É unânime afirmar-se que só as grandes obras literárias merecem ser adaptadas em outros formatos.
Seja no teatro ou cinema, banda desenhada ou pinturas. O "Memorial do Convento" foi publicado em 1982 e já teve 54 edições, a última das quais em 2014 pela Porto Editora, e traduzido para um número de países que torna a obra com carácter universal (http://www.josesaramago.org/memorial-do-convento-1982/).
Aqui recupero e destaca-se a obra do artista plástico José Santa-Bárbara, "Vontades Uma Leitura de Memorial do Convento" que o Professor Carlos Reis, também estudioso da obra de José Saramago, deu especial destaque e relevo.
Das suas palavras e que podem ser consultadas no site "Figuras da Ficção", em https://figurasdaficcao.wordpress.com/category/jose-santa-barbara/ deixo com a devida referência ao autor o seguinte:
(Capa do catálogo Vontades)
«A 19 de agosto de 2001, foi inaugurada na Biblioteca Nacional, em Lisboa, uma exposição do artista plástico José Santa-Bárbara, intitulada Vontades. Uma Leitura de Memorial do Convento.
O motivo e os temas da exposição eram evidentes: o pintor fizera uma leitura de Memorial do Convento e as obras exibidas traduziam, num outro medium, o resultado dessa leitura. Recordo brevemente o que foi a mencionada exposição (que à época conheceu assinalável êxito de público), tal como o catálogo a testemunha: trata-se de 35 telas, compreendendo 11 estudos, com uso de diferentes técnicas e predominância do óleo e da têmpera vinílica sobre papel colado; todos os estudos recorrem ao pastel, com uma exceção (uma aguarela). A feição geral das obras revela-nos um conjunto de figuras com rostos alongados, individualmente e em grupos, pintados em cores sombrias e envoltos por uma atmosfera pesada e dramática.
Um dos episódios mais importantes da obra - O desfazer do jejum de Blimunda
Trata-se, neste conjunto pictórico, sobretudo de personagens, para usar um conceito que provém do romance e que aqui é pertinente. E parece estranho, à primeira vista, que nenhum dos quadros fixe a monumentalidade do convento que dá título ao romance: ele aflora apenas e de forma parcelar ou implícita em episódios (e em telas) como, por exemplo, “A ara de Cheleiros”, “Infanta gatinhando”, “Os fazedores do capricho” e sobretudo “Os passatempos d’El-Rei”. Para além disso, o pintor fixou-se em temas e em contextos que, articulando-se com as personagens, desde logo sugerem o reiterar de componentes ideológicos que semanticamente estruturam a história contada no romance: o esforço anónimo dos operários, os cenários da Inquisição, a construção da passarola voadora. Aqueles componentes ideológicos e também, naturalmente, o tempo histórico em que transcorre a acção do Memorial do Convento, ou seja, o século XVIII português e o reinado de D. João V, que a História, digamos, oficial fixou com o cognome de Magnânimo.
Ilustração do Rei Dom João V
Encontram-se no catálogo Vontades. Uma Leitura de Memorial do Convento breves textos que constituem uma boa abertura para a análise de um diálogo desenvolvido em função da triangulação História-ficção-pintura. Num deles, é o próprio pintor quem nota que Saramago “deu nome aos fazedores do capricho, João Francisco, João Elvas, Manuel Milho, Julião Mau-Tempo, José Pequeno, Francisco Marques, Joaquim da Rocha, Baltasar Mateus, Blimunda”; e logo depois cita o conhecido passo do Memorial do Convento em que são alfabeticamente elencados os nomes dos tais fazedores: “Torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende, Alcino, Brás, Cristóvão, Daniel, Egas, Firmino, Geraldo…”
Baltasar Mateus o Sete-Sóis e Blimunda a Sete-Luas
Ou seja, todos os nomes, sem título de distinção social ou apelido de família, remetendo-se deste modo e por antecipação para a lógica da nomeação do desconhecido que reencontraremos num outro romance de Saramago, precisamente Todos os Nomes (1997). Por fim: “Aqui fica a minha «leitura» d’aquilo que para mim é a verdadeira História” (Santa-Bárbara, 2001: [4]). Como quem diz (repare-se nas aspas): há uma «leitura» outra, que não é modelizada em palavras, mas em imagens, e a “verdadeira História” requer a questionação (ideológica, bem entendido) da versão oficial que uma outra História tratou de instalar no imaginário que dela se alimentou.
Carlos Reis (A publicar em ANTHROPOS. Cuadernos de cultura, crítica y conocimiento. Ilustrações do cabeçalho: pormenores de quadros de Vontades). - 28/12/2012
Baltasar Mateus
Para mim, foi muito oportuno descobrir este "post", neste momento em que estou a ler o livro, acrescentando assim uma outra leitura... Gosto muito das obras plásticas de Santa-Bárbara. E agradeço ao autor do blogue a sua publicação.
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