Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Faleceu Júlio Pomar artista plástico e homens das artes

Fotografia de Rui Gaudêncio

Em 11 de Janeiro de 2013, a Fundação José Saramago publicava o texto que se segue, e pode ser recuperado e consultado aqui

"Júlio Pomar já tem o seu Atelier-Museu em Lisboa. E já os amantes da pintura poderão gozar da obra deste grande artista português, amigo de José Saramago, autor do cartaz que anunciava a ópera Blimunda, baseada no romance Memorial do Convento, para o Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa. Júlio Pomar e José Saramago não foram apenas amigos, foram também cúmplices na oposição à ditadura de Salazar e juntos celebraram a democracia e contaram Portugal em diferentes partes do mundo. A primeira gravura que José Saramago pôde comprar na sua vida é de autoria de Pomar e pode ser vista na Fundação José Saramago, na reprodução do escritório que se exibe no primeiro andar da Casa dos Bicos, no final da exposição A Semente e os Frutos.

Parabéns, Júlio Pomar por este Atelier-Museu que a partir de abril deverá ser visitada como uma jóia principal da cidade de Lisboa.


No dia em que completou 87 anos, Júlio Pomar recebeu finalmente a prenda que lhe estava prometida desde 2000 pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), através do então presidente João Soares: um espaço para instalar um atelier-museu dedicado à sua obra. Depois de anos de complicações e burocracias, avanços e paragens, a obra de reconstrução do velho armazém na Rua do Vale, perto de São Bento, assinada pelo arquitecto Álvaro Siza, está concluída e abre portas já em Abril. Hoje foi por isso dia de se celebrar. “Finalmente está feito.” Chama-se Rua do Vale mas podia bem ser a Rua Júlio Pomar. É uma rua estreita, com passeios apertados e de apenas um sentido. Típico bairro lisboeta, onde já é habitual ver o pintor. É aqui que vive e é aqui que trabalha, ou não fosse o atelier em sua casa. E agora é também aqui que a sua obra vai passar a estar exposta, no número 7 dessa rua, no Atelier-museu Júlio Pomar. A longa fachada branca com várias janelas serve quase de caixa-forte do que o interior guarda. Lá dentro, num espaço pensado e projectado por Álvaro Siza, estará todo o espólio do pintor pertencente à Fundação Júlio Pomar. Entre pinturas, desenhos, gravuras e esculturas, quase 400 obras. Já há exposições programadas e também colaborações institucionais, com museus e universidades, em curso. Em Abril vamos saber mais porque quinta-feira o dia foi de festa. Pomar faz anos e as obras acabaram. “É um presente de amigos”, diz, não poupando elogios a Siza, arquitecto que escolheu para este projecto. “Este espaço parece-me magnífico, parece-me uma grande lição dada pelo Siza, que é o menos fantasista dos arquitectos que conheço, tudo o que ele faz é pensado e sentido”, acrescenta, lamentando no entanto as burocracias e problemas que a obra levantou ao longo do tempo e que levou a constantes adiamentos.


Desde que João Soares deliberou que o edifício seria para Júlio Pomar que mais três presidentes (Carmona Rodrigues, Santana Lopes e António Costa) passaram pela CML, tal foi a quantidade de avanços e recuos. O projecto inicial, que seria a criação de um atelier, foi abandonado à medida que os anos foram passando. Hoje, Pomar tem um museu. “Porque tem mais lógica”, diz. “O que não quer dizer que não faça os seus desenhitos, mas acredito que trabalhará muito melhor, no seu atelier mesmo aqui em frente e ao qual já está habituado”, conta Siza, explicando que o pintor em nada interferiu na projecção da obra. Se alguma influencia existiu na idealização do espaço foi a amizade entre os dois, que “deu um ar de felicidade ao interior”. “Isto assim como está é o que faz mais sentido”, garante o pintor, não escondendo a gratidão também perante António Costa, o actual presidente da Câmara.

“Porque é que uma ideia leva 12 anos a ser concretizada?”, questiona-se Costa, que entregou simbolicamente a chave do edifício a Pomar, que imediatamente fez questão de a passar a Sara Antónia Matos, a directora do Atelier-Museu. “Não é obvio que um barracão que estava abandonado devia ser transformado em algo como aquilo que temos aqui hoje? Não é óbvio que é um privilégio para Lisboa ter no seu território uma obra de Siza? Não é óbvio que Júlio Pomar é um artista extraordinário?”, continua o presidente, queixando-se da regulamentação “muito pesada e que complica muito”. Por tudo isto, a obra, paga na sua totalidade pela Câmara, ficou em cerca de 900 mil euros, valor que podia ter sido mais baixo se se tivesse levado menos tempo, explica Costa.

Nas paredes para já está apenas um quadro, Praça do Comércio, de 2007. A escolha é simbólica, explica a directora. Além de ter sido a última doação à Fundação, apenas há dias, foi a mulher do pintor que ofereceu. “Agora é preciso que chegue Abril para o espaço ganhar vida.”

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