Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quinta-feira, 28 de maio de 2015

"Dispostos em cruz" a poesia de José Saramago cantada por Luis Pastor


Musicado por Luis Pastor, do álbum "Nesta Esquina do Tempo"

Poema de José Saramago, em "Provavelmente Alegria"
Caminho, 3.ª Edição, páginas 90 e 91

«Dispostos em cruz»

Dispostos em cruz desfeitos em cruz
em cada caminho três portas fechadas
um vento de faca um resto de luz
o espanto da morte nas águas cortadas

Um corpo estendido um ramo de frutos
um travo na boca da boca do outro
o branco dos olhos o negro dos lutos
o grito o relincho e o dente do potro

As feridas do vento as portas abertas
os cantos da boda no ventre macio
as notas do canto nas linhas incertas
e o lago do sangue ao largo do rio

O céu descoberto da nuvem da chuva
e o grande arco-íris na gota de esperma
o espelho e a espada o dedo e a luva
e a rosa florida na borda na berma

E a luz que se expande no pino do Verão
e o corpo encontrado no corpo disperso
e a força do punho na palma da mão
e o espanto da vida na forma do verso

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