Link, em http://www.publico.pt/culturaipsilon/jornal/divara-e-uma-opera-estremecedora-160260
Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez, Belisario Betancourt, José Saramago
e Eloy Martínez (foto Victor Serra, 2004)
"Divara é uma ópera estremecedora"
"É diplomata, professor em Harvard e escritor consagrado (prémios Cervantes, Príncipe das Astúrias, Picasso, entre muitos outros). Acaba de entregar à editora francesa Grasset o original de um novo livro, onde fala de tudo - da política, da religião, do sexo, da família, da globalização. Carlos Fuentes, 72 anos, é também um apaixonado de ópera. De férias por uma semana em Portugal, onde veio pela primeira vez nos anos 50, o "Público" descobriu-o esta segunda-feira, no Teatro Luís de Camões, em Lisboa, no espectáculo de encerramento da temporada lírica do Teatro Nacional de São Carlos. Ao lado de José Saramago, o escritor mexicano assistiu, entusiasmado, à última representação da ópera "Divara - Água e Sangue", de Azio Corghi, baseada na peça "In Nomine Dei", que o Nobel português escreveu a pedido do Teatro de Münster, em 1993.
Carlos Fuentes, refere:
«É emocionante, estremecedora. Não faz concessão nenhuma. Nem lírica, nem romântica. Há uma coincidência total, uma fraternidade bárbara entre o tema, a música, a interpretação. Não se separam em nenhum momento: a representação não se separa do tema, a música não se separa do tema, e este não se separa da música, de modo que fazem uma unidade perfeita sobre a cegueira, a intolerância que caracterizou a história dos homens. Temos um lado de luz e um lado obscuro e quando este lado aparece é realmente a noite que aparece.»
P - A acção desenrola-se no século XVI. Acha que tem actualidade?
R - A violência é sempre actual. A imposição de dogmas é actual. Tudo coisas que é bom ir recordando para que não se repitam, embora, na verdade, se repitam.
P - E a figura da mulher, nesta ópera?
R - São os seres mais poderosos. Quatro mulheres estão sentadas no final e são como uma coluna, o centro do universo nesse momento.
P - Já conhecia a peça?
R - Sim, claro.
P - O espectáculo corresponde à leitura que fez da peça?
R - É perfeito.
P - A reacção do público hoje [como na representação anterior] não foi muito calorosa...
R - Nem podia ser. Não se enfrentam acontecimentos como estes facilmente. Não se lhes pode responder como se responde à "Madama Butterfly"...
P - É amante de ópera. Qual foi a última a que assistiu?
R - Tive o enorme gosto de ver num espaço de dois meses, imagine, no Metropolitan de Nova Iorque e em Glyndebourne, Inglaterra, a ópera "O Caso Makropulos" do [compositor checo Leos] Janacèk [apresentada em Portugal na Lisboa 94]. Em duas interpretações diferentes. Uma grande experiência. Antes desta...
P - Está de férias em Portugal?
R - Sim, vim com a minha mulher. O embaixador do México [escritor José María Pérez Gay, de quem acaba de sair no México "Tu nombre en el silencio", Leon y Cal editores] é um velho amigo nosso e não podíamos perder a oportunidade de ver Saramago, Pilar e a ópera.
P - É a primeira vez que vem de férias a Portugal?
R - O meu pai foi embaixador do México aqui, nos anos 67, 68. E antes já cá tinha estado. Foi a primeira cidade europeia que conheci. Vim directamente para aqui, nos anos 50. Impressionou-me esta extraordinária mescla do mundo mediterrâneo, árabe, lusitano. Ela mostrou-me desde o primeiro momento uma Europa já mestiça, nesses anos 50. Tenho muitas recordações de Portugal, muitas leituras.
P - Essa Lisboa dos anos 50, reencontrou-a agora?
R - O perfil urbano sim, mas felizmente a situação política mudou. Esta ópera não podia ter sido representada sob Salazar. Havia sempre um censor sentado a ver o que se ia dizendo e representando. Nós riamo-nos, os intérpretes riam-se dele, ele ria-se um pouco, era de certo modo uma ditadura branda. O país mudou.
P - E a cidade?
R - Mal acabo de chegar, não a vi ainda. Sinto que há um perfil novo, moderno, mas parece-me que a cidade de sempre está aí. Essa Lisboa antiga não desapareceu, felizmente.
P - O que vai fazer durante estas férias em Portugal?
R - Ler, apanhar sol, nadar. Acabo de terminar um livro.
P - Como se chama?
R - É um livro de uma série francesa, da editora Grasset, chamada "Ce Que Je Crois". Iniciou-a François Mauriac, há 40 anos. O escritor diz o que pensa, naquilo em que crê.
P - Religião, política, globalização?
R - Fala-se de tudo: literatura, sexo, família, filhos, política. Fi-lo por ordem alfabética - amizade, amor, Balzac, beleza, Buñuel, ciúmes. Também globalização...
P - O que diz da globalização?
R - Que ela está aí. E que não vai desaparecer. O desafio é convertê-la em algo que sirva o ser humano. Não que o esmague e o aliene, como está a fazer. O Renascimento foi globalização. E o descobrimento da América. Vasco da Gama foi um globalizador. Faz parte de um fenómeno que temos que dominar. Não está sujeito à política, não está sujeito a leis e isso é o que a faz tão ameaçadora. É um mercado tão desbocado que não tem nenhum limite, nenhuma lei que o domine. (...)
P - O que disse a José Saramago no final do espectáculo?
R - Que intensidade! Que intensidade!..."
Por Adelino Gomes, publicado no "Público" a 28/07/2001
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