A alegoria da Caverna de José Saramago, é inspirada na acelerada mutação da sociedade agrícola e mais rudimentar, numa vivência industrializada baseada na criação da produção em massa, intensiva, global e asfixiante, em que o homem enquanto ser social consome de foram viciada e dependente sem questionar.
Este espaço comercial em construção, à entrada da cidade de Lisboa (capital e alusão a uma metáfora superior no espaço e tempo de uma sociedade), pela sua brutal dimensão e oferta de produtos e serviços ao dispor dos visitantes, foi o mote para a reflexão que Saramago propôs construir.
A co-relação entre a alegoria proposta por José Saramago, com uma vincada índole consumista e política, da alienação do homem social aos ditames de interesses corporativos sobre as massas, faz a ponte com a milenar e original metáfora de Platão, na "República", "Livro VII" - "Alegoria da Caverna".
Aqui, Platão, à luz da sociedade organizada da antiga Grécia, preocupava-se em teorizar sobre a "prisão" do ser humano, enquanto ser pensante e eventualmente auto-exilado em si.
Platão conjuntamente com os seus discípulos, alerta e debate sobre a capacidade do homem de então, poder pensar por si e com os seus (outros) em comunidade. Pensar, discutir, propor, decidir e acima de tudo poder questionar.
Saramago, adopta e assume este princípio de Platão (e outros seguidores, desde então até esta data, assumindo esta capacidade filosófica com muitas centenas de anos) e acrescenta à metáfora a consciência política e económica de Marx e Engels. O homem que sob o trabalho escravo, sob a miséria das relações laborais, perde a sua condição pessoal e social de independência; ao mesmo tempo, não questiona, não assume a ruptura em conjunto com os seus demais, e deixa-se subjugar.
Acima de tudo, "A Caverna" é o espelho da viciação do ser humano.
(...) Um dia, à entrada de Lisboa, aonde regressava vindo do norte, vi, ao lado da estrada, um grande cartaz que anunciava a próxima abertura de um novo centro comercial. Imediatamente, a imaginação desenhou na minha mente uma escavação profunda, da qual se levantava um edifício de dimensões enormes, de muros potentes, como uma fortificação gigantesca. Acabava de nascer "A Caverna", que é a visão de um mundo possível, onde os seres humanos quererão habitar no interior dos mesmos espaços comerciais que lhes vendem o que necessitam ou creem necessitar. É uma metáfora da vida nos países desenvolvidos ou que, não o sendo, se enganam a si mesmos em virtude de uma prosperidade apenas aparente, e é também uma alegoria: "A Caverna" retoma o mito platónico e por isso a epígrafe que abre o livro e diz. «Que estranha cena descreves e que estranhos prisioneiros, São iguais a nós». O que "A Caverna" faz é perguntar ao leitor:
«Seremos nós como os prisioneiros da Caverna de Platão que acreditavam que as sombras que se moviam na parede eram a realidade?
Estamos vivendo num mundo de ilusões?
Que temos feito do nosso sentido crítico, da nossa exigência ética, da nossa dignidade de seres pensantes»? (...)
Fundação José Saramago
Página 40
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