Do seu punho, escrito desde os idos tempos em que os primeiros rascunhos dificilmente teriam a sorte de serem bafejados com a luz do dia; passando aos dias em que usava uma muito comentada "velha máquina Hermes", onde deverá ter rezado a paz à sua alma, como se uma máquina a pudesse ter, com o final do trabalhoso dactilografar de "O Ano da Morte de Ricardo Reis". E por fim, o computador e o portátil de secretária.
Não me é difícil de imaginar o homem, saltando estas etapas, criando condições para que o fluir das duas linhas fossem tão compatíveis com o andamento com que escrevia. Referia ele, que era escritor de poucas rasuras... soube acompanhar os dias...
23 de Junho de 2009, por ocasião do lançamento de "O Caderno" - João Céu e Silva apresenta esta crónica no DN
"José Saramago mais virtual do que nunca"
"Ao Nobel já não faltam muitas experiências de vida. Desta vez, quem dispensar a razão física da existência pode assistir à apresentação de 'O Caderno' em qualquer parte do planeta.
Da velha máquina de escrever Hermes, em que ainda dactilografou O Ano da Morte de Ricardo Reis, até ao moderno computador portátil em que já escreveu A Viagem do Elefante, foi um longo caminho para José Saramago, que se diz ser pouco dado às tecnologias. Mas essa sua afirmação parece ser quase tão etérea quanto o espaço virtual onde se iniciou quase diariamente, por imposição da mulher, Pilar del Río, e cuja produção bloguista já resulta em livros, como o que esta quinta-feira será lançado oficialmente em Lisboa.
O Caderno de José Saramago reúne textos que o escritor vai colocando, por norma, entre segundas e sextas-feiras no seu blogue - e que o DN reproduz em simultâneo - e trata de temas tão diversos como a reconstituição do percurso do seu último romance, o comentário à oferta que Hugo Chávez fez a Obama, um exemplar do livro As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, e que tanta polémica provocou ou a entrada intitulada A Coisa Berlusconi, que ainda mais celeuma gerou.
Os textos de O Caderno não são um género novo no Nobel, que já o cultivou nos cinco volumes de Cadernos de Lanzarote, mas desta vez tem o picante de nascerem na Internet e de as reacções serem em tempo real. São estas implicações na literatura e do comentário sobre a sociedade que o escritor irá eleger na apresentação do volume que reúne algumas dezenas de posts, numa sessão que conta com a participação de dois bloguistas assumidos, a Ciberescritas Isabel Coutinho e o Bibliotecáriodebabel José Mário Silva, e que irão comentar o meio ano de vida do Blogjosesaramago.
Antes mesmo da sessão, já se sabe um pouco da opinião do escritor sobre a actividade dos blogues. Em entrevista ao jornal argentino Clarín, Saramago contesta a ligeireza com que muitos escrevem neste espaço: "A prática do blogue levou muitas pessoas que antes pouco ou nada escreviam a escrever. Pena que muitas delas pensem que não vale a pena se preocupar com a qualidade do que se escreve." E acrescentou: "Pessoalmente cuido tanto do texto de um blogue como de uma página de romance."
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