Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

domingo, 19 de junho de 2016

"Nos seis anos da partida de José Saramago" do professor Carlos Reis

O presente texto, pode ser recuperado e consultado, através do site "Figuras da Ficção" do professor Carlos Reis, aqui
em https://figurasdaficcao.wordpress.com/2016/06/18/a-personagem-segundo-saramago/
Palavras proferidas no elogio fúnebre (20/06/2010) 

"Nos seis anos da partida de José Saramago" - Professor Carlos Reis

"Das personagens de José Saramago, magistral inventor de ficções que ecoam no quotidiano palpável das nossas vidas, bem podemos dizer que são mestres do escritor e nossos mestres, sempre que nas suas ações, nos seus rostos e nas suas palavras reencontramos a sabedoria de homens e de mulheres legitimados pela  autonomia e pela incondicional possibilidade que a  ficção lhes confere; homens e mulheres chamados Baltasar e Blimunda, Ricardo Reis e Bartolomeu Lourenço, Raimundo Silva e José,  Maria Sara e Oriana, Lídia e Maria de Magdala, Joana Carda e Cipriano Algor,  o elefante Salomão e o seu cornaca, Tertuliano Máximo Afonso e António Claro,  sua cópia exata e duplicada – ou vice-versa.   E mesmo quando o nome não está lá – como em Ensaio sobre a Cegueira e em Ensaio sobre a Lucidez – é a sua omissão, como falso anonimato,  que alegoricamente projeta  os homens e as mulheres da  ficção sobre o mundo real em que revemos dramas e conflitos ficcionais identificados como  nossos e porventura com os nossos nomes.  Citando um título conhecido: identificados com Todos os Nomes que no nosso mundo se encontram; ou ainda, lembrando palavras do escritor, no discurso de Estocolmo: “Não escritos, todos os nossos nomes estão lá.”  
José Santa-Bárbara, "Os fazedores do capricho"

São estas figuras e outras mais (sem esquecer um cão chamado Constante), com nome inscrito ou sem ele, que nos provocam  (provocare: chamar para fora),  ao mesmo tempo que nos  propõem sentidos que os transcendem e que nos transcendem, sob o signo do poder subversivo da linguagem. É esse poder que José Saramago invoca, quando um  minúsculo e redondo vocábulo – um simples não – suscita a  reconstrução histórica  de um universo afinal fragilizado por esse poder subversivo; e é ainda em clave de subversão que o romancista enuncia a alegoria da fratura e da deriva, engenhosa indagação ficcional do destino ibérico; ou a metáfora do regresso e do reencontro com a pátria, sentidos camonianos mas também, à sua maneira,  pessoanos; ou a imagem do coletivo e do seu poder redentor, no termo de  um processo histórico  que conduz à libertação dos levantados do chão; ou a imagem da construção e a sugestão ascensional que a confirma, quando se ergue  o convento que a vontade real idealizara, ao mesmo tempo que a passarola voa; ou a representação da cegueira coletiva em que se surpreende uma condição humana degradada na repulsiva violência do seu egoísmo. Isso tudo e também o árduo trajeto da existência humana, a dissolução da identidade, a contestação da ortodoxia religiosa, a celebração da rebeldia, a revisão da palavra bíblica, a questionação da culpa ou a  denúncia da arbitrariedade divina."
(Extrato do elogio fúnebre; Lisboa, 20 de junho de 2010)

O
Post do Facebook, 18/06/2016

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