Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

"Para onde vai a música?" em os "Cadernos de Lanzarote Diário III" - 3 de Fevereiro de 1995

"Para onde vai a música? Isto me perguntava enquanto ouvia, no auditório dos Jameos del Agua (esse assombroso tubo vulcânico onde se diria que os sons estão a desprender-se da própria rocha), a 3'. Sinfonia de Henrik Górecki, um compositor polaco nascido em 1939, de quem não tinha tido notícia até hoje. Segundo o calendário, esta música, sendo de 1976, é contemporânea, mas o que está claro, mesmo para um mal informado como eu, é que a sua estética flutua por cima das épocas todas, com preferência pelo canto gregoriano e por uma espécie de neoprimitivismo modal. O mais curioso, porém, é esta composição de Górecki ter-se transformado em autêntico objecto de culto nos dois ou três últimos anos, principalmente, ao que parece, entre o público jovem. Que não era o que se encontrava nos Jameos del Agua: oitenta por cento da assistência compunha-se de turistas idosos, para quem qualquer música provavelmente serviria, desde que o concerto estivesse incluído no programa de animação da agência de viagens... Não sei se gostei do que ouvi, precisaria de pelo menos uma audição mais para pôr alguma ordem nas minhas contraditórias impressões. Em sentido rigoroso, clássico, do termo, não se trata de uma sinfonia: o que Górecki nos propõe são três andamentos (lento: sostenuto tranquilo ma cantabile, largo: tranquilissimo, cantabilissimo, dolcissimo, legatissimo, e lento: cantabile semplice), com participação vocal, em todos, de um soprano. Como pode isto agradar a um público criado a biberões de rock duro, é para mim um mistério. A peça tem como subtítulos Dos Cantos de Aflição ou Das Lamentações, e é, se não me equivoco demasiado (caso bem fácil de acontecer), menos uma sinfonia, ainda que em amplíssimo sentido, que uma cantata para voz solo. Vou escrever ao Mário Vieira de Carvalho. Nestes casos , como se dizia na aldeia, o melhor, sempre, é ir a fonte limpa." 

in, "Cadernos de Lanzarote - Diário III
Caminho, páginas 34 e 35

Aqui fica a obra em questão


Pode ser visualizada via YouTube, aqui


"This is the complete version without any cuts of the third symphony by Henryk Górecki.
Composer : Henryk Mikołaj Górecki - 1933 - 2010 (Polish).
Composition : Symphony nº3 - Symphony of Sorrowful Songs (1991).

Movement List:
00:00 - Movement : I - Lento, Sostenuto tranquilo ma cantabile
26:47 - Movement : II - Lento e Largo, Traquillissimo.
36:32 - Movement : III - Lento - Cantabile, Semplice"

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