Perguntam-me não raras vezes:
- "Qual o livro de José Saramago que mais gostaste de ler?"
A resposta que pode ser dada a cada momento:
- "Impossível de dizer... não sei responder, não seria justo para com outros (livros) não nomeados. Mas uma coisa sempre soube. Uma obra de Saramago, enquanto "pseudo ser vivo" ou com "gente dentro" tem que me raptar, prender-me, não me deixar sair de dentro das suas páginas. Fazer de mim um refém, e só me libertar no final da leitura... mesmo ao chegar à última página. Aí, o "Eu" leitor que se mantém refém, liberta-se da "gente que a obra transporta dentro" e segue o seu caminho.
Mas segue um caminho que se faz caminhando, conjuntamente com mais uma família"

Rui Santos

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

"Saramago para além do romance – Um nobel em outros gêneros" de José Figueiredo via "Homo Literatus"

"Saramago para além do romance – Um nobel em outros gêneros"  
de José Figueiredo, publicado em "Homo Literatus"

O texto pode ser consultado e recuperado aqui



"A obra do Nobel de 1998 é bem maior do que apenas a sua faceta conhecida nos romances. Saiba quais são os livros de poesia, conto e teatro de Saramago.

Quando se fala de José Saramago, alguns lugares comuns são inevitáveis: ser o único autor de língua portuguesa a receber o Nobel de Literatura; os seus romances extensos com períodos longuíssimos e parágrafos infindáveis; a análise crítica da História portuguesa; a tentativa de mostrar alguns problemas do mundo moderno e seus desdobramentos. O que, porém, nem sempre se fala é que a obra do Nobel de 1998 é bem maior do que apenas a sua faceta conhecida nos romances.

Se juntarmos o conjunto da obra, encontraremos um complexo amalgama formado peças de teatro, livros de contos – por mais difícil que possa parecer aos que conhecem seus romances caudalosos -, poesia, crônica, diários, memórias, livros de viagens e (imaginem só!)  até um livro infantil.

Para aqueles que ainda não conhecem o autor para além dos romances, elencamos algumas obras de outros gêneros para quem quiser ir além dos romances no mundo saramaguiano.

Que farei com este livro? (Teatro)
É provavelmente a melhor das cinco peças escritas por José Saramago, além de ser a que tem o mote mais interessante: Luís de Camões retorna das Índias depois de muito sacrifício e da ajuda de um amigo e deseja publicar a sua grande obra, Os Lusíadas. Mas estamos em Portugal do século XVI, ou seja, temos a Inquisição que não vê com bons olhos um livro onde deuses pagãos ditam o destino da humanidade; além disso, vemos uma corte portuguesa ociosa, puxa-saca e comandada por Dom Sebastião – um sujeitinho um tanto aficionado em lutar contra os mouros no norte de África. Mesmo sendo uma peça – e não tendo, assim, um narrador –, José Saramago consegue mostrar o mundo contraditório e por vezes mesquinho de Portugal por meio de diálogos afiadíssimos.

Cadernos de Lanzarote (Diários)
Escritos por Saramago no alto dos seus setenta anos, estes cadernos são o cotidiano do escritor português entre 1993 e 1995. Neles encontramos os mais variados assuntos: o cotidiano caseiro em Lanzarote; comentários sobre o que é Literatura e sobre outros autores; a reação de Saramago frente aos acontecimentos do mundo e ao recebimento do Prêmio Camões; a sua evolução no romance que escrevia à época, Ensaio Sobre a Cegueira. Não há nada de bombástico nesses cadernos-díários, encontramos apenas o autor a se desvelar dos assuntos mais prosaicos – sobre o fato de ter aparecido mais um cão sem dono à sua casa, por exemplo – aos mais complexos e espinhosos, sempre com total dedicação e entusiasmo.

O Conto da Ilha Desconhecida (Conto)
Pode parecer estranho, ou até aterrador, que Saramago tenha escrito contos, dado o seu estilo nada conciso de escrita, mas o fato é que ele se aventurou pelas histórias curtas algumas vezes durante a vida, tendo encontrado o seu melhor resultado nesse livretinho de trinta e pouca páginas. O mote que dá espaço para as divagações do autor é bem simples: um homem bate no castelo e pede um barco para descobrir uma ilha; sendo indagado qual ilha ele quer descobrir, ele responde que quer descobrir a dita ilha desconhecida do título. Saramago, assim, cria uma grande metáfora sobre o homem, focando suas ambições e frustrações durante a existência.

O Ano de 1993 (Poesia)
Quando se fala desse livro, normalmente é para se mostrar espanto em relação a ele. Escrito antes de Saramago retomar o romance, gênero que havia abandonado há vinte cinco anos, temos narrado aqui um mundo distópico onde o caos está instalado. Uma alegoria da história da humanidade (é fácil reconhecer vários eventos da história). Já aqui o autor mostra muitas das características que fariam parte da sua escrita a partir de então: sintaxe flexível, personagens sem nome, histórias/parabólicas (estes dois últimos pontos, ele retomaria apenas vinte anos depois, em Ensaio Sobre a Cegueira). Um ponto de transição da sua incursão pelo mundo da poesia para o da prosa, o livro é composto por pequenos trechos de escrita elíptica, que nada lembram a enxurrada de palavras que estava por vir. É um livro interessante para quem quer conhecer um grande escritor em formação.

Há ainda outras recomendações que poderíamos fazer, tais como Os Poemas Possíveis, seu primeiro livro de poesia, ou as peças A Segunda Vida de Francisco de Assis e In Nomine Dei, nas quais Saramago aborda mais uma vez a boa e velha religião católica. Seja como for, José Saramago é um mundo a parte – muito maior que apenas seus romances conhecidos."

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