(edição da Editora Caminho)
Terminada a leitura da "Viagem a Portugal", e compiladas cerca de 340 entradas de interesse, sob a capa do compasso dos tempos do "Viajante", retenho a profunda convicção do respeito e sentimento da necessidade de preservação deste património, que José Saramago, tinha pelas artes deste país. Quem percorre o país de lés a lés, no ido ano de 1981, data da publicação da obra para o Circulo de Leitores, absorveu um "mundo" diferente do que hoje existe.
Tenho-me perguntado durante este trajecto de leitura:
«Este é o Portugal de 1981. Como será o Portugal de 2015?»
Alguns factos permitem olhar para esta leitura, vislumbrando um Portugal passado, com quase 35 anos de distância e que desde essa data muita coisa mudou. Terá sido a evolução dos tempos e dos novos conhecimentos benéficos para esta temática?
Por exemplo:
- A paisagem do interior estará mais desertificada.
- Os caminhos estão mais directos, por obra das múltiplas auto-estradas construídas e que tornaram os pontos distantes mais próximos, mas também, votaram os pontos interiores ao abandono.
- A falta de protecção, os roubos da arte sacra e o vandalismo crescente a que estão continuamente sujeitos estas centenas de lugares que a obra descreve, muito por culpa do abandono das vilas e aldeias do interior e também do desinteresse das tutelas locais, regionais e nacionais, facilitando este desconforto no facilitismo com que se rouba e destrói.
- A paisagem rural está desertificada, onde que as antigas explorações agrícolas são tornadas em mato abandonado, ou, dizimadas pelos fogos florestais de todos os anos. Isto é também um alerta da politica de pressão que torna as grandes cidades como fonte de eventual oportunidade para as populações, relegando as aldeias para os velhos que morrendo ficam novos povoados em ruínas.
A leitura da "Viagem a Portugal", é um maravilhoso roteiro de arte, de história, de fulgor de outras eras, mas também poderá ser um documento de demonstração da contradição com a necessária intervenção humana na organização e preservação do território nacional.
Passando pelo norte e centro de um românico vibrante e verdejante, José Saramago, desce até à planície amarelada da cultura rural do Alentejo e continua pelas terras do Algarve. Aqui a (já) pressão turística cria nitidamente muitos anticorpos no Viajante. Parado numa falésia da Ponta de Sagres, regressa a casa. O que viu uma vez deve ser visto mais vezes, como refere no apontamento das visitas que fazia regularmente ao Museu Nacional de Arte Antiga, onde reservava cada incursão para uma única sala, chegando mesmo a alegar que tamanha quantidade de obras de arte não podem ser vistas em barda, sob prejuízo de muito ficar por ver e do muito que se vê, pouco se aproveitar, tal como, é uma afronta ao que não visto merece o mesmo respeito que o restante.
Este Saramago, o "Viajante", ateu convicto mas imbuído de um enorme sentido de religiosidade, criador do "Levantado do Chão" da família Mau-Tempo, e que, após este ano de 1981, dará vida e imortalidade em Blimunda e Baltasar, este "Viajante" mal sabia que caminhos viria a criar pelo mundo fora.
O roteiro da minha leitura, chegará nos próximos dias através de um longo e quiçá pachorrento elencar de lugares sem a graciosidade dos que baseados na obra foram superiormente descritos, e aqui, estes transmitirão as minhas sensações recolhidas, talvez apreciadas, mas será o que consegui reter.
Miguel de Azevedo
Miguel de Azevedo
Aqui ficam as últimas palavras da "Viagem a Portugal".
"O Viajante volta já".
"Não é verdade. A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: «Não há mais que ver», sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já."
(Caminho, 11.ª edição, página 387)
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