Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Inquéritos e dicas... Escolhas de Saramago para o Público e Expresso (05/04/1994)

in, "Cadernos de Lanzarote Diário II"
Caminho, páginas 85 e 86



5 de Abril de 1994

"Mal refeito ainda da viagem de regresso, tive de decidir-me a responder, enfim, aos inquéritos do Público e do Expresso, ambos sobre o vigésimo aniversário do 25 de Abril. A Vicente Jorge Silva, que convidou «vinte personalidades representativas dos mais variados sectores e quadrantes da vida nacional» a escolherem «os dez melhores e os dez piores acontecimentos, situações e fenómenos registados» desde a revolução, respondi brevissimamente: que o pior do 25 de Abril foi o 25 de Novembro; que o pior de Otelo foi Saraiva de Carvalho; que o pior de Vasco Gonçalves foi Vasco Lourenço; que o pior do Primeiro de Maio foi o Dois de Maio; que o pior da Reforma Agrária foi António Barreto; que o pior da Descolonização foi Agora Amanhem-se; que o pior das Nacionalizações foi Salve-se Quem Puder; que o pior da Reforma do Ensino foi Não Haver Ensino; que o pior da Liberdade de Expressão foi ser Liberdade Sem Expressão; que o pior da Democracia (até agora) foi Cavaco Silva. E a Joaquim Vieira, que me pedira 125 palavras sobre as circunstâncias em que recebi «a notícia de que estava em curso o derrube do Estado Novo» e «as recordações mais marcantes do período que se seguiu, até finais de 1975», dei-lhe rigorosamente as palavras pedi-das, que assim rezam: «Nesse mês dormi algumas noites em casas de amigos não marcados pelo regime. Vários camaradas meus haviam sido presos, a minha vez podia não tardar. Passei uns dias em Madrid, mas, como a polícia não se "manifestou", regressei a Lisboa. Vim a saber depois que a minha prisão estava marcada para o dia 29... Numa reunião na Seara (ouviam-se ainda tiros nas ruas) fui encarregado de escrever o editorial para o primeiro número "livre" da revista.» E rematei: «Não esquecerei o Primeiro de Maio, nem o 26 de Setembro, nem o 11 de Março, nem a Assembleia do MFA em Tancos, nem os meses em que fui director-adjunto do Diário de Notícias. Não esquecerei o Alentejo nem a Cintura Industrial. Não esquecerei o que então chamámos Esperança.» 
Suspeito que não terão apreciado as respostas nem o tom em que foram dadas. O caso é que inquéritos destes me irritam pela sua inutilidade. Servem para encher papel." 

Sem comentários:

Enviar um comentário