Sobre os 30 anos da publicação de "A Jangada de Pedra"
O presente texto de Pilar del Río, está publicado na edição #54 (Novembro de 2016) na revista digital "Blimunda" e pode ser consultada através da página da Fundação José Saramago aqui,
Páginas 108 a 110
"Em Novembro, a Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL), México, abrirá as suas portas com um convidado de honra tão grande quanto um continente, nada mais nada menos do que a América Latina. O motivo para tão sonoro convite tem a ver com a história da Feira, que este ano completa os seus primeiros trinta anos de vida. Os mesmos que o romance de José Saramago, A Jangada de Pedra, que nasceu em Portugal, em 1986, para dar início a uma navegação que não termina, porque os seres humanos, às vezes sem serem de todo conscientes, desejamos a aventura do encontro, de uns com outros e, oh, a magia da literatura, entre continentes. Por isso A Jangada de Pedra tinha que estar na FIL no dia de abertura, na tarde de 26 de Novembro: que bom dia para uma cerimónia levantada e principal.
A urgência da viagem fez-se tão evidente que José Saramago, para satisfazer tanta inquietação, não teve mais remédio senão lançar ao mar a terra que habitava, e assim escreveu sobre a viagem da Península Ibérica em direção à América Latina. Não fugia, ao contrário do que muitos entenderam, simplesmente apostou no poder da razão. A Península Ibérica separada do resto da Europa – IbExit radical – funcionaria como um rebocador a arrastar o continente europeu até mundos que o esperam e que são mais brilhantes que o próprio umbigo. Usou, José Saramago, o modo literário para chamar a atenção do adormecimento no qual a Europa estava submersa, uma contribuição singular para enfrentar a cegueira que prosperava com a brutalidade do passado recente. José Saramago intuía que a celebração europeísta, da forma como se estava a produzir, invocava a obscenidade da exploração, daí a importância de intervir para ratificar os valores que nos fazem livres. E agora vem a pergunta-chave: Poderia um encontro de culturas e civilizações impedir o caos? Não é isso o que está escrito no romance, mas depreende-se da sua leitura que os seres humanos, colocados em posição de entendimento e de mútua compreensão, podem alterar todos os projetos.
Navegava a jangada de pedra pelo oceano enquanto vários homens e mulheres percorriam a ilha-península como novos Quixotes, preparados para enfrentar todos os moinhos de vento. Também estes seres humanos se amam – e aqui Saramago vai mais longe que Cervantes – e geram vidas que nascerão com o maravilhoso dom do inconformismo. Eles, filhos das mães do romance, seguirão escrevendo sobre aventuras fabulosas porque sabem que navegar até aos outros é o melhor e, para além disso, é preciso.
A Jangada de Pedra chega ao México porque é o seu destino natural e lá encontra-se com os outros países do continente americano. A festa dos trinta anos não poderia ser mais bela. Apetece agradecer à vida por permitir-nos que vivamos isto. Faço-o: gracias a la vida."
Sem comentários:
Enviar um comentário