, de ignorância. E, contudo, é um homem sábio, calado e metido consigo, que só abre a boca para dizer as palavras importantes, aquelas que importam. (...)
(...) Só isto - e também o gesto que de repente me põe de pé e a urgência da ordem que enche o quarto aquecido onde escrevo."

Este assunto é confortavelmente retratado com diversos episódios em "As Pequenas Memórias", mas aqui se vinca a importância da forte presença dos seus avós maternos.

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