Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

sábado, 16 de janeiro de 2016

Revista Espacio/Espaço Escrito, #9/10 - Texto de Saramago sobre Goytisolo (Cadernos de Lanzarote Diário II) 27/05/1994

(Capa da edição)


27 de Maio
"Com mais de um ano de atraso, saiu finalmente o número 9/10 da revista Espacio/Espaço Escrito, de Badajoz, que Ángel Campos Pámpano, seu director, resolveu dedicar a Juan Goytisolo, e, generosamente, também a mim. Por ideia de Angel Campos, cada um dos agraciados escreveu um texto de apresentação do outro, o que, com outra gente, poderia descambar numa hipócrita e ridícula troca de galhardetes. Eis o que escrevi sobre Goytisolo: 

Carlos Fuentes, José Saramago e Juan Goytisolo 
em Santillana del Mar / EFE (12/06/2007)

«Foi há quase trinta anos, precisamente em Novembro de 1964, que Juan Goytisolo se deu a conhecer aos leitores portugueses, em especial aqueles que só pela facilidade relativa de uma tradução podiam aceder à literatura espanhola de então. Numa colecção - a "Contemporânea" - que já levava cinquenta e nove volumes publicados, de autores portugueses e estrangeiros, aparecia, pela primeira vez, o nome de um romancista espanhol, que o editor apresentava como pertencente "à notável geração realista dos 50, substancialmente crítica, antifascista e liquidadora de mitos". Era o livro "Duelo en el paraíso", traduzido, adequadamente, para "Luto no Paraíso". Não me recordo agora, nem tenho ao meu alcance maneira de o confirmar, se mais livros de Juan Goytisolo foram depois publicados por esse ou outros editores. O que, sim, sei, é que, após a leitura de Luto no Paraíso, perdi durante muitos anos o rasto literário de Goytisolo. Quando, mais tarde, em virtude de razões que não vêm ao caso, fui levado a conhecer de perto a actualidade cultural espanhola, reencontrei, inevitavelmente, o autor que havia perdido, o qual, entretanto, tinha vindo a construir uma obra ampla e poderosa, caracterizada por sucessivas rupturas, tanto temáticas como estilísticas, e eticamente marcada por uma implacável revisão axiológica. Não foi pequeno nem fácil o trabalho de colocar-me mais ou menos em dia com a obra do recuperado autor: apenas posso dizer que estou perfeitamente inteirado da diversidade de níveis de percepção que tal obra em si mesma, impõe e logo exige do leitor. 

Carlos Fuentes, José Saramago e Juan Goytisolo 
em Santillana del Mar (12/06/2007)

«Um dia, não recordo quando nem onde, coincidi com Juan Goytisolo em um desses encontros ou congressos, aonde, e talvez com demasiada frequência, por mal dos nossos pecados, nos deixamos levar. Alguém nos apresentou, uma dessas apresentações fugidias, formais, que para nada servem. A verdadeira apresentação foi por nossa própria conta que a fizemos, de cada vez que circunstâncias semelhantes voltaram a reunir-nos. Não temos conversado muito, Juan Goytisolo e eu, mas mantemos desde há alguns anos, ora falando do estrado ora ouvindo na plateia, um diálogo que só aparentemente se interrompe, reconhecendo-nos mutuamente, nessa peculiar conversa nossa, a par de diferenças e divergências acaso irresolúveis, uma comunhão de sentimentos e ideias dificilmente traduzível por palavras (digo a comunhão, não os sentimentos e ideias, que para esses sempre palavras se achariam), mas que eu designaria, sem nenhuma pretensão de rigor, por uma consciência muito clara, e não raro dolorosa, da responsabilidade de cada ser humano perante si próprio e perante a sociedade, tomada esta, não como uma abstracção cómoda, mas na sua realidade concreta de conjunto de indivíduos e de pessoas. Por isto, e o muito que ficará por explicar, direi que vim a reencontrar Juan Goytisolo quando mais precisava dele, quando mais precisava de sentir-me acompanhado, mesmo de longe, mesmo com longos intervalos, por uma voz fraterna e justa.» 

in, "Cadernos de Lazarote - Diário II"
Caminho, Páginas 127 a 129 (27/05/1994)




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